Mutações
genéticas podem tornar ineficazes até mesmo os antibióticos de “último
recurso”. Por que o uso irresponsável destes medicamentos – inclusive para
alimentação do gado – tem de ser proibido sem demora
Martin
Khor* - Outras Palavras - Tradução: Cauê Ameni
A
resistência aos antibióticos – um processo em que eles perdem o efeito, porque
as bactérias tornaram-se resistente – está ganhando nova importância na agenda
global, devido à crescente consciência da imensa ameaça que representa à saúde
e a sobrevivência humanas. No entanto, ainda não há ações suficiente para
enfrentar tal crise, que foi debatida no encontro dos ministros da Saúde na
ONU, entre 23 e 28 de maio.
O
encontro foi precedido por uma noticia recente e perturbadora. Cientistas
descobriram um gene, o MCR-1, que cria resistência à colistina, um poderoso
antibiótico usado como último recurso para tratar de infecções quando outros
medicamentos não funcionam.
Ainda
mais preocupante: o gene tem a característica de ser capaz de mover-se
facilmente de uma cepa de bactérias a outras espécies. Isto produz uma ameça:
muitas infeccções podem tornar-se intratáveis, o que nos aproximaria do
pesadelo de uma era sem antibióticos efetivos. A Malásia foi um dos primeiros
países em que os cientistas encontraram o gene MCR-1. Por isso, e preciso tomar
providências ainda mais serias, incluive a possivel proibição do uso de
colistina na alimentação animal.
O
gene foi descoberto durante um estudo realizado na China. Em novembro de 2015,
Yi-Yun Liu e seus colegas publicaram um artigo na revista The Lancet
Infectious Diseases, em que revelaram ter encontrado o MCR-1 em 166 de 804
suínos em abate que haviam testado; em 78 de 523 amostras de carne de frango de
porco a venda no varejo; e em 16 de 1.322 pacientes hospitalares.
O
estudo indica que há uma cadeia na disseminação da resistência. Ela começa a
partir do uso de colistina na alimentação animal e propaga-se para os animais
abatidos, os alimentos e os seres humanos.
Um
dos autores, o professor Jian-Hua Liu, da Universidade de Agrilcutura do Sul da
China, foi citado em matéria no Guardian. Afirmou que os resultados eram
extremamente preocupantes, por revelarem o surgimento do primeiro gene de
resistência à polimixina, que é facilmente transmitida entre bactérias comuns,
tais como E. coli e K. pneumonia.
Este
resultado sugere que “a progressão da resistência extensiva a drogas — que se
da quando uma bactéria é resistente a diversos fármacos – para a resistência
generalizada a drogas [pandrug resistence] é inevitável”, acrescentou
Liu.
A
colistina pertence a uma categoria de antibióticos conhecida como polimixinas.
No passado, não eram utilizados largamente, por terem efeitos tóxicos. Mas,
agora, são empregados como um último recurso, quando outros antibióticos não
funcionam devido a resistência.
“Todos
os principais elementos estão agora reunidos, para que um mundo sem
antibióticos efetivos tornese uma realidade”, disse outro co-autor do estudo, o
professor Timonthy Walsh da Universidade de Cardiff, ao site da BBC News. Ele
pressegue: “Se o MCR-1 tornar-se global — o que parece mais uma questão de quando que
de se — e se o gene se alinhar com outros genes de resistência a
antibióticos, o que sera inevitável, teremos atingido, provavelmente, o início
da era sem antibióticos. Neste ponto, se um paciente estiver gravemente doente
— digamos que com E. coli –, não haverá nada que se possa fazer”.
Suspeita-se
que a principal razão para o surgimento e a propagação do gene seja seu o
descomedido de colistina para alimentar o gado e induzir seu crescimento.
De acordo com o artigo de Liu e seus colegas, grande parte do uso mundial anual
do antibiótico na alimentação animal — cerca de 12 mil toneladas — está
concentrado na China.
O
documento menciona que, além da China, o gene MCR-1 também foi encontrado na
Malásia e Dinamarca. Cientistas malasianos chegaram ao sequenciamento do DNA da
bactéria em dezembro de 2014, utilizando genes que parecem ao MCR-1. A
possibilidade de que o E. coli com o gene MCR-1 tenha se espalhado pelo Sudeste
Asiático é “profundamente preocupante”, disseram os autores.
Depois
que o documento foi publicado, novas informações revelaram que o gene MCR-1 foi
encontrado em amostras de bactérias em muitos outros países: Tailândia, Laos,
Brasil, Egito, Itália, Espanha, Inglaterra, País de Gales, Holanda, Argélia,
Portugal e Canadá.
O
aspecto mais assustador sobre o MCR-1 é a facilidade com que pode propagar sua
resistência a outras espécies de bactérias por meio de um processo conhecido
como transferência horizontal de genes.
Alguns
anos atrás, houve um susto semelhante sobre NDM-1, um gene capaz de saltar de
uma bactéria para outras espécies, tornando-as altamente resistentes a todas as
drogas conhecidas — exceto duas, entre elas colistina.
Se
o MCR-1 resistente a colistina se combinasse com a NDM-1, a bactéria com os
genes combinados seria resistente a quase todos os fármacos.
Em
2010, foram encontrados apenas dois tipos de bactérias com o gene NDM-1 – E.
coli e Klebsiella pneumonia. Apos alguns anos, o NDM-1 foi encontrado
em mais de vinte espécies diferentes de bactéria.
A
descoberta do NDM-1 e agora do MCR-1 acende o alerta vermelho para a tarefa de
enfrentar a resistência anti-microbial.
Em
2012, a diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, Margaret Chan, alertou
que todos os antibióticos já desenvolvidos estavam em risco de se tornarem
inúteis. “Uma era sem antibióticos significa um ponto final na medicina moderna
como a conhecemos. Doenças comuns como faringite estreptocócica ou um ferimento
profundo no joelho de uma criança poderiam matar novamente”.
Uma
ação imediatamente necessária a ser tomada é proibir o uso de colistina na
almimentação do gado. A conceituada revista Lancetpublicou um comentário
em fevereiro de 2016, segundo o qual é prciso exigir das autoridade políticas a
restrição ao uso de polimixinas (incluindo a colistina) na pecuária — ou
estaremos diante de um número cada vez maior pacientes aos quais será preciso
dizer: “Desculpe, mas não há nada que eu possa fazer para curar sua infecção”.
Outros
antibióticos que são usados pelos seres humanos também deveriam ser proibidos
ou rigidamente restritos para a pecuária, especialmente se são usados como
indutores de crescimento.
Um
Plano de Ação Global contra o risco do colapso dos antibióticos deve incluir
cinco objetivos: usar medicamente apropriados na saúde humana e animal; reduzir
as infecções por meio de medidas de saneamento, higiene e prevenção; reforçar a
vigilância e estimular as pesquisas; educar o público tão bem quanto os
médicos, veterinários e fazendeiros, sobre o uso adequado de antibióticos; e
aumentar o investimento no desenvolvimento da novos remédios, ferramentas de
diagnósticos e vacinas.
*
Martin Khor é diretor executivo do South Centre, uma organização
intergovernamental de países em desenvolvimento, com sede em Genebra. É
jornalista, economista e antigo diretor da Third World Network. É ativo nos
movimentos da sociedade civil.
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