Empresário
defendeu um aumento de impostos para donos de grandes fortunas 'É melhor do que
gastar o dinheiro em um helicóptero e depois sobrevoar favelas'
Ruth
Costas - BBC Brasil (publicado em 4 de maio de 2015) – Carta Maior
Sócio
majoritário do conglomerado Semco Partners e ex-professor de Harvard e do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), Ricardo Semler tornou-se um dos
empresários brasileiros mais conhecidos no exterior nos anos 90 por aplicar em
sua empresa princípios gerenciais que ficaram conhecidos como 'democracia
corporativa'.
Na Semco, os trabalhadores escolhem seus salários, horário e local de trabalho, além dos seus gerentes. A hierarquia rígida foi substituída por um regime em que todos podem opinar no planejamento da empresa.
Recentemente, Semler voltou a ganhar notoriedade no Brasil e no exterior por dois motivos. Primeiro, porque o desempenho extraordinário de algumas empresas criadas por jovens empreendedores (como Facebook e Google) aumentou o interesse por práticas gerenciais inovadoras.
Segundo, em função de um artigo polêmico publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, em que, ao comentar o caso de corrupção na Petrobras, Semler defendeu que "nunca se roubou tão pouco" no Brasil.
"Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80 e 90, até recentemente", escreveu ele.
Semler é filiado ao PSDB, mas o artigo acabou sendo usado por quem defende o ponto de vista do governo e do PT no escândalo.
Ao comentar o episódio em entrevista à BBC Brasil, o empresário defendeu que a politização do debate sobre corrupção é contraproducente e que o escândalo da Petrobras e as repercussões do caso envolvendo a divulgação dos nomes de brasileiros com conta no HSBC da Suíça são sinais de que o país está mudando. "Pela primeira vez no Brasil temos gente rica assustada", afirmou.
O empresário também defendeu um aumento do imposto sobre transmissão (herança) para os donos de grandes fortunas e disse que aceitaria pagar até 50%. "Isso não afetaria em nada a disposição do empresário em investir", opinou. Confira abaixo a entrevista:
BBC Brasil: O seu artigo virou referência para quem defende o governo e o PT nos debates sobre o caso Petrobras. Isso o incomoda?
Semler: O objetivo (do artigo) não era esse, mas isso não impede que cada um se aproprie dele para fins próprios. Queria que as pessoas se perguntassem: O Brasil está ou é corrupto?
Essas questões que estão sendo jogadas contra o governo do dia são muito antigas. A Petrobras é só a ponta do iceberg. Há corrupção nas teles, nas montadoras, nas farmacêuticas, nos hospitais particulares. O problema é endêmico e não adianta fazer de conta que surgiu agora. Se você vai para a Paulista e grita contra a corrupção, também precisa responder: Está declarando todos os seus imóveis pelo valor cheio? Nunca deu R$ 50 para o guarda rodoviário? Nunca pediu meio recibo para um médico? E quem está colocando no Congresso esses políticos? Não sei se a Paulista não estaria vazia se todo mundo fizesse um autoexame.
O que ocorre com a corrupção é algo semelhante a nossa percepção sobre violência. Nunca se matou tão pouco no mundo – pense nas duas grandes guerras, na guerra civil espanhola, etc. Mas a internet, os debates, a difusão da informação faz com que tenhamos a sensação contrária.
BBC Brasil: Qual sua posição sobre os protestos?
Semler: Os protestos são legítimos e positivos. As pessoas estão se mobilizando por causas diversas. Daqui a pouco, por causa da situação econômica, também vão reclamar da inflação, do desemprego. Mas sobre esse tema, a corrupção, acho interessante entender se quem está na rua vai levar os princípios pelos quais está lutando para sua vida pessoal, a empresa onde trabalha.
BBC Brasil: A politização da questão é um problema?
Na Semco, os trabalhadores escolhem seus salários, horário e local de trabalho, além dos seus gerentes. A hierarquia rígida foi substituída por um regime em que todos podem opinar no planejamento da empresa.
Recentemente, Semler voltou a ganhar notoriedade no Brasil e no exterior por dois motivos. Primeiro, porque o desempenho extraordinário de algumas empresas criadas por jovens empreendedores (como Facebook e Google) aumentou o interesse por práticas gerenciais inovadoras.
