segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Portugal. NÃO HÁ ESCOLHAS IDEAIS



Boaventura Sousa Santos – Visão, opinião

A esquerda à esquerda do PS é a única que se opõe inequivocamente à austeridade, mas é confrangedor vê-la dividir-se ainda mais quando nunca houve tantas razões para se unir

Uma amiga querida disse-me há dias que lhe apetecia escrever uma crónica intitulada: "Votem à esquerda e deixem-se de parvoíces." Queria ela dizer que, apesar de não haver escolhas ideais para votar à esquerda, o mais importante de tudo é mandar embora este Governo e tudo o que ele significou para o País. Os danos mais evidentes aí estão: o País empobreceu, a classe média foi arrasada, muitos dos melhores jovens emigraram, a ciência, a saúde e a educação foram decapitadas, tudo isto para diminuir uma dívida que afinal aumentou e para relançar o crescimento económico que afinal não surgiu.

E, para além de tudo, a corrupção. Excetuando o Tribunal Constitucional, o sistema judicial português, além de conservador, é timorato, não sendo capaz de enfrentar políticos enquanto estão no Governo (Sócrates é o exemplo mais recente). Esta é talvez uma das razões por que os dois líderes do Governo querem tanto ganhar as eleições. Qualquer cidadão não deixará de considerar um escândalo que, no caso dos submarinos, os alemães que corromperam os portugueses tenham sido julgados e punidos enquanto os portugueses corrompidos continuem a exercer funções públicas.

Mas o mais grave do que aconteceu está inscrito no que os portugueses não veem quando se veem ao espelho: a contrarrevolução do 24 de Abril; a ideia de que somos um povo incapaz, não merecemos o que conquistámos nos últimos 40 anos, afinal nunca tivemos direitos, recebemos uns donativos que malbaratámos; que fomos irresponsáveis em pensar podermos ser europeus noutra qualidade que não a de serviçais estrangeiros dos europeus do Norte.

Devemos, pois, deixar-nos de parvoíces e votar à esquerda. Porque é que não há escolhas ideais? O PS entende que, não estando sujeito a nenhuma pressão da esquerda e tendo o atual Governo assumido uma posição muito mais à direita que a posição tradicional do PSD, tem à sua disposição o centro, sem concorrência. Estratégia arriscada porque, depois de quatro anos de destruição da classe média que sustenta o centro, não se sabe como votarão as suas ruínas.

A Europa está a mudar. Vejamos o caso inglês, onde o partido irmão do PS, o Partido Trabalhista, acaba de eleger o secretário-geral mais à esquerda da história do Labour. Por maioria esmagadora, com a contribuição crucial de jovens que só agora se filiaram no partido com o objetivo de pôr fim ao centrismo. No discurso da vitória, Jeremy Corbyn referiu-se sempre ao partido como partido-movimento.

A esquerda à esquerda do PS é a única que se opõe inequivocamente à austeridade, mas é confrangedor vê-la dividir-se ainda mais quando nunca houve tantas razões para se unir. É confrangedor, mas tem uma razão sociológica. Dado o envolvimento dos partidos socialistas europeus com o neoliberalismo e a corrupção e, por último, com as políticas de austeridade que tanta desigualdade e sofrimento injusto têm causado, abriu-se uma janela de oportunidade para uma verdadeira política de esquerda. Para ela se concretizar, seria necessária um profunda revisão das ideologias e uma nova forma da fazer política a partir dos cidadãos humilhados e ofendidos.

Em Espanha, a oportunidade foi aproveitada; na Grécia, foi tentada mas falhou ou foi feita falhar. Em Portugal, não foi sequer tentada. Pelo contrário, o PCP contentou-se em continuar a ter sempre razão ante os erros que sempre e só os outros cometem, e o BE criou as condições para o Livre acontecer. Que muitos dos mais brilhantes quadros políticos dos últimos 20 anos (Francisco Louçã, Marisa Matias, Pacheco Pereira, Ana Drago, Mariana Mortágua, Bernardino Soares, Manuel Carvalho da Silva, Paulo Pedroso, Ana Gomes) não possam dar ao País tudo o que seriam capazes, é um desperdício intolerável.

Desperdício ainda maior é o de tantos jovens progressistas, altamente qualificados, que podiam estar politicamente mais ativos se a política fosse menos medíocre. Mas nem tudo é mau. Em Coimbra, por exemplo, há um movimento de cidadãos e cidadãs com uma história que vem de trás e que, parecendo estar atrás de um partido, está, de facto, à frente dele. São o embrião das transformações políticas que acabarão por chegar à sociedade portuguesa.

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