Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
Só
mesmo uma enorme falta de respeito pela inteligência das pessoas pode levar
alguém a dizer que foi o PS o único responsável pela crise financeira que levou
ao resgate, como é completamente falacioso atribuir todas as responsabilidades
da vinda da troika ao PSD. O facto é que dadas as circunstâncias não havia
outra solução.
Por
outro lado, a discussão sobre o chumbo do PEC IV também é espúria. A questão
estava longe de ser económica, Sócrates, muito simplesmente, estava esgotado
politicamente e nem que de repente chovesse dinheiro em Portugal o governo se
manteria.
O
país, pura e simplesmente, não estava preparado para resistir à mais grave
crise económica internacional das últimas décadas. Talvez nunca se esteja
preparado para resistir a um abalo da dimensão daquele. Talvez não se tenha
feito desde o 25 de Abril - ou até antes - o suficiente, talvez o euro nos
tenha deixado demasiado expostos, talvez tivéssemos confiado demasiado no
projeto europeu e nas ordens e contraordens que nomeadamente o último governo
foi recebendo ou talvez - o que é o mais certo - seja um cocktail de todas
estas razões.
Não
há quem não vocifere contra as obras públicas, quem culpe as parcerias
público-privadas por todas as nossas desgraças, quem até culpe aeroportos que
nunca se fizeram, autoestradas que nunca se construíram e travessias que nunca
passaram do papel por a tal bancarrota. Não serei eu a negar que existiram
exageros na construção de estradas, na proliferação de pavilhões multiusos, em
rotundas, gastos inúteis, gestões ruinosas de empresas públicas e afins. O
estimado leitor acrescentará à lista os disparates que conhece tão bem como eu.
Convém,
no entanto, lembrar o que está de facto em causa quando falamos do grosso dos
gastos do Estado nestas últimas décadas, das faturas que realmente contam e em
endividamentos das famílias e das empresas (sendo o problema da dívida destas
bem maior do que o do Estado). Por vezes, esquecemo-nos de que é na educação
pública, no serviço nacional de saúde, nas pensões, nos apoios a quem fica sem
condições de subsistência que o Estado e as suas entidades gastam o dinheiro -
não, os carros e as viagens e as supostas mordomias dos políticos não têm o
mínimo de impacto, por muito que custe a quem faz discursos com base nesse
disparate. Mais, que todos estes sistemas foram praticamente todos construídos
nestes últimos 40 anos. E se falarmos em endividamento de famílias temos de nos
lembrar de que este resultou de coisas tão básicas como frigoríficos,
micro-ondas e desse pequeno pormaior chamado crédito à habitação, ao qual
gerações inteiras de portugueses foram obrigadas a recorrer.
No
fundo, é a tudo isto que muitos chamaram, e ainda chamam, viver acima das
nossas possibilidades.
Há
uma pergunta que permanece sem resposta: alguém pensa que temos de dispensar de
forma permanente partes importantes da educação pública, saúde, pensões,
seguros sociais e/ou que seremos obrigados a ter níveis de vida ainda mais
inferiores aos nossos confrades europeus para estarmos preparados para choques
brutais como o da crise de 2008?
Muitas
vezes se pergunta porque um país que se debate com tantas dificuldades, que
expulsa os seus jovens às centenas de milhares, que tem um coro imenso de gente
sempre disposta a insultar os políticos, mantém de forma sistemática os mesmos
partidos no poder? Porque é que em países com problemas bem menores do que os
nossos, como a França e a Espanha, surgem novos partidos, novas propostas
políticas, e aqui os partidos do arco da governação PS, PSD, CDS e PCP - sim, o
PCP faz parte do arco da governação, talvez melhor, da governabilidade, é o que
absorve os choques, o que disciplina a rua - se vão revezando?
Talvez
sejamos intrinsecamente conservadores; talvez aceitemos os nossos males
endémicos, como a pobreza, a desigualdade ou a emigração, como
inevitabilidades; talvez nos tenhamos, num ponto qualquer da nossa história,
resignado.
Tenho
poucas dúvidas de que estes fatores contribuem para a nossa estabilidade
político-partidária. Mas o que é decisivo é a consciência de que o tal arco de
governação tem, melhor ou pior, garantido, chamemos-lhe assim, os seguros
sociais: a educação, a saúde, as pensões, os apoios em situações desesperadas -
vemos, felizmente, a segurança como dado adquirido. Isto, claro está, somado à
memória do nosso passado recente - 40 anos não é nada na memória de um povo.
No
momento em que o cidadão português achar que um dos grandes partidos, ou os
dois, põem em causa esse edifício será também o momento em que o nosso cenário
político-partidário muda. A questão é se, sendo o tal edifício alterado, não
será apenas uma mudança de partidos que está em causa. Esperemos que sim.
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