Segundo, em função de um artigo polêmico publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, em que, ao comentar o caso de corrupção na Petrobras, Semler defendeu que "nunca se roubou tão pouco" no Brasil.
"Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80 e 90, até recentemente", escreveu ele.
Semler é filiado ao PSDB, mas o artigo acabou sendo usado por quem defende o ponto de vista do governo e do PT no escândalo.
Ao comentar o episódio em entrevista à BBC Brasil, o empresário defendeu que a politização do debate sobre corrupção é contraproducente e que o escândalo da Petrobras e as repercussões do caso envolvendo a divulgação dos nomes de brasileiros com conta no HSBC da Suíça são sinais de que o país está mudando. "Pela primeira vez no Brasil temos gente rica assustada", afirmou.
O empresário também defendeu um aumento do imposto sobre transmissão (herança) para os donos de grandes fortunas e disse que aceitaria pagar até 50%. "Isso não afetaria em nada a disposição do empresário em investir", opinou. Confira abaixo a entrevista:
BBC Brasil: O seu artigo virou referência para quem defende o governo e o PT nos debates sobre o caso Petrobras. Isso o incomoda?
Semler: O objetivo (do artigo) não era esse, mas isso não impede que cada um se aproprie dele para fins próprios. Queria que as pessoas se perguntassem: O Brasil está ou é corrupto?
Essas questões que estão sendo jogadas contra o governo do dia são muito antigas. A Petrobras é só a ponta do iceberg. Há corrupção nas teles, nas montadoras, nas farmacêuticas, nos hospitais particulares. O problema é endêmico e não adianta fazer de conta que surgiu agora. Se você vai para a Paulista e grita contra a corrupção, também precisa responder: Está declarando todos os seus imóveis pelo valor cheio? Nunca deu R$ 50 para o guarda rodoviário? Nunca pediu meio recibo para um médico? E quem está colocando no Congresso esses políticos? Não sei se a Paulista não estaria vazia se todo mundo fizesse um autoexame.
O que ocorre com a corrupção é algo semelhante a nossa percepção sobre violência. Nunca se matou tão pouco no mundo – pense nas duas grandes guerras, na guerra civil espanhola, etc. Mas a internet, os debates, a difusão da informação faz com que tenhamos a sensação contrária.
BBC Brasil: Qual sua posição sobre os protestos?
Semler: Os protestos são legítimos e positivos. As pessoas estão se mobilizando por causas diversas. Daqui a pouco, por causa da situação econômica, também vão reclamar da inflação, do desemprego. Mas sobre esse tema, a corrupção, acho interessante entender se quem está na rua vai levar os princípios pelos quais está lutando para sua vida pessoal, a empresa onde trabalha.
BBC Brasil: A politização da questão é um problema?
A
sensação de que os ricos podem fazer qualquer coisa está fraquejando. É um
indício de que esse momento do Brasil que durou 50, 60 anos está começando a
terminar, mas serão necessários 20, 30 anos para fazer essa transição.
Semler: A
politização é inevitável, mas não era necessária para essa discussão - porque o
que está acontecendo não tem nada a ver com partidos. Basta olhar para o
escândalo do HSBC. Ele revelou que quase 10 mil brasileiros têm conta no
exterior – imagino que a grande maioria não declarada. Isso não tem a ver com o
PT - ou com o PSDB. Há 30, 40, 50 anos as pessoas mandam dinheiro para a Suíça
para pagar menos imposto.
BBC Brasil: Os casos Petrobras e HSBC indicam alguma mudança?
Semler: É bom ver alguns executivos de algema. Pela primeira vez no Brasil, temos gente rica assustada. Até agora, você tinha uma classe média assustada, os pobres assustados e os ricos em suas mansões e helicópteros, ou indo para a Europa. Quando o cara é notificado pela polícia federal para explicar o dinheiro que ele tinha na Suíça, é um horror para essa elite e é uma beleza para o país.
A sensação de que os ricos podem fazer qualquer coisa está fraquejando. É um indício de que esse momento do Brasil que durou 50, 60 anos está começando a terminar, mas serão necessários 20, 30 anos para fazer essa transição.
BBC Brasil:É possível acabar com a corrupção?
