Folha
8 digital – 31 outubro 2015
Angola
“não tem uma ditadura”, dizem os acólitos internos do “escolhido de Deus”, bem
como alguns externos, muitos deles africanos. Todos sabem que o regime de
Eduardo dos Santos não tem a força da razão mas tem, e de que maneira, a razão
da força.
Só
em 2014 estiveram em acções de beija-mão de Eduardo dos Santos 13 Chefes de
Estados, sete primeiros-ministros e cinco vice-presidentes de diferentes
países e continentes. Do número total, realce para 12 presidentes africanos,
um sul-americano, além de oito primeiros-ministros e vice-presidentes
africanos, um europeu e outro asiático.
“Numa
sociedade democrática as pessoas manifestam-se, o direito à manifestação está
consagrado na lei angolana. Naturalmente, toda a manifestação tem os seus
limites, e a liberdade também tem as suas limitações”, afirma Eduardo dos
Santos, neste caso pela boca de um dos seus sipaios, de nome Marcos Barrica.
Quando,
em 2011, questionado sobre se as manifestações em Angola podiam ser comparadas
com as contestações sociais e políticas no norte de África, José Marcos Barrica
referiu que, “contrariamente ao que se diz de Angola”, no norte do continente
há manifestações “que decorrem de regimes ditatoriais”.
“Angola
não tem uma ditadura”, frisou. “Angola saiu de um contexto de guerra que
provocou traumas que precisam ser sarados e naturalmente temos situações que
criam alguma impaciência, as pessoas querem que as coisas corram rápido, para
satisfazer as suas necessidades materiais e espirituais. As pessoas ficam
impacientes e isso dá origem a estes desacatos”, justificou o sipaio, embora
com legítimas esperanças de chegar a chefe de posto.
Nesta
cadeira, tem necessariamente de demonstrar analfabetismo constitucional,
fazendo vista grossa ao art. 47.º da Constituição, caricatamente, “jessiana”,
que advoga o “Direito de Reunião e Manifestação”, pacíficas e sem armas, o que
os cidadãos são impedidos de fazer, mesmo ela ressaltando, não haver
necessidade de autorização. Barricadas...
Importa,
contudo, recordar que foi este mesmo sipaio, José Marcos Barrica, que chefiou
em Março de 2008 os observadores eleitorais da África Austral nas “eleições”
presidenciais do Zimbabwe.
Na
altura, certamente com toda a legitimidade e correspondendo ao seu conceito de
ditadura e de democracia, mas contra todas as informações independentes que
chegavam do Zimbabwe, José Marcos Barrica afirmou que as “eleições foram uma
expressão pacífica e credível da vontade do povo”.Também à revelia das
informações que chegavam do reino de Robert Mugabe, José Marcos Barrica disse
que as eleições foram “caracterizadas por altos níveis de paz, tolerância e
vigor político dos líderes partidários, dos candidatos e dos seus apoiantes.”
Barrica
não perdeu, aliás, a oportunidade para salientar que “as eleições foram realizadas
contra um pano de fundo caracterizado por um clima internacional muito tenso e
bipolarizado onde alguns sectores da comunidade internacional permanecem
negativos e pessimistas quanto ao Zimbabwe e às possibilidades de as eleições
serem credíveis”.
Como
se viu, vê e verá, José Marcos Barrica teve, tem e terá razão quanto à
democraticidade, legalidade e pacificação do regime de Mugabe.
Tal
como se viu, vê e verá em relação à democraticidade de Angola, cujo presidente
está no poder há 36 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito.Recorde-se
igualmente que José Marcos Barrica considerou que “as eleições foram
conduzidas numa forma aberta e transparente”, congratulando-se com o facto de
a Comissão Eleitoral do Zimbabwe “satisfazer os desafios administrativos de
levar a cabo as eleições harmonizadas e demonstrar altos níveis de
profissionalismo”.
“O
grande vencedor é o povo do Zimbabwe”, concluiu na altura o chefe dos
observadores eleitorais da África austral nas presidenciais do Zimbabwe.
Embora
agora se esconda atrás das relações entre Estados para não comentar a situação
dos activistas detidos em Luanda, houve tempo em que o primeiro-ministro de
Cabo Verde, José Maria Neves, não se rendia às ditaduras. Mas, como sempre,
mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e permanecem os ditadores.
Recorde-se
que José Maria Neves afirmou que “é preciso que as eleições em todos os países
africanos sejam livres e transparentes”, acrescentando que “não considero que
estas eleições no Zimbabwe tenham sido livres e transparentes. Espero que haja
bom senso e que a democracia possa vingar no Zimbabwe”.
“É
preciso liberdade de expressão e de criação de partidos políticos. É isso que
tem que acontecer e portanto as eleições não podem ser nenhuma farsa, têm que
ser livres e transparentes”, afirmou também José Maria Neves.
Questionado
sobre a posição de Cabo Verde face ao novo governo do Zimbabwe, o chefe do
governo declarou-se “solidário com a oposição zimbabueana”, afirmando que
apesar do executivo “não precisar do reconhecimento de Cabo Verde”, a comunidade
internacional “não pode pactuar com atitudes desta natureza”.
Tal
como agora, Eduardo dos Santos consegue ver em Angola, tal como no Zimbabwe,
tudo o que os outros não encontram. No caso de Robert Mugabe, grande amigo de
Eduardo dos Santos, também a UNITA acusou a União Africana e a Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral de pactuarem com a “ilegitimidade e o
desrespeito das normas internacionais” ao aceitarem Robert Mugabe no seu seio
como Presidente do Zimbabwe.
Por
outro lado, o presidente da RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique,
Afonso Dhlakama, disse que o Governo moçambicano deveria encerrar a embaixada
do Zimbabwe em Maputo, em “sinal de reprovação pela postura ditatorial de
Robert Mugabe”. Esqueceu-se, seguramente, Dhlakama estar a pedir ao javali
para punir o porco. Nunca acontecerá, pois para além de tudo partilha o mesmo
farelo...
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