Roger
Godwin – Jornal de Angola, opinião
No
curto espaço de quatro dias o terrorismo avançou mortalmente pelo continente
africano e em três países diferentes provocou um total de 29 vítimas, sem que
nada de substancialmente novo tivesse sido depois feito para evitar a repetição
destes condenáveis actos ou para punir, com a devida severidade, aqueles
que foram os seus autores materiais.
O
país mais visado pelos terroristas voltou a ser a Nigéria, onde um ataque do
grupo Boko Haram contra um mercado localizado numa aldeia a norte do país
causou 22 mortos, na sua maioria mulheres e crianças.
Estes actos, prontamente reivindicados pelo Boko Haram, serviram, de acordo com
uma mensagem que o grupo ousou publicar nas redes sociais, para manifestar a
sua “solidariedade” para com o chamado “Estado Islâmico” na luta para punir
todos os árabes de etnia xiita.
Trata-se de um assunto complicado de entender, pois fica difícil perceber as
razões que levam uma organização terrorista de raíz africana, ainda que
islâmica, a intrometer-se voluntariamente numa guerra secular que opõe
muçulmanos xiitas a sunitas.
O Boko Haram, que há cerca de seis meses recebeu a “bênção” do “Estado
Islâmico”, passando a ser considerado o seu “braço armado” em África, talvez
sendo nesse reconhecimento que ele vê a janela de intromissão nesse
problema, tem sido um dos grupos radicais islâmicos que mais se tem
evidenciado pela série de atentados mortais contra a população nigeriana.
Um outro ataque terrorista contra um país africano ocorreu há menos de uma
semana contra um acampamento das Nações Unidas localizado na cidade de Kidal,
norte do país, e terá custado a morte a dois militares da Guiné e a um civil,
bem como ferimentos graves a mais sete pessoas.
Este ataque, tal como um outro efectuado há duas semanas contra um hotel na
capital maliana, Bamako, foi reivindicado pelo grupo terrorista
al-Mourabitoune, que se diz representar a al Qaeda para a região do Magreb e
que tem estado muito activo na região norte do país.
Finalmente, pelo menos até agora, o terceiro ataque terrorista ocorreu 35
quilómetros a sul da cidade do Cairo, onde dois terroristas que se
transportavam numa mota abateram a tiro quatro polícias que estavam num dos
postos de controle localizados à entrada da capital egípcia.
Este ataque, tal como outros que anteriormente ocorreram na região do Sinai e
mesmo no interior da cidade do Cairo, foi já reivindicado pelo “Estado
Islâmico”, havendo a suspeita de que os seus autores morais possam ter sido
membros da extinta Irmandade Muçulmana.
Antes destes últimos ataques é igualmente de sublinhar o rebentamento, na
cidade de Tunis, de uma bomba dentro de um camião que transportava militares da
guarda presidencial tunisina e de que resultou a morte de uma dezena de pessoas
que não entraram nesta contabilidade mais recente das vítimas do terrorismo em
África.
Todos estes ataques e, sobretudo, a forma cadenciada como eles ocorreram,
deixam perceber a existência, por parte dos terroristas, de um plano organizado
para desestabilizar o continente africano e que envolve grupos ligados tanto ao
“Estado Islâmico” como à al Qaeda, embora existam justificadas suspeitas de que
estas duas organizações mantêm, entre si, uma certa rivalidade para verem qual
a que mais mata gente inocente.
Esse plano, infelizmente, conta com algumas cumplicidades internas de algumas
organizações e pessoas singulares que vivem no interior do continente e que,
nos seus respectivos países, provocam situações de autênticos desafios contra a
lei e a ordem neles vigentes.
Essas organizações e pessoas singulares, algumas por pura ingenuidade e outras
(a esmagadora maioria) por se terem deixado cair na fácil tentação de promessas
de vida fácil, estão a fazer o jogo dessas organizações terroristas e a
abrirem, assim, caminho para a instalação de situações que depois não
conseguirão controlar.
Foi assim no preâmbulo da "Primavera Árabe", onde jovens, dotados de
saber para manusear as redes sociais, criaram situações fictícias de
contestação aos poderes legais para arrastarem centenas de milhares de pessoas
a manifestações de rua que se transformariam, depois, em cenários de violentos
confrontos e de modos de pressão contra esses poderes.
A esmagadora maioria desses jovens, no rescaldo dessa "Primavera
Árabe", sofreram e ainda hoje sentem na pele os efeitos da desilusão por
verem os seus sonhos de mudança transformados em verdadeiros pesadelos, estando
muitos deles agora atrás das grades, a contas com uma justiça que eles pensavam
poder manipular ao sabor dos seus desejos.
Alguma falta de experiência em lidar com o fenómeno do terrorismo, tal como ele
é, sem romantismos ou desculpas esfarrapadas, tem feito com que as forças de
segurança de alguns países tenham demorado muito tempo a compreender o desafio
com que se deparam tardando, por isso, em usar de tudo o que está ao seu
alcance para evitar que ele se instale nas respectivas sociedades.
Os mentores do terrorismo são pessoas inteligentes e que seguem um plano
rigorosamente concebido para provocar o caos social, na sequência do qual
tentam moldar os poderes de acordo com o que conceberam, não importando os
meios para poderem justificar esse desejado fim.
Para concretizar esse objectivo eles interligam-se, do exterior para o interior
do continente, e criam verdadeiras teias, manipulando grupos de pessoas, seja
para os atentados directos ou para a mobilização popular de massas menos
avisadas e, por isso, estão mais expostas às mentiras e calúnias que lhes são
colocadas na frente para que possam contestar não importa o quê.
As últimas acções terroristas desencadeadas contra países africanos são a
comprovação daquilo que se temia: o continente africano é uma parte integrante
e significativa do roteiro daqueles que usam a violência desmedida como forma
de imposição da sua vontade.
Ignorar esta realidade, como até aqui parece que vem sucedendo nalguns países,
é um perigo que o continente não pode correr, sob pena de ver adiadas todas as
suas legítimas aspirações à consolidação do seu crescimento e desenvolvimento
económico e social.