Pedro
Adão e Silva* - TSF, opinião
"De
forma distinta, os principais protagonistas políticos portugueses encontram-se
presos a fantasmas do passado, dos quais têm dificuldade em libertar-se."
Numa
notável conversa com a escritora Marilynne Robinson, publicada no New York
Review of Books, o Presidente norte-americano sublinhava que a "América é
famosa por ser "a-histórica". Essa é uma das nossas forças -
esquecemo-nos das coisas. Quando pensamos noutros países, continuam a debater
argumentos com 400 anos, e com consequências sérias" (parte 1 e parte 2).
Claro
está que Barack Obama está a referir-se a clivagens profundas em muitas
sociedades, que se reproduzem ao longo do tempo, e que marcam de forma violenta
o presente. Não é esse, claramente, o caso de Portugal.
Ainda
assim, o ponto permite-nos olhar para o atual contexto político e em particular
para os discursos proferidos na tomada de posse do novo Governo. De forma
distinta, os principais protagonistas políticos portugueses encontram-se presos
a fantasmas do passado, dos quais têm dificuldade em libertar-se.
Quando
Passos Coelho, esta sexta-feira, sublinhava que "mesmo nestes tempos
difíceis, praticámos o diálogo e o compromisso" e que "esse sentido
do compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido", as
palavras chocam com a realidade e o passado é um espetro que fragiliza a
promessa de Passos Coelho. Depois de quatro anos de postura adversativa, em que
as pontes com os partidos da oposição foram quebradas (logo na primeira
avaliação da aplicação do memorando de entendimento), o mesmo tendo acontecido
com os parceiros sociais, é pouco ou nada credível que os próximos anos possam
ser diferentes. É difícil acreditar que Passos Coelho será um primeiro-ministro
diferente daquele que foi até agora.
António
Costa tem, também, fantasmas do passado a persegui-lo, ainda que de natureza
muito diferente. Num momento em que uma alternativa que ofereça estabilidade
depende da capacidade de entendimento entre os partidos de esquerda, há dúvidas
legítimas sobre a consistência desse entendimento. 40 anos de conflitualidade e
uma quase-impossibilidade de comunicação à esquerda, não podem deixar de se
projetar sobre o futuro. É possível acreditar que o diálogo à esquerda será
diferente do que foi até aqui?
Poderíamos,
a este propósito, ficar convencidos que o Presidente ainda em exercício não tem
problemas com o seu passado. Nada de mais errado. Hoje, por exemplo, foi penoso
ouvir Cavaco Silva a auto-citar-se para afirmar que "a ausência de um
apoio maioritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da
governabilidade. A ausência de maioria não implica o adiamento das medidas que
a situação do País reclama". Estas palavras chocam com os sistemáticos
apelos que Cavaco Silva fez no último par de anos em torno da necessidade de um
governo com apoio maioritário (basta recordar a comunicação ao
país de 22 de Julho, dia em que convocou as legislativas) e, pior, estão aí
para mostrar que o país não aprendeu nada com o que se passou entre 2009 e 2011.
No
fundo, para ultrapassarmos o bloqueio político em que nos encontramos, de uma
forma ou outra, temos de aprender com o exemplo norte-americano. O desafio dos
próximos tempos é tornarmo-nos "a-históricos" e aprendermos,
coletivamente, a esquecer os fantasmas do passado. Quem o fizer com maior
mestria e de forma mais convicente, assumirá a liderança política do país.
*Politólogo
e comentador do Bloco Central TSF
Sem comentários:
Enviar um comentário