Semler: Alguns países nórdicos e europeus têm um grau de corrupção muito baixo hoje, apesar de terem sido os grandes corruptores do mundo no século 15, 16 ou 17. Acho que a educação, sem dúvida, faz parte desse processo. Nesses países, as escolas há muito tempo também se dedicam a discutir questões éticas e padrões de comportamento em comunidade. Se você só ensina a estrutura do átomo, a tabela periódica e equações matemáticas o aluno pode passar no vestibular, mas não vai ter parado um segundo para pensar em questões fundamentais da vida.
BBC Brasil: Qual a extensão do problema de corrupção no setor privado?
Semler: Muitas vezes, o principal interessado em acabar com o problema é o investidor, o dono do negócio. É esse o caso, por exemplo, de um diretor de compras (de uma empresa), que age com muita discrição (cobrando propina de fornecedores). Mas é difícil detectar e acabar com isso. O processo de controle e a gestão clássica das empresas é muito ineficaz.
BBC Brasil:Por que um milionário ou bilionário arrisca colocar a reputação em risco para não pagar imposto?
Semler: Acho que a questão é antropológica-humanística. Por que uma pessoa que tem 20, 30, 40 bilhões de dólares quer ganhar mais cinco (bilhões)? Porque não fica em Zurique, jogando tênis? Talvez porque pense que com mais um pouquinho vai ser feliz.
BBC Brasil: É possível ser um empresário honesto no Brasil?
Semler: Sim. Uma boa parte dos empresários é honesta. Mesmo gente controversa. O Abílio (Diniz) não construiu sua rede de supermercados dando propina para ninguém. Pode ser comum receber a proposta: você me dá dez por cento e eu te ajudo. E aí tem gente que diz: 'Ah, o Brasil é assim mesmo'. Ou: 'O que adianta eu pagar imposto se essa turma do PT não vai usar o dinheiro direito'. Isso precisa acabar.
BBC Brasil: Os empresários ricos e donos de grandes fortunas poderiam pagar mais imposto no Brasil? Há gente que defende que isso poderia aliviar o peso do aperto fiscal sobre o resto da população, por exemplo...
Semler: O imposto sobre a operação já está no limite. Mas acho que particularmente os impostos de transmissão (herança) são baixos. Quando o patrimônio de um grande empresário passa para seus filhos, muitas vezes eles compram mais Ferraris, mais mansões, etc. O uso social desse patrimônio é o mais estúpido possível. Há muito espaço para aumentar (a taxa) e isso não afetaria em nada a disposição do empresário em investir. Até porque muitas vezes esse patrimônio foi construído por pessoas de outras gerações.
BBC Brasil: O senhor aceitaria pagar mais imposto?
Semler: Tranquilamente.
BBC Brasil: Quanto seria aceitável?
Semler: No caso do imposto de transmissão, não acho chocante o Estado ficar com 50%. No de imposto de renda, 40% (para a faixa mais alta de renda). Tinha um sócio na Suécia que chegou a pagar 101% de sua renda em imposto.
BBC Brasil: Como isso é possível?
Semler: É um princípio difícil de a gente aceitar. Hoje, isso não existe mais. Agora, o imposto (de renda) máximo lá é 85%, se não me engano. Mas a Suécia dizia o seguinte: 'Você já tem tanto que seu único papel é devolver um pouquinho'. A questão é que a pessoa sai na rua e não há pobreza. O dinheiro é usado de forma eficiente.
Pagar 50% (de imposto sobre herança) é aceitável para muita gente se é feito bom uso desses recursos. Se você sai na rua e tem a sensação de que está indo nessa direção (Suécia), mesmo que não chegue a ver o resultado em vida. É uma opção melhor do que gastar (o dinheiro) em um helicóptero e depois ter de sobrevoar favelas.
Mas também há muita gente (rica) que prefere fazer homenagem a si mesma. Temos aquelas doações que são um exercício de vaidade… as pessoas doam dinheiro para ter uma ala do hospital com seu nome: 'Todo mundo que for esperar para fazer uma mamografia vai ver o meu nome'. Ao fazer uma unidade de um determinado hospital ou escola (privados) em Paraisópolis cria-se uma ilha da fantasia.
