Luís
Andrade Sá, da agência Lusa
Lisboa,
07 nov (Lusa) - Lisboa já não regista marcas do retorno de África, subsistindo
apenas referências exóticas. Mas além da "liamba e da muamba", o
espaço privado dos retornados está repleto do imaginário africano, considera
quem estuda o fenómeno.
Em
1975, o lisboeta Pedro Faria, 15 anos, estudava no liceu e vendia discos de
música numa conhecida loja da avenida de Roma, quando chegaram ao bairro os
primeiros jovens retornados.
"Era
malta mais aberta, com outro vocabulário e charros a dar com um pau",
recorda. E acrescenta: "Lembro-me bem que eles eram menos controlados
pelos pais, porque estavam em centros de acolhimento ou com familiares pouco
virados para uma educação mais conservadora".
O
então jovem estudante-trabalhador não regista qualquer impacto dessa multidão
na música que vendia, "até porque 1975 foi um ano de muita produção de
discos em Portugal, e de menor importação".
Mas
haverá um enorme sucesso associado à ponte aérea -- o disco
"Parafuso",constituído por relatos cómicos e críticos, e também a
roçar o racismo, interpretados desde 1955 pelo colono moçambicano Félix Romão,
que imitava a voz de um negro.
Com
a chegada a Portugal de meio milhão de ex-colonos, os discos do
"Parafuso" tornaram-se obrigatórios nos serões dos retornados e
vendiam-se milhares de exemplares. Não voltou a haver nada parecido.
Publicaram-se
então diversos livros e opúsculos, que são invariáveis gritos de revolta, como
"Retornados, Desalojados, Espoliados", escrito por António Pires, em
1976. Só mais de 30 anos depois, passado o "período de nojo",
surgirão obras de reflexão sobre o fenómeno, como o romance "O
Retorno", que Dulce Maia Cardoso escreveu em 2010.
Aos
poucos, emergiu uma nova culinária, com sabores de todo o império: muamba,
mancarra, cachupa ou sararapatel. Novas palavras -- do moçambicano
"maningue" ao angolano "bué" -- passaram a fazer parte do
dia a dia, que também ficou marcado pelo inconfundível aroma da liamba.
E
instalou-se uma outra dinâmica na sociedade, resultante de novos hábitos de
trabalho, diferentes posturas e aprendizagens e percursos diversos.
No
entanto, garante a antropóloga Elsa Peralta, "hoje, é impossível
ver-se" esse fenómeno. "Se quiséssemos mostrar alguém o que tudo isso
foi, não se veria", há uma invisibilidade, diz.
A
investigadora, que é a curadora da exposição "Retornar, - Traços da
Memória", que em Lisboa assinala os 40 anos da "Ponte Aérea"
Angola-Portugal, resume que, no espaço público, subsiste quase apenas uma
nomenclatura de época, em lojas e cafés com nomes como "Tabanca",
"Colonial", "Império", "Nacala" e tantos outros.
"São
designações que remetem para o imaginário africano e que resultou de uma
estratégia de identificação com outros que estavam na mesma situação, e como
sobrevivência identitária da sua afirmação africana", defende Elsa
Peralta, em declarações à agência Lusa.
No
entanto, ressalva, a memória do grande retorno e da ponte aérea sobreviveu no
espaço privado das famílias que voltaram, "rodeadas de referências
africanas, de objetos que remetem para a memória" do passado.
"É
um espaço simbólico afetivo muito maior do que este retângulo que temos aqui e
que vai passando para as novas gerações", defende Elsa Peralta.
O
processo parece encerrado, mas não completamente.
A
exposição de Lisboa é apenas a primeira iniciativa de sempre, promovida por um
serviço público sobre o fenómeno dos retornados, uma designação que caiu,
perante a palavra mais neutra "retornar".
"Mantém-se
o tabu sobre a palavra 'retornado'. As pessoas não se identificam com o
conceito ou associam-no a um epíteto", diz a antropóloga do Instituto
Comparatista, de Lisboa.
LAS
// MAG
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