sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Portugal. FANTASMAS DO PASSADO



Pedro Adão e Silva* - TSF, opinião

"De forma distinta, os principais protagonistas políticos portugueses encontram-se presos a fantasmas do passado, dos quais têm dificuldade em libertar-se."

Numa notável conversa com a escritora Marilynne Robinson, publicada no New York Review of Books, o Presidente norte-americano sublinhava que a "América é famosa por ser "a-histórica". Essa é uma das nossas forças - esquecemo-nos das coisas. Quando pensamos noutros países, continuam a debater argumentos com 400 anos, e com consequências sérias" (parte 1 e parte 2).

Claro está que Barack Obama está a referir-se a clivagens profundas em muitas sociedades, que se reproduzem ao longo do tempo, e que marcam de forma violenta o presente. Não é esse, claramente, o caso de Portugal.

Ainda assim, o ponto permite-nos olhar para o atual contexto político e em particular para os discursos proferidos na tomada de posse do novo Governo. De forma distinta, os principais protagonistas políticos portugueses encontram-se presos a fantasmas do passado, dos quais têm dificuldade em libertar-se.

Quando Passos Coelho, esta sexta-feira, sublinhava que "mesmo nestes tempos difíceis, praticámos o diálogo e o compromisso" e que "esse sentido do compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido", as palavras chocam com a realidade e o passado é um espetro que fragiliza a promessa de Passos Coelho. Depois de quatro anos de postura adversativa, em que as pontes com os partidos da oposição foram quebradas (logo na primeira avaliação da aplicação do memorando de entendimento), o mesmo tendo acontecido com os parceiros sociais, é pouco ou nada credível que os próximos anos possam ser diferentes. É difícil acreditar que Passos Coelho será um primeiro-ministro diferente daquele que foi até agora.

António Costa tem, também, fantasmas do passado a persegui-lo, ainda que de natureza muito diferente. Num momento em que uma alternativa que ofereça estabilidade depende da capacidade de entendimento entre os partidos de esquerda, há dúvidas legítimas sobre a consistência desse entendimento. 40 anos de conflitualidade e uma quase-impossibilidade de comunicação à esquerda, não podem deixar de se projetar sobre o futuro. É possível acreditar que o diálogo à esquerda será diferente do que foi até aqui?

Poderíamos, a este propósito, ficar convencidos que o Presidente ainda em exercício não tem problemas com o seu passado. Nada de mais errado. Hoje, por exemplo, foi penoso ouvir Cavaco Silva a auto-citar-se para afirmar que "a ausência de um apoio maioritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da governabilidade. A ausência de maioria não implica o adiamento das medidas que a situação do País reclama". Estas palavras chocam com os sistemáticos apelos que Cavaco Silva fez no último par de anos em torno da necessidade de um governo com apoio maioritário (basta recordar a comunicação ao país de 22 de Julho, dia em que convocou as legislativas) e, pior, estão aí para mostrar que o país não aprendeu nada com o que se passou entre 2009 e 2011.

No fundo, para ultrapassarmos o bloqueio político em que nos encontramos, de uma forma ou outra, temos de aprender com o exemplo norte-americano. O desafio dos próximos tempos é tornarmo-nos "a-históricos" e aprendermos, coletivamente, a esquecer os fantasmas do passado. Quem o fizer com maior mestria e de forma mais convicente, assumirá a liderança política do país.

*Politólogo e comentador do Bloco Central TSF

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