Martinho Júnior, Luanda
15
– Poucos minutos depois do dispositivo instalado verifiquei a saída em marcha
lenta dum camião Mercedes de cor verde escura, isolado, no percurso sinuoso à
saída sul de Tomboco.
Aguardei
que ele estivesse numa posição frontal e, conjuntamente com o atirador da PKT,
abrimos fogo, dando abertura também ao fogo das duas secções, que além do mais
utilizaram os morteiros de 60mm na profundidade e em direcção à entrada do
povoado, de modo a inviabilizar qualquer tipo de socorro ao inimigo que vinha
na nossa direcção.
O
camião imobilizou-se e o pessoal que ia nele saltou desamparado para os lados
conforme eu havia previsto; os que seguiam na cabine, deixaram as portas
abertas… todos caíram nas duas linhas de fogo que batiam os lados do camião,
sendo apanhados pelos nossos tiros: uns ficaram estendidos no asfalto e nas
bermas da estrada, outros escaparam-se ribanceiras abaixo, internando-se na
vegetação, feridos ou confundidos pela rápida surpresa com que os havíamos
presenteado.
De
Tomboco recebemos em resposta impactos inimigos de obuses de morteiro 60mm, mas
pude verificar que os atiradores se haviam esquecido de rodar a sua cabeça para
a posição de fogo… para mim foi mesmo uma sorte, por que um deles enterrou-se
enviusado no terreno mole da berma, a menos de 10 metros de mim (que me
encontrava fora do veículo) e do BTR-152; se tivesse explodido, causaria danos,
até por que o cavado da estrada era uma espécie de caix que tornaria possível uma
maior pressão da explosão, um risco a ter em conta para além dos estilhaços.
Juntei
as secções e avançámos em posições de combate na direcção do camião Mercedes
imobilizado uns 300 metros à frente; quando lá cheguei contei dois tiros em
cada porta aberta, os quatro mortos inimigos no chão e espreitei para a
carroçaria, carregada de armas, explosivos e minas, tal como aconteceu com o
Unimog anterior.
O
Mercedes era outra recente aquisição das Forces Armées Zairoises…
O
grosso da coluna havia chegado entretanto pelo que dei ordem de regresso aos
blindados a fim de progredirmos para Tomboco, enquanto uma equipa se apossava
do camião-troféu.
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– Entrámos em Tomboco abrindo fogo dos blindados em andamento, mas sem disparos
dos canhões dos T-34 (para disparar o canhão os tanques tinham de parar).
Capturámos
quatro Panhard AML 60 e 90 novas mas aparentemente com os motores sabotados ou
avariados (teriam colocado qualquer produto no combustível?), tudo isso sem
vestígios de inimigo no terreno, para além daqueles que testemunhavam as
pressas de sua fuga.
No
meu blindado foi ferido um combatente no pescoço com um tiro de arma ligeira
que o tingiu de raspõ, pelo que decidi que fosse evacuado para a retaguarda da
coluna, enquanto eu permaneci apeado fente ao edifício da administração de
Tomboco, a fim de consumarmos a tomada oficial da localidade.
Foi
aí que me encontrou “Alex”, claramente satisfeito com os resultados
obtidos…
Tal
como na Casa da Telha, distanciámo-nos 3 km a norte do povoado, onde montámos
novo dispositivo de contenção e emboscada, na espectativa duma remota contra
ofensiva inimiga, antes das ordens para podermos continuar na direcção de
Quiende e M’Banza Congo.
O
primeiro sinal de gente amiga em Tomboco foi dado por um homem de meia-idade,
que se verificou ter a profissão de pintor: teve a ousadia, com um enorme
lençol branco amarrado a dois paus erguidos sobre sua cabeça, de se aproximar
vencendo a distância bem pelo meio da estrada onde tínhamos a emboscada
montada, acabando por ser acolhido e bem recebido.
“Alex” regozijou-se:
tinha de ser um pintor, ainda que um pintor de paredes, a ser o primeiro a
apresentar-se às nossas forças e a identificar-se como do MPLA, mostrando um
cartão que havia escondido nas suas lavras fora de Tomboco e ido buscar a fim
de se apresentar!
