Martinho Júnior, Luanda
1-
A espectativa optimista que a inteligência russa depositou nos Estados Unidos
em função da ascensão eleitoral de Donald Trump face à inveterada belicista
Hillary Clinton, acabou estrondosamente reduzindo-se a pó com os acontecimentos
desta última semana na Síria.
No
imediato seguimento da acusação da Síria ter usado armas químicas num
bombardeamento aéreo na região de Idlib, os Estados Unidos atacaram a base que
recentemente foi reconstruída pela Rússia e Síria, a sudeste de Homs, acusando
os sírios de que seria a partir dela que esse bombardeamento foi executado…
reeditando as técnicas de informação, propaganda e contrapropaganda
experimentadas antes, quando os Estados Unidos deram início às guerras do
Vietname ou à do Iraque…
Que
os Estados Unidos repetissem a façanha, adaptando-a no espaço e no tempo aos
parâmetros da hegemonia unipolar conforme o capitalismo neoliberal da segunda
década do século XXI, a ninguém pode admirar, mas a surpresa reside na
deliberada baixa de guarda por parte da Rússia, que entretanto arranjou forma
para se desmobilizar da Síria, escancarando a porta à barbárie!
Numa
operação-embuste que por si só indicia uma perigosa escalada em termos de caos
e de terrorismo, os ponteiros do relógio aproximaram-se ainda mais da hora zero
duma guerra nuclear que poderá vir a ser total, quando já se está numa Guerra
Mundial assimétrica, de intensidade e geometria variável e com um cunho
psicológico sem precedentes, que se vai espalhando inexoravelmente por todos os
continentes da Terra!
2-
A Rússia retirou praticamente do Mediterrâneo Oriental o escudo naval que
impedia ataques á Síria a partir do Mediterrâneo central (a sul da Itália e
Sicília) e os navios que deveriam estar de sentinela ao redor de Tartus, um
deles estava em manobras com os turcos no Mar Negro, o outro (que pertence à
Frota do Norte) estava sulcando o Atlântico Sul, em visita à África do Sul,
Namíbia e Angola…
As
articulações anti aéreas de protecção a algumas bases, entre elas a que foi
atacada pelos mísseis Tomahawk disparados pelos “destroyers” USS
Porter e USS Ross que integram a VIª Frota, não foram activadas, assim como não
foram activadas as contra medidas electrónicas que teriam cortado o sinal de
orientação que alimentou o direcionamento dos mísseis.
A
Rússia evoca um acordo recente com os Estados Unidos que regulava a exploração
operacional do espaço aéreo sobre a Síria, que a administração Trump demonstrou
não mais poder considerar, alertando contudo os russos e os sírios para
abandonarem a base-alvo imediatamente antes dos disparos, o que possibilitou a
retirada organizada dos meios principais que desse modo foram salvos.
É
imperdoável, terem-se abandonado essas medidas, pois assistiu-se a uma cedência
tácita numa plataforma de manobra geoestratégica, no momento em que Mosul (no
Iraque) e Raqa (na Síria) estão simultaneamente em fase de assédio sob os
auspícios de forças próximas ou aliadas dos Estados Unidos.
A
Rússia não perdeu por completo a sua capacidade de manobra geoestratégica,
porém colocou-a em penhora e só uma brusca reversão poderá salvaguardar o seu
prestígio operacional numa Síria que continua a ser uma “manta de
retalhos”…
3-
O plano geoestratégico integrador da “rota da seda” que absorve
também o caudal de oleodutos e gasodutos que do interior profundo da Rússia dirigem-se
a oeste para abastecer a União Europeia, dá coerência ao empenho da Rússia na
Síria, conjuntamente com aliados como o Irão.
A “rota
da seda” está na sua primeira fase em execução até meados do século XXI e
os Estados Unidos, nada têm de similar ao seu nível, enquanto capacidade
geoestratégica no vasto supercontinente euroasiático.
Sem
capacidade geoestratégica com essa dimensão, os Estados Unidos estão contudo
apostados em impor sua vontade no Médio Oriente, substituindo por seus (e dos
seus aliados-vassalos) os oleodutos e gasodutos russos e por isso Assad é para
ser derrubado, pois ele impede o plano dos interesses da hegemonia unipolar.
A
hesitação russa abriu um precedente que aumentou sua vulnerabilidade, por
abandono das medidas preventivas plenamente justificáveis, ou seja, a sua
inteligência indicia ter feito uma avaliação errada do poder do núcleo duro
militarista ao serviço da aristocracia financeira mundial, em benefício dum
acordo tácito que demonstrou ter tempo de vida muito curto para poder ser
levado tão a sério como o foi.
Se
a Rússia não aprendeu a lição e implementa imediatamente as urgentes medidas
correctivas, mais tarde ou mais cedo sentirá sobejas dificuldades para se poder
defender, tendo em conta que a ameaça de caos e de terrorismo dentro de suas
fronteiras é ainda um risco a não desprezar.
Voltar
à decrepitude da era de Boris Yeltsin pode estar na forja e a abertura de
qualquer brecha vai ser explorada “automaticamente” nessa
direcção!...
A
única opção é ter na devida conta que a fragilidade da administração Trump face
ao núcleo duro militarista impedirá sempre o abandono de medidas operativas de
carácter preventivo e qualquer acordo como o que foi assumido e agora revogado,
é um golpe profundo que pode não ser mais possível suturar!
- Imagens
de Keule Ruke e proximidades: o braço longo da contrapropaganda contra Donald
Trump numa das zonas mais cosmopolitas (estação ferroviária central e muitos
hotéis) de Vílnius, a capital da Lituânia, um dos países bálticos colonizados
pela NATO; a caricatura de hoje (beijo entre Trump e Putin) é uma réplica a uma
caricatura de ontem (beijo entre Brejnev e Honecker) num contexto similar de
guerra psicológica sem muros, nem fronteiras, levada a cabo pelo núcleo duro da
aristocracia financeira mundial que tutela a CNN… - http://edition.cnn.com/2016/05/15/politics/donald-trump-vladimir-putin-mural/
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