São Paulo tem mais 180 favelas aonde ninguém vai. Acho que isso não funciona, não adianta para a sociedade como um todo. A elite brasileira costuma se vangloriar de fazer pequenas coisas, mas o Brasil tem problemas muito maiores.
BBC Brasil: O senhor também tem falado muito sobre o tema da desigualdade. Qual o papel dos empresários e das empresas na redução do fosso entre ricos e pobres?
Semler: Tenho a impressão de que o grande empresário, tal como o sistema está constituído hoje, com essa liberdade, não vai contribuir em nada. Pense no global. Ele não tem interesse em dizer: estou lucrando muito aqui, mas tem uma população que vai mal em Gana, no Camboja... O cara dá de ombros. 'Não tenho nada a ver com isso. Pago meu imposto', pensa.
A autopropulsão, ou o drive, do empresário está associada a um egoísmo. No melhor dos casos, a um autocentrismo. Ele até pode pensar 'preciso fazer algum projeto ambiental’, mas não quer que se metam com seu carro, sapatos caros, etc. Os grandes empresários tendem a ser egoístas ou autocentrados. No Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Acho difícil esperar que tenham uma posição altruísta ou idealista em relação ao resto da humanidade. Figuras como Steve Jobs ou Bill Gates, por exemplo, não são muito diferentes dos grandes empresários americanos do fim do século 19, que expandiram as redes de eletricidade e ferrovias do país. São monopolistas, tentam quebrar os concorrentes, têm um ego enorme.
BBC Brasil: O senhor ficou famoso por aplicar a chamada democracia corporativa em sua empresa. Os trabalhadores escolhem seus horários e seus salários. Como isso pode dar certo?
Semler: Se você dá às pessoas todos os parâmetros para que elas decidam, elas decidem bem. É claro que o único fator a ser considerado não é, por exemplo, quanto cada um quer ganhar. Os trabalhadores se organizam para fazer o orçamento dos próximos 6 meses ou 1 ano, analisam o que precisam e que salário é preciso pagar para isso. Cada um diz o que gostaria e o grupo vê se é possível. O autointeresse é cotejado pelo coletivo. Em parte, o que fizemos foi mudar esse sistema do 'eu mando, você obedece' por um sistema em que eu pergunto: 'Quando você quer trabalhar? Quer vir até aqui ou não?'
BBC Brasil: Há mais interesse por esse sistema hoje?
Semler: Certamente. Fiz recentemente uma palestra TED (formato de conferências curtas, que se popularizaram na internet) que conseguiu 1,2 milhões de views (acessos) em pouco mais de um mês, principalmente de americanos. Conforme empresas abertas por grupos de jovens conseguem em poucos anos se equiparar a empresas tradicionais, muita gente está percebendo que a hierarquia militar que prevalece em algumas companhias não serve mais.
Olhei esses dias uma lista da revista INC das cem empresas mais promissoras (do globo) e só conhecia duas. Nunca tinha ouvido falar das outras 98. O novo jeito de se organizar e de ser criativo, de inovar, não passa mais pela GE (General Electric) e pela GM (General Motors). Essas empresas que aparentemente tinham o poder e o controle sobre tudo estão perdendo espaço.
Não faz mais sentido dizer que os funcionários de uma empresa devem chegar às 8h e sair às 5h, que devem se vestir e falar como mandam seus superiores. Esse sistema criado com a linha de montagem de Henry Ford, há cem anos, está obsoleto.
BBC Brasil: Qual o objetivo desse modelo de gestão alternativo? Obter mais lucro ou ter funcionários mais satisfeitos?
Semler: Há 30 anos, crescemos 41% ao ano, em média. E, ao mesmo tempo, tenho 2% de turnover (rotatividade de empregados) e o índice de satisfação de nossos funcionários também é bastante alto, embora não seja o que gostaríamos. Então, o que mostramos é, justamente, que é um falso dilema dizer que ou a empresa lucra ou seus funcionários ficam felizes.
BBC Brasil: Os casos Petrobras e HSBC indicam alguma mudança?
Semler: É bom ver alguns executivos de algema. Pela primeira vez no Brasil, temos gente rica assustada. Até agora, você tinha uma classe média assustada, os pobres assustados e os ricos em suas mansões e helicópteros, ou indo para a Europa. Quando o cara é notificado pela polícia federal para explicar o dinheiro que ele tinha na Suíça, é um horror para essa elite e é uma beleza para o país.