17
– Consolidada a posição de Tomboco o comando operacional deu ordem para se
continuar a avançar agora na direcção de Quiende.
A
humidade e o calor iam aumentando, pelo que se aproximavam tempestades.
Recebi
ordem para minha viatura se incorporar no meio da coluna, pelo que perdi a
oportunidade de viver os acontecimentos na vanguarda.
A
progressão foi sendo dificultada pois todas as pontes e pontões haviam sido
destruídos, o que nos obrigava a explorar as margens dos pequenos cursos de
água de modo a encontrar o melhor local para que os blindados e as viaturas de
transporte pudessem passar.
Só o BRDM 2 era anfíbio e por isso as nossas preocupações colocavam-se na oportunidade de avançar no terreno o mais possível em direcção à fronteira.
Alcançámos
Quiende onde encontrámos população que não havia abandonado a localidade.
De
entre os populares identifiquei uma família luango das muitas que haviam
polvilhado o caminho de sua emigração no século XIX, desde a região de origem
no Congo, até aos Dembos.
Recebemos
notícia que o inimigo não estava mais capacitado a combater pois encontrava-se
desorganizado, com imensas deserções e abandonando as fardas e as armas onde
quer que fosse.
18
– Procurámos seguir para M’Banza Congo mas num vau de curso de água maior,
havia que calcetar o leito seco com pedra a fim de ganhar consistência para a
travessia da coluna no vau do rio.
Trabalhou-se
nisso afincadamente durante todo o dia, mas à noite um tremendo aguaceiro
desabou e todo o trabalho que havíamos feito acabou por ir água abaixo,
impedindo-nos de progredir.
Como
as outras colunas haviam já alcançado as fronteiras, o comando operacional
decidiu fazer regressar todo o efectivo da coluna na direcção do Soio.
Quando
cheguei ao Soio a nossa dieta foi melhorada: havia muita conserva de frutas
sul-africana abandonada pela logística dos mercenários…
A
minha unidade ficou alguns dias no Soio a fim de explorar a costa e as ilhas
adjacentes, onde se dizia haver baterias da FNLA.
Numa
dessas explorações detectou-se e capturou-se material abandonado duma bateria
que constava ter sido colocada às ordens do Comandante Barreiros.
Essas
incursões foram feitas com recurso a traineiras de pesca, requisitadas aos seus
proprietários para esse efeito.
Não
havendo mais justificação para nossa permanência havia que regressar a Luanda,
o que foi feito a bordo duma lancha de fiscalização grande, da classe Argos, a
Escorpião, que os portugueses haviam deixado de oferta à Marinha de Guerra
Angolana.
Foi
aliás a bordo da LFG Escorpião que o Camarada Presidente Agostinho Neto deu voz
à constituição da Marinha de Guerra Angolana.
Foi
um retorno rápido e “em primeira classe” e postos em Luanda
haveríamos de rapidamente receber novas missões, pois havia muito mais a fazer
para se garantir independência e soberania, nos dez primeiros e conturbados
anos…
19
– Em honra à Operação Carlota e a todo o esforço em prol do MPLA e do Movimento
de Libertação em África, a 2 de Outubro de 2004 no desaparecido semanário
ACTUAL, evoquei a necessidade de Cuba Revolucionária dar continuidade sobretudo
no âmbito da saúde e da educação, à saga comum na perspectiva dos imensos
resgates que há a realizar na longa luta contra o subdesenvolvimento que
antropológica e historicamente afecta o povo angolano.
Essa cultura é para mim uma questão essencial para fazer prevalecer a lógica com sentido de vida capaz de dar oportunidade à projecção de mais felicidade, dignidade e justiça histórica em benefício dos povos dos dois continentes separados pelo Atlântico Sul.
Ao
lembrar-me de como o povo angolano vivia na época do colonialismo, comparando
ao modo de sua vida colectiva hoje, apesar dos impactos tão negativos dos
fenómenos da globalização capitalista neoliberal e do aquecimento global
conjugados, sinto-me consciente da enorme dívida que há que pagar para com
África e respeito todos aqueles que com sua contribuição quantas vezes anónima,
assumiram essa responsabilidade imensa, que em Angola passa outrossim pela
construção da identidade nacional.
