sábado, 5 de dezembro de 2015

Portugal. ALMOFADA, VÍRGULA



Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião

Esta é a história de uma almofada. Criada com amor ao longo de um ano. Invocada com zelo. Protegida com carinho. Era uma almofada emprestada. E a cobrar juros. Era uma almofada, agora com vírgula. Porque não é mais. Mas já lá vamos.

Comecemos pelo início da história. Embora já saibamos como tudo isto começa. E como termina. A invocar necessidades orçamentais, para apertar o garrote de quem paga impostos. Porque há esqueletos verdadeiros a saltar. No meio dos inventados.

Neste novo ciclo, o arremedo à herança começou cedo. Primeiro, a alegada não inscrição do primeiro-ministro António Costa para discursar na Cimeira do Clima, que decorre em Paris. Notícia veiculada por fontes do PS, desvalorizada pelo Governo, desmentida pelo PSD.

Segundo, o Orçamento do Estado, cujas bases básicas (a redundância é propositada, todas as redundâncias deste texto o são), como as despesas de funcionamento dos ministérios, não teriam sequer sido inscritas pelo anterior Executivo. Notícia veiculada por fontes do PS, desvalorizada pelo Governo, desmentida pelo PSD.

Até aqui, tudo bem. Serve o entretenimento mediático para tornar uns bons em maus e uns maus em bons. Ganha-se graça assim, com outros a cair em desgraça.
Venham, então, os esqueletos verdadeiros. Um já está cá fora. E é sério. Sobre a tal almofada, vírgula. Porque não foi veiculado pelas fontes do PS, não pode ser ignorado pelo Governo, nem desmentido pelo PSD.

As contas são da independente Unidade Técnica de Apoio Orçamental. Andaram confortáveis as finanças do país até outubro. Mas fizeram-se mal as contas. De repente, gastou-se mais em salários e poupou-se menos com rescisões amigáveis no Estado. Soma-se a isso uma derrapagem na despesa com a aquisição de bens e serviços. E lá se foi a tal almofada para ajudar o défice a ficar abaixo dos 3%. Aqui, não leva vírgula.

O que não se percebe é como é que um Governo que faz dos números rigor (muito se defendeu nestas linhas esse caminho) tenha previsto tão mal o desenrolar da execução orçamental. Como não é crível que o mesmo Governo acreditasse com segurança que uma percentagem considerável da sobretaxa fosse devolvida.

Ainda há de haver mais esqueletos. Verdadeiros e inventados. Mas agora passaremos a acreditar em todos. Porque este é pesado.

É sempre assim. Governo, sim; Governo, sim senhor. E depois queixam-se do descrédito da política. Do descrédito dos políticos. Da falta de participação cívica. Da abstenção. E da conversa de café, vertida em letra de Imprensa.

Conversa, vírgula.

*Diretor-Executivo

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