Bombeiros
e população quase não dormem nem comem há dias para proteger bens e pessoas.
Famílias que ficam em casa temem todos os dias não voltar a ver quem vai para a
frente de batalha.
Pelo
país fora há bombeiros e outros voluntários que deixam tudo, incluindo família
e filhos, para combater incêndios até à exaustão. Passam dias sem dormir, horas
sem comer, abdicam de férias e até de compromissos profissionais, para poder
responder a um apelo que, afirmam, é "mais forte" do que eles. Ao fim
de quase uma semana sem tréguas, bombeiros e população dão sinais de exaustão.
A
luta é injusta e as chamas levam a melhor. Ontem, ao início da noite, mais de
4300 bombeiros combatiam 147 incêndios, sendo 11 aqueles que mais dores de
cabeça davam, em especial nos distritos de Aveiro, Viana do Castelo, Porto,
Viseu e Braga.
"Isto
é uma espécie de um gene. Algo que nos chama", afirma João Camilo, 36
anos, voluntário na corporação de Caminha e casado com a colega Carla
Vasconcelos, de 37.
Pais
de dois filhos, Joana, com 11 anos, e Dinis, com dois, Carla tem uma loja de
informática e João é técnico de informática no Instituto Politécnico de Viana,
e está de férias. Desde domingo, dia em que começou o inferno dos fogos no Alto
Minho, passaram a ser constantemente acionados. Estiveram em todos os fogos da
região. De noite e de dia. "Tem sido complicado. Andamos os dois e a sorte
é que a minha sogra está de férias e toma conta dos meninos. Temos dormido
duas, três horas", desabafa a voluntária, referindo que, sempre que podem,
aproveitam "as pequenas pausas, quando as há", para ver os filhos. "Custa-nos
deixá-los, mas sabemos que estão bem. Custa-nos muito mais deixar as pessoas
aflitas com tudo a arder", afirma Carla, admitindo: "A minha filha já
chegou a dizer à avó que a abandonamos para ir para os bombeiros. Não
compreende muito bem. Isto não compensa nada, mas é como o João diz: É mais
forte do que nós".
O
colega de corporação, Jorge Alves, 38 anos, arquiteto e ultramaratonista, deixa
a mulher em casa com os filhos, Gonçalo, de três anos, e Rodrigo, com oito.
Natural de Vilar de Mouros e apaixonado pela natureza, não resiste ao apelo do
combate ao fogo. Desde sábado, dormiu "duas a três horas" para se
aguentar. "Hoje (ontem) teve de ser mais. Houve dias que fiquei sem
dormir", diz.
Em
casa, a mulher, Anabela, de 37 anos, passa os dias com o coração apertado.
"É difícil por causa dos miúdos sempre a perguntar: O pai? O pai? O pai?
Eu respondo sempre: Deve estar a chegar. Mas o pai depois não vem", conta,
acrescentando: "Para nós, mulheres, também não é fácil, passamos o tempo stressadas,
sempre à espera de uma má notícia. Tudo a arder e nós a pensar, onde é que ele
andará, como é que estará?...".
De
tanto ver o pai sair porta fora, ao tocar da sirene dos bombeiros, Gonçalo, o
filho mais novo, já canta a música da série de animação infantil "Bombeiro
Sam".
De
olhos mal abertos
Serafim
Almeida não tem ido trabalhar e mal tem fechado os olhos para descansar desde
que começou o incêndio em Águeda, na segunda-feira de madrugada. Anteontem,
caiu de um muro de cinco metros, quando ajudava a defender uma fábrica, em
Massadas. O ferimento no braço, a somar ao cansaço, não o impedia de, ontem,
aguardar pelas chamas no lugar de Serra de Cima para defender três casas.
"É impossível abandonar. Se sairmos daqui, o fogo devora tudo",
explica. Cristiano Ferreira, 20 anos, não dorme desde domingo, altura em que
tirou a farda da banda onde toca para vestir a da Unidade Local de Proteção
Civil. O colega Bruno Oliveira, que à tarde combatia ao seu lado um
reacendimento numa vacaria, dormiu quatro horas, "em cima de um camião. Já
não aguentamos mais". "É uma calamidade, há tanto lume que não temos
hipótese. Só pára com tudo queimado", desabafa Fernando Oliveira.
"Não temos meios suficientes", lamentava o autarca de Préstimo e
Macieira de Alcoba, Pedro Vidal.
Fonte
da Unidade Local de Proteção Civil estima que tenha ardido "metade"
do concelho de Águeda. "Havia uma frente que devia ter cerca de 20
quilómetros, pelo meio da serra, entre Alcafaz e Serra de Cima", descreve.
Ao
cansaço junta-se a revolta, porque os meios no terreno não são suficientes para
a dimensão da tragédia. No lugar de Serra de Cima, "esteve complicado
porque o dono de um aviário não deixou fazer um aceiro para proteger as casas,
mas quase por milagre não aconteceu nada", descreve Fernando Oliveira.
Em
Vila Nova de Monsarros, Anadia, "o fogo é o diabo, não dá tréguas a
ninguém", desabafa Daniel Matos, que anteontem teve de fugir pela vida.
Carlos Sousa viu o clarão de madrugada. "Fui regar a casa. Tive de me
atirar para o chão, junto ao muro, e o fogo passou-me por cima", relembra.
Na
Mealhada, as chamas que lavram há dias chegaram perto da mata do Bussaco e,
anteontem, o hotel foi evacuado.
Ana
Peixoto Fernandes e Zulay Costa – Jornal de Notícias
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