Os
“donos” da Europa - por iniciativa da sra. Merkel - acham que podem continuar a
mandar e que o diretório é para reforçar. Já não têm povo há muito tempo e nem
o Brexit lhes fez ver isso
Marisa
Matias – Jornal i, opinião
A
União Europeia encontra-se em avançado estado de desagregação. Desagregação
política, económica, social, humana. Até chegarmos à desagregação territorial
era uma questão de tempo, toda a gente sabia. O Brexit foi a confirmação dessa
evidência.
Numa
nação onde a esquerda andou desaparecida muito tempo, a direita
instrumentalizou o debate sobre a imigração e, a partir dele, encontrou o
pretexto para se meter com Bruxelas. Bruxelas estaria a conspirar para nada
fazer enquanto, supostamente, a ilha de sua majestade estaria a ser invadida
por hordas de imigrantes. Sabemos bem do poder de Bruxelas em matéria de
imposições - sobretudo quando há quem, do outro lado, queira ajudar a impor -,
mas convenhamos que o Reino Unido tinha mais margem que os outros.
Voltemos
à “ameaça” imigrante: escrevi “a direita” porque foi exatamente este o discurso
comprado pelo Partido Conservador e pelo primeiro-ministro, David Cameron, que
quis mostrar que o arame farpado e o tratamento desigual não chegavam e que era
preciso dar um sinal mais forte - um sustozinho não haveria de fazer mal a
Bruxelas. Irónico porque a política migratória europeia é simplesmente uma
vergonha, assim como eram vergonhosos os termos do acordo assinado em caso de
manutenção do Reino Unido.
Cameron
roubou as bandeiras eleitorais ao UKIP e a Nigel Farage; prometeu o referendo
para dois anos depois porque achou que isso o faria ganhar eleições; ganhou as
eleições e decidiu que, afinal, era melhor apressar o referendo para o mais
cedo possível, não fosse o povo levá-lo a sério. Cameron pôs e dispôs em toda a
linha e perdeu em toda a linha. Quis fazer um jogo e acabou por despertar um
dos mais profundos debates políticos dos últimos tempos. A desagregação sentida
a vários níveis passou a ser também uma desagregação territorial que, neste
caso, não é apenas face ao exterior, mas também interna. Cameron subestimou o
sentimento do povo britânico face à União Europeia. Isolou a questão migratória
do resto porque com o resto - estivesse ou não vinculado a Bruxelas - sempre
concordou. O resto é, obviamente, a austeridade. O Reino Unido foi, ao longo
dos últimos anos, sujeito a níveis de austeridade que, nalguns casos, se
aproximaram dos impostos aos países do sul. Milhares de pessoas saíram várias
vezes à rua para criticar os cortes. Criaram-se plataformas e coligações de
movimentos por causa dos cortes.
Desigualdade,
pobreza, baixos salários, ataques ao Estado social e a “ameaça” da imigração.
Afinal, seria assim tão difícil prever o resultado? E assim sendo, porque é que
a UE não fez parte da solução para o povo britânico? Fosse o projeto europeu
socialmente justo, solidário, redistributivo, e seguramente faria parte da
solução.
Não
podemos ser ingénuos. No dia a seguir ao Brexit, o Reino Unido não acordou
livre de austeridade nem com uma agenda para a integração. Infelizmente, não
era assim tanto o desacordo entre o projeto político europeu e o projeto
político britânico dos nossos dias, mas a maioria do povo não quis continuar.
Lamentável é perceber que os líderes europeus também não quiseram aprender com
o que se passou. Os “donos” da Europa - por iniciativa da sra. Merkel - acham
que podem continuar a mandar e que o diretório é para reforçar. Já não têm povo
há muito tempo e nem o Brexit lhes fez ver isso.
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