Paula
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
A
ribeira chama-se agora Avenida da Liberdade e nesta metamorfose está a
explicação, ou parte dela, do que se passou no domingo em Albufeira. Sepultar
um curso de água, ou o local onde em tempos correu um ribeiro, é um ato
criminoso. E mais criminoso se torna se feito por quem teria obrigação de não
ignorar, de desenvolver os conhecimentos técnicos necessários para avaliar as
consequências.
A
população de Albufeira sabe do que se trata. No domingo, vários populares,
ouvidos pela Comunicação Social, apontavam o dedo às obras da sociedade Polis
que terão aterrado a ribeira. Aqui a responsabilidade não se atribui a um
qualquer autarca inculto, apologista do betão: a obra partiu do Ministério do
Ambiente, de quem depende a sociedade Polis. A crer nos relatos vindos a
público, na refrega das inundações que deixaram um rasto de destruição e lama
na turística Albufeira, na intervenção foram usadas manilhas para as águas
pluviais de capacidade inferior às instaladas anteriormente.
Aconteceu
em Albufeira, no Algarve, poderá repetir-se em qualquer outro ponto do país.
Entubar ribeiros, devido a interesses vários, turísticos ou agrícolas, é
prática corrente de norte a sul. A solução - perigosa, como se vê - dura até ao
dia em que a Natureza mostra a sua força e arrasta nas enxurradas o erro
praticado. E, enfim, é tarde para emendar a mão.
Emparedar
o curso de água, por certo, não será a única explicação para a situação caótica
vivida, domingo, na Baixa da cidade de Albufeira. A precipitação foi
anormalmente intensa, o solo está impermeabilizado e, é provável, como também
já se tornou normal, os bueiros estariam obstruídos, por limpar.
Os
mesmos responsáveis, lembre-se, que transformaram um rio numa avenida, própria
para a circulação de automóveis em vez de água, são os mesmos que subscrevem
acordos diplomáticos internacionais com vista a mitigar as consequências das
alterações climáticas. Eles têm obrigação de saber, está escrito nesses
documentos, o seguinte: "A precipitação tenderá a ocorrer mais sob a forma
de precipitação intensa, por exemplo, "superior a 10 mm/dia, amplificando
de modo significativo o risco de cheias". Os cenários para as alterações
climáticas deixaram de o ser. A realidade está aí - e só não vê quem não quer.
E não ponham a culpa em Deus "que nem sempre é amigo", como ontem fez
questão de dizer o novo ministro da Administração Interna, numa estreia
patética de tão beata.
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