quinta-feira, 19 de novembro de 2015

ATENTADOS EM PARIS E REVOLUÇÕES



José Ribeiro – Jornal de Angola, opinião

A série de atentados que abalou, nas últimas horas, o coração da capital francesa é reveladora da dimensão a que chegou a violência no mundo. Ao mesmo tempo, mostra a negligência com que se vem tratando deste fenómeno, sobre o qual não existe qualquer controlo nem regulação.

A vontade humana está entregue ao livre arbítrio de quem pega numa arma e a utiliza-a como quiser e onde apetecer. A pergunta que se coloca é se vai ser possível travar toda esta onda de violência e de terrorismo que atravessa a Humanidade. Já não restam dúvidas de que as relações internacionais estão a passar por um novo processo de mudança, que é marcado em alguns países pelo recurso à força das armas e noutros por uma clara e perigosa desorientação. 

Os motivos por que se chegou a este ponto são conhecidos, mas há quem procure fazer vista grossa quanto a factos. A euforia que se seguiu à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria foi mal gerida pelos vencedores. 

Na cena internacional assistiu-se a uma forte expansão dos processos democráticos, do diálogo e da boa governação. Esse dinamismo ocorreu sem muitos constrangimentos relativamente ao comportamento dos antigos dirigentes da Europa do Leste. Talvez por essa razão a euforia do Ocidente tenha ido longe demais e esquecido que não há bem que sempre dure. 

Mas tão rapidamente quanto começaram a espalhar-se os ventos da mudança, logo vieram à tona os interesses e as diferenças objectivas que determinam o jogo das relações entre países e que acabaram por entrar em choque. As chamadas primaveras árabes ainda deram ao Ocidente o benefício de resgatarem a credibilidade perdida após o “11 de Setembro” com a invasão desabrida ao Iraque, baseada no argumento falso de uma superpotência, portanto uma guerra injusta. 

O rumo que as coisas tomaram com o pesadelo do Afeganistão e da Síria, com o fracasso de rebeldes apoiados pela Europa e Estados Unidos e com o eterno adiar de uma solução justa e duradoura para o conflito israelo-árabe, demonstra que as raízes profundas dos problemas persistem. Mais um mandato presidencial nos Estados Unidos está a terminar e a história sobre o problema palestino se resume à dos seus antecessores.

Cansados de tantas guerras e indefesos perante o uso de armas cada vez mais sofisticadas, os povos do Médio Oriente decidiram caminhar  em direcção à Europa, em busca de socorro. Mas deparam-se com muros e barreiras e morrem pelo caminho. A mortandade no Mar Mediterrâneo, com os pescadores já com medo de recolherem as suas redes por causa de corpos de crianças que podem vir à rede e a invasão europeia por parte de milhares de famílias desesperadas, afastam qualquer optimismo para o futuro. Os problemas agravam-se como nunca. 

A tudo isso, veio juntar-se o ressurgimento da extrema-direita nos círculos do poder na Europa, a ascensão da xenofobia e o anti-semitismo, o conflito militar ucraniano, a crise económica, a recessão, a incapacidade de honrar dívidas e o aumento do desemprego.  

Tarde ou cedo, é preciso encontrar soluções para o problema do terrorismo.

A resposta que o Governo francês vai dar à agressão sofrida de sexta-feira terá, como é evidente, toda a carga emocional, raiva e sede de vingança que devem estar a sentir neste momento os franceses, especialmente aqueles que perderam pessoas próximas. Esse é a grande armadilha de uma retaliação contra um terrorismo que não tem rosto nem responsabilidade e se move pela barbárie pura e dura. Mas uma acção isolada e parcial não acaba com o terrorismo. 

É verdade que apenas uma vigorosa e ampla acção surte efeito contra os grupos que fazem da carnificina o seu modo de actuação, seja no Iraque, Egipto, Síria, França, Nigéria, Somália, Quénia ou Angola. Mas sem articulação entre Estados ao nível da Organização das Nações Unidas, o sucesso está à partida comprometido.

Uma última palavra para os compatriotas que alinham com o escritor fundamentalista e savimbista angolano José Eduardo Agualusa, que há poucos dias apelou à realização de  uma “revolução já” em Angola. A violência neste país já fez muito estrago. O momento hoje é de evolução, não de revolução. Os franceses têm uma sociedade muito avançada e estruturada e as consequências de uma noite de tiroteios em Paris estão à vista. Em África temos instituições muitos frágeis.

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