No
fundo há toda uma legitimidade histórica que assiste aos esforços de várias
gerações consecutivas de angolanos, legitimidade que prevalece e coloca àqueles
que se propõem conjugar numa lógica com sentido de vida, na vanguarda e na
pedagogia das opções possíveis, acima das alternâncias circunstanciais de
ocasião, as capacidades que marcam as aspirações dum Programa Maior que confere
rumo a Angola.
Fotos:
Cerimónia
comemorativa dos 40 anos da Operação Carlota, em Triunvirato, Cuba, junto à
estátua que simboliza a revolta dos escravos de origem africana em Cuba,
ocorrida há 172 anos;
Lancha
de Fiscalização Grande da classe Argos, que integrava uma pequena frota que a
Marinha de Guerra Portuguesa ofereceu a Angola, antes do 25 de Novembro e numa
altura em que o Presidente Agostinho Neto reconhecia que o Movimento das Forças
Armadas Portuguesas, livre dos spinolistas e dos que engrossaram as fileiras do
ELP, do FRA, do ESINA ou da FUA, entre outros, era de facto mais um Movimento
de Libertação;
Capa
do “ACTUAL” de 2 de Outubro de 2004, apelando à sensibilidade comum Angola-Cuba
no sentido de dar continuidade à Operação Carlota na luta contra o
subdesenvolvimento crónico que antropológica e historicamente havia prevalecido
como um flagelo contínuo e penoso em prejuízo do povo angolano e dos povos de
África.
A
consultar de Martinho Júnior:
O
resgate dos monangambas – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/o-resgate-dos-monangambas-i.html
O
resgate dos monangambas – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/o-resgate-dos-monangambas-ii.html
O
resgate dos monangambas – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/o-resgate-dos-monangambas-iii.html
Cultura
na rota dos escravos – http://pagina--um.blogspot.com/2011/02/cultura-na-rota-dos-escravos.html
As
muItas lições do Haiti – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/as-muitas-licoes-do-haiti.html
Ainda
o sonho africano do Che – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/ainda-o-sonho-africano-do-che.html
Operação Carlota II – A possível nova ajuda internacionalista cubana em prol da
educação, formação e saúde do povo angolano – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/02/angola-cuba-operacao-carlota-ii.html
Novo
fôlego para a Carlota II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/06/novo-folego-para-o-carlota-ii.html
Consultas
na Net:
Como
os Estados Unidos foram derrotados na independência de Angola – http://www.verdade.co.mz/cultura/20683-como-os-eua-foram-derrotados-na-independencia-de-angola
A
derradeira tentativa – http://petrinus.com.sapo.pt/tentativa.htm
Classe
Argos – http://es.encydia.com/pt/Clase_Argos_(1963); http://www.guerracolonial.org/index.php?content=362
Cuba
comemora 40 anos de campanha militar em Angola – http://www.africa21online.com/artigo.php?a=17341&e=Pol%C3%ADtica
La
Operación Carlota constituyó una extraordinaria hazaña de nuestro Pueblo – http://www.juventudrebelde.cu/cuba/2015-11-05/la-operacion-carlota-constituyo-una-extraordinaria-hazana-de-nuestro-pueblo-fotos/
BTR
152 K – http://www.tanks-encyclopedia.com/coldwar/USSR/soviet_BTR-152.php; https://en.wikipedia.org/wiki/BTR-152
BRDM
2 – https://en.wikipedia.org/wiki/BRDM-2
T-34
– http://www.areamilitar.net/directorio/ter.aspx?NN=8&P=4
Corvos ao embondeiro, os lendários comandos – http://www.portaldeangola.com/2011/11/corvos-ao-imbondeiro-os-lendarios-comandos/
Corvos ao embondeiro, os lendários comandos – http://www.portaldeangola.com/2011/11/corvos-ao-imbondeiro-os-lendarios-comandos/
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