Eurodeputado
considera "impensável" e "erro histórico" acordo com PCP e
BE, mas diz que não vai apelar aos deputados para desrespeitarem a disciplina
de voto.
Começou
a contagem das espingardas no PS. Em vésperas da discussão do programa do
Governo da coligação, Francisco Assis convoca os militantes do partido que
discordam do rumo que o secretário-geral está a seguir para um encontro sábado,
na Mealhada.
Os
opositores de António Costa, apesar de estarem em minoria nos órgãos do partido
e no próprio grupo parlamentar, acreditam que “representam metade do eleitorado
do PS”. “Metade do eleitorado socialista está assustado com a deriva que o
partido está a seguir e isto que nós estamos a fazer comparado com o que os
apoiantes do actual secretário-geral fizeram à anterior direcção não é nada”,
afirma fonte socialista, agitando com o risco de o PS guinar completamente à
esquerda. “O partido corre o risco da 'pasokização' e 'syrização'. Há aqui uma
deriva à esquerda e isso é muito perigoso”, adverte a mesma fonte, considerando
que o partido “deve ter uma reserva, evitando pôr as fichas todas em António
Costa” numa próxima disputa da liderança.
A
realização deste encontro está a deixar o aparelho do partido nervoso. A
mobilização está a ser grande e são esperados militantes de todo o país. A
organização conta com a presença de aproximadamente duas centenas de pessoas,
entre militantes de base, ex-dirigentes do partido e presidentes de câmara.
Poucos deputados devem marcar presença. Eurico Brilhante Dias, que integrou o
secretariado nacional do anterior secretário-geral, António José Seguro, deverá
ser um dos poucos deputados a deslocar-se à Mealhada, o mesmo acontecendo com
os líderes das distritais do partido, até porque alguns deles foram eleitos
deputados.
“É
muito importante demonstrar ao próprio país que há, de facto, no PS quem
defenda uma solução distinta daquela que aparentemente está a prevalecer e que
para mim é um erro histórico”, afirma Francisco Assis, que considera
”impensável um entendimento do PS com o PCP e o Bloco”. O eurodeputado
socialista reconhece que tal como ele “há muita gente no PS que está contra um
entendimento” e declara que, ao assumir uma divergência com a linha oficial do
partido, contrai responsabilidades, às quais – frisa – não se furta. “Não estou
indisponível para nada nem nunca estive. Mas esse agora não é o meu objectivo
neste momento”, sublinha o ex-líder da bancada parlamentar do PS, frisando que
a “questão fundamental neste momento é mostrar que este caminho é um caminho
errado e que é perigoso para o PS”.
Ao
PÚBLICO Francisco Assis diz não ter dúvidas de que o PS pode “pagar caro esta
aproximação à esquerda” e refere que “um governo desta natureza é um governo
com uma grande incapacidade para fazer reformas": "Um Governo do PS
apoiado por um partido tão conservador como é o PCP e por um partido tão
contraditório como é o Bloco de Esquerda inibe-nos de ter a capacidade de promover
reformas que o país precisa”.
Sublinhando
a importância de o país fazer “reformas sérias”, Assis vinca a necessidade de o
“PS ter a sua agenda reformista como acontece com a direita”. “A direita tem
uma agenda reformista ultraliberal que não é a nossa. Nós temos de ter uma
agenda reformista verdadeiramente social-democrata e eu não acredito que com
este entendimento à esquerda essa agenda reformista se possa levar a cabo com
sucesso”, afirma.
Em
declarações ao PÚBLICO, o eurodeputado reafirma a ideia de que o “PS deveria
assumir-se como partido da oposição com sentido de responsabilidade e, a partir
da oposição, construir uma alternativa de governação ao país. É isso que os
portugueses esperam do PS neste momento”.
Para
já, afasta qualquer cisão no partido, mas assume que “há determinados momentos
em que as pessoas têm a obrigação perante a sociedade de se assumirem e de
afirmarem as suas posições": "E é isso que eu estou a fazer”.
Quanto
ao encontro, deixa a garantia que não vai aproveitar a reunião de sábado para apelar
aos deputados do PS para que desrespeitem a disciplina de voto. ”Não vou apelar
a que desrespeitem a disciplina de voto porque a disciplina de voto é
importante”. Porquê? “Porque se não o país entra num quadro de
ingovernabilidade.” “Há princípios que têm de ser respeitados”, aponta.
“É
fundamental que aqueles que neste momento têm uma divergência profunda em
[relação a um futuro governo do PS com o apoio pela esquerda] que se encontrem
e que digam claramente que nós estamos aqui para dizer que há outro caminho,
que há outra via, que temos um entendimento do que deve ser o papel do PS
completamente distinto daquele que neste momento parece prevalecer no interior
do partido. É só isso e nada mais”.
Insistindo
na questão que os socialistas estão a tratar de uma “alteração profunda da vida
política portuguesa – o PS dispõe-se a governar com o apoio do PCP e Bloco”, o
eurodeputado aponta exemplos em que o seu partido diverge dos outros dois - “e
não são divergências menores”, como faz questão de evidenciar, e avisa que
“Portugal está longe de ter superado as dificuldades”. “Ainda estamos numa
situação de crise”.
Assis
elogia a inteligência e a capacidade do secretário-geral socialista, recusa
dizer se se mostra desapontado com ele e pede mudança de estratégia, porque —
frisa — a “celebração de acordos à esquerda é um erro histórico”. Aquilo que o
separa de António Costa são “divergências muito sérias do ponto de vista
estratégico” e é por causa dessas divergências que tomou “a decisão de convocar
o partido para um encontro”.
Fonte
socialista ligada à direcção de António José Seguro diz que “é importante que
os socialistas que discordam de Costa tenham dado um sinal ao país” e que “é
fundamental que se prepare uma corrente crítica e alternativa no PS”. E diz que
esta corrente que se começa a desenhar, seja em que circunstância for, vai
disputar a liderança do PS no próximo congresso. “É uma questão de dignidade!”,
diz.
Margarida
Gomes - Público
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