terça-feira, 3 de novembro de 2015

Portugal. O PERIGO DE SEPULTAR OS RIOS



Paula Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

A ribeira chama-se agora Avenida da Liberdade e nesta metamorfose está a explicação, ou parte dela, do que se passou no domingo em Albufeira. Sepultar um curso de água, ou o local onde em tempos correu um ribeiro, é um ato criminoso. E mais criminoso se torna se feito por quem teria obrigação de não ignorar, de desenvolver os conhecimentos técnicos necessários para avaliar as consequências.

A população de Albufeira sabe do que se trata. No domingo, vários populares, ouvidos pela Comunicação Social, apontavam o dedo às obras da sociedade Polis que terão aterrado a ribeira. Aqui a responsabilidade não se atribui a um qualquer autarca inculto, apologista do betão: a obra partiu do Ministério do Ambiente, de quem depende a sociedade Polis. A crer nos relatos vindos a público, na refrega das inundações que deixaram um rasto de destruição e lama na turística Albufeira, na intervenção foram usadas manilhas para as águas pluviais de capacidade inferior às instaladas anteriormente.

Aconteceu em Albufeira, no Algarve, poderá repetir-se em qualquer outro ponto do país. Entubar ribeiros, devido a interesses vários, turísticos ou agrícolas, é prática corrente de norte a sul. A solução - perigosa, como se vê - dura até ao dia em que a Natureza mostra a sua força e arrasta nas enxurradas o erro praticado. E, enfim, é tarde para emendar a mão.

Emparedar o curso de água, por certo, não será a única explicação para a situação caótica vivida, domingo, na Baixa da cidade de Albufeira. A precipitação foi anormalmente intensa, o solo está impermeabilizado e, é provável, como também já se tornou normal, os bueiros estariam obstruídos, por limpar.

Os mesmos responsáveis, lembre-se, que transformaram um rio numa avenida, própria para a circulação de automóveis em vez de água, são os mesmos que subscrevem acordos diplomáticos internacionais com vista a mitigar as consequências das alterações climáticas. Eles têm obrigação de saber, está escrito nesses documentos, o seguinte: "A precipitação tenderá a ocorrer mais sob a forma de precipitação intensa, por exemplo, "superior a 10 mm/dia, amplificando de modo significativo o risco de cheias". Os cenários para as alterações climáticas deixaram de o ser. A realidade está aí - e só não vê quem não quer. E não ponham a culpa em Deus "que nem sempre é amigo", como ontem fez questão de dizer o novo ministro da Administração Interna, numa estreia patética de tão beata.

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