A sensação de que os ricos podem fazer qualquer coisa está fraquejando. É um indício de que esse momento do Brasil que durou 50, 60 anos está começando a terminar, mas serão necessários 20, 30 anos para fazer essa transição.
BBC Brasil:É possível acabar com a corrupção?
Semler: Alguns países nórdicos e europeus têm um grau de corrupção muito baixo hoje, apesar de terem sido os grandes corruptores do mundo no século 15, 16 ou 17. Acho que a educação, sem dúvida, faz parte desse processo. Nesses países, as escolas há muito tempo também se dedicam a discutir questões éticas e padrões de comportamento em comunidade. Se você só ensina a estrutura do átomo, a tabela periódica e equações matemáticas o aluno pode passar no vestibular, mas não vai ter parado um segundo para pensar em questões fundamentais da vida.
BBC Brasil: Qual a extensão do problema de corrupção no setor privado?
Semler: Muitas vezes, o principal interessado em acabar com o problema é o investidor, o dono do negócio. É esse o caso, por exemplo, de um diretor de compras (de uma empresa), que age com muita discrição (cobrando propina de fornecedores). Mas é difícil detectar e acabar com isso. O processo de controle e a gestão clássica das empresas é muito ineficaz.
BBC Brasil:Por que um milionário ou bilionário arrisca colocar a reputação em risco para não pagar imposto?
Semler: Acho que a questão é antropológica-humanística. Por que uma pessoa que tem 20, 30, 40 bilhões de dólares quer ganhar mais cinco (bilhões)? Porque não fica em Zurique, jogando tênis? Talvez porque pense que com mais um pouquinho vai ser feliz.
BBC Brasil: É possível ser um empresário honesto no Brasil?
Semler: Sim. Uma boa parte dos empresários é honesta. Mesmo gente controversa. O Abílio (Diniz) não construiu sua rede de supermercados dando propina para ninguém. Pode ser comum receber a proposta: você me dá dez por cento e eu te ajudo. E aí tem gente que diz: 'Ah, o Brasil é assim mesmo'. Ou: 'O que adianta eu pagar imposto se essa turma do PT não vai usar o dinheiro direito'. Isso precisa acabar.
BBC Brasil: Os empresários ricos e donos de grandes fortunas poderiam pagar mais imposto no Brasil? Há gente que defende que isso poderia aliviar o peso do aperto fiscal sobre o resto da população, por exemplo...
Semler: O imposto sobre a operação já está no limite. Mas acho que particularmente os impostos de transmissão (herança) são baixos. Quando o patrimônio de um grande empresário passa para seus filhos, muitas vezes eles compram mais Ferraris, mais mansões, etc. O uso social desse patrimônio é o mais estúpido possível. Há muito espaço para aumentar (a taxa) e isso não afetaria em nada a disposição do empresário em investir. Até porque muitas vezes esse patrimônio foi construído por pessoas de outras gerações.
BBC Brasil: O senhor aceitaria pagar mais imposto?
Semler: Tranquilamente.
BBC Brasil: Quanto seria aceitável?
Semler: No caso do imposto de transmissão, não acho chocante o Estado ficar com 50%. No de imposto de renda, 40% (para a faixa mais alta de renda). Tinha um sócio na Suécia que chegou a pagar 101% de sua renda em imposto.
BBC Brasil: Como isso é possível?
Semler: É um princípio difícil de a gente aceitar. Hoje, isso não existe mais. Agora, o imposto (de renda) máximo lá é 85%, se não me engano. Mas a Suécia dizia o seguinte: 'Você já tem tanto que seu único papel é devolver um pouquinho'. A questão é que a pessoa sai na rua e não há pobreza. O dinheiro é usado de forma eficiente.
Pagar 50% (de imposto sobre herança) é aceitável para muita gente se é feito bom uso desses recursos. Se você sai na rua e tem a sensação de que está indo nessa direção (Suécia), mesmo que não chegue a ver o resultado em vida. É uma opção melhor do que gastar (o dinheiro) em um helicóptero e depois ter de sobrevoar favelas.
Mas também há muita gente (rica) que prefere fazer homenagem a si mesma. Temos aquelas doações que são um exercício de vaidade… as pessoas doam dinheiro para ter uma ala do hospital com seu nome: 'Todo mundo que for esperar para fazer uma mamografia vai ver o meu nome'. Ao fazer uma unidade de um determinado hospital ou escola (privados) em Paraisópolis cria-se uma ilha da fantasia.
São Paulo tem mais 180 favelas aonde ninguém vai. Acho que isso não funciona, não adianta para a sociedade como um todo. A elite brasileira costuma se vangloriar de fazer pequenas coisas, mas o Brasil tem problemas muito maiores.
BBC Brasil: O senhor também tem falado muito sobre o tema da desigualdade. Qual o papel dos empresários e das empresas na redução do fosso entre ricos e pobres?
Semler: Tenho a impressão de que o grande empresário, tal como o sistema está constituído hoje, com essa liberdade, não vai contribuir em nada. Pense no global. Ele não tem interesse em dizer: estou lucrando muito aqui, mas tem uma população que vai mal em Gana, no Camboja... O cara dá de ombros. 'Não tenho nada a ver com isso. Pago meu imposto', pensa.
A autopropulsão, ou o drive, do empresário está associada a um egoísmo. No melhor dos casos, a um autocentrismo. Ele até pode pensar 'preciso fazer algum projeto ambiental’, mas não quer que se metam com seu carro, sapatos caros, etc. Os grandes empresários tendem a ser egoístas ou autocentrados. No Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Acho difícil esperar que tenham uma posição altruísta ou idealista em relação ao resto da humanidade. Figuras como Steve Jobs ou Bill Gates, por exemplo, não são muito diferentes dos grandes empresários americanos do fim do século 19, que expandiram as redes de eletricidade e ferrovias do país. São monopolistas, tentam quebrar os concorrentes, têm um ego enorme.
BBC Brasil: O senhor ficou famoso por aplicar a chamada democracia corporativa em sua empresa. Os trabalhadores escolhem seus horários e seus salários. Como isso pode dar certo?
Semler: Se você dá às pessoas todos os parâmetros para que elas decidam, elas decidem bem. É claro que o único fator a ser considerado não é, por exemplo, quanto cada um quer ganhar. Os trabalhadores se organizam para fazer o orçamento dos próximos 6 meses ou 1 ano, analisam o que precisam e que salário é preciso pagar para isso. Cada um diz o que gostaria e o grupo vê se é possível. O autointeresse é cotejado pelo coletivo. Em parte, o que fizemos foi mudar esse sistema do 'eu mando, você obedece' por um sistema em que eu pergunto: 'Quando você quer trabalhar? Quer vir até aqui ou não?'
BBC Brasil: Há mais interesse por esse sistema hoje?
Semler: Certamente. Fiz recentemente uma palestra TED (formato de conferências curtas, que se popularizaram na internet) que conseguiu 1,2 milhões de views (acessos) em pouco mais de um mês, principalmente de americanos. Conforme empresas abertas por grupos de jovens conseguem em poucos anos se equiparar a empresas tradicionais, muita gente está percebendo que a hierarquia militar que prevalece em algumas companhias não serve mais.
Olhei esses dias uma lista da revista INC das cem empresas mais promissoras (do globo) e só conhecia duas. Nunca tinha ouvido falar das outras 98. O novo jeito de se organizar e de ser criativo, de inovar, não passa mais pela GE (General Electric) e pela GM (General Motors). Essas empresas que aparentemente tinham o poder e o controle sobre tudo estão perdendo espaço.
Não faz mais sentido dizer que os funcionários de uma empresa devem chegar às 8h e sair às 5h, que devem se vestir e falar como mandam seus superiores. Esse sistema criado com a linha de montagem de Henry Ford, há cem anos, está obsoleto.
BBC Brasil: Qual o objetivo desse modelo de gestão alternativo? Obter mais lucro ou ter funcionários mais satisfeitos?
Semler: Há 30 anos, crescemos 41% ao ano, em média. E, ao mesmo tempo, tenho 2% de turnover (rotatividade de empregados) e o índice de satisfação de nossos funcionários também é bastante alto, embora não seja o que gostaríamos. Então, o que mostramos é, justamente, que é um falso dilema dizer que ou a empresa lucra ou seus funcionários ficam felizes.
Créditos
da foto: reprodução
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