Pequim
lança Nova Rota da Seda, megaprojeto de infraestrutura que terá enorme impacto
na Ásia e chegará à Europa Ocidental. Presidente Xi afirma que não se trata de
neocolonialismo disfarçado
Pepe
Escobar | Outras Palavras
O
presidente Xi Jinping invoca heróis da dinastia Ming, estratégias geopolíticas
de desenvolvimento e analogias com os gansos selvagens asiáticos para retratar
a iniciativa chinesa Novas Rotas da Seda como nave madrinha de uma
nova ordem mundial focada no comércio.
O
presidente Xi Jinping usou o Fórum Internacional Nova Rota da Seda, de dois
dias, em Pequim, para fixar a China como a nave madrinha de nova ordem mundial
benigna, focada no comércio. Esse é, disse Xi, um “novo modelo de ganha-ganha e
cooperação” que prevalecerá sobre a diplomacia dos canhões.
No
início da conferência, a rede estatal chinesa Xinhua cuidou de esclarecer que a iniciativa –
oficialmente chamada, antes, de “Um Cinturão, Uma Estrada” [ing. One Belt,
One Road (OBOR)] e chamada agora “Iniciativa Cinturão e Estrada”
[ing. Belt and Road (BRI)] — nada tinha de “neocolonialismo disfarçado”.
“A
China não carece de estados fantoches” – disse Xinhua, repetindo, na
essência, o que Xi disse em seu discurso histórico.
“A
China quer partilhar sua experiência de desenvolvimento com o resto do mundo” –
disse Xi –, “mas não intervirá nos assuntos internos de outros países, não
trabalhará para exportar nosso sistema social e nosso modelo de
desenvolvimento, nem forçará outros países a aceitá-los.”
O
Comunicado que o Fórum distribuiu – um resumo dos pontos principais do discurso
de Xi – registrava que as nações representadas em Pequim comprometiam-se a
promover “cooperação prática por estradas, ferrovias, portos, vias marítimas e
internas de transporte por água, aviação, oleodutos e gasodutos de energia,
eletricidade e telecomunicações “.
O Big
Business também estava lá representado e, pelo que se diz, entusiasmadíssimo.
Jack
Ma de Alibaba, tão comprometido com promover uma Plataforma eletrônica de
Comércio Mundial, falou à mídia chinesa durante o Fórum e saudou o movimento da
iniciativa BRI para “incluir jovens, mulheres, empresas pequenas e
países em desenvolvimento.”
No
último dia do Fórum, Pequim construiu até uma espécie de Nações Unidas da Nova
Rota da Seda, no formato de uma Mesa Redonda de Líderes, com microfones
igualmente abertos e acessíveis a todos. O evento foi ilustração elegante e
cheia de estilo de como Xi deseja que o mundo veja a iniciativa chinesa.
“A
intenção primária e mais alto objetivo da ‘Iniciativa Cinturão e Estrada'” é
permitir que cada membro se associe ao processo de enfrentar os desafios
econômicos globais, encontre novas oportunidades e motores de crescimento,
alcance situação de ganha-ganha e continue a andar na direção de uma comunidade
com destino coletivo” – disse Xi.
Xi
elogiou o mestre da navegação da dinastia Ming, almirante Zheng He – como
“emissário amistoso” – antes de oferecer uma metáfora da nova ordem comercial
mundial que acabava de delinear.
“Os gansos-cisnes
selvagens“, disse ele, de uma grande ave selvagem, rara, encontrada na
Ásia, mas não na Europa” – voam muito longe e em plena segurança vencendo
ventos e tempestades, porque voam em bandos e ajudam-se uns os outros, como
equipe.”
Monte
num cisne selvagem
Não
há dúvidas de que as Novas Rotas da Seda encontrarão turbulência pela frente.
No Fórum, a ministra de Economia e Energia da Alemanha, Brigitte Zypries,
ameaçou não assinar o comunicado final, se não houvesse firmes garantias para
livres concorrentes – sem favoritismos para empresas chinesas – relacionados a
outros projetos futuros de OBOR/BRI.
Sim,
mas… em termos de expansão/exploração/construção de ferrovias, quem poderia
competir com a China?
Trens
de carga partem já regularmente da China oriental e da China central,
atravessando as estepes da Ásia Central e apontam pontualmente a milhares de
quilômetros de distância em 17 dias, antes de chegar a Londres, Madrid,
Duisburg ou Lyon. Partem lotados de produtos domésticos, roupas e peças de
reposição de maquinário, e voltam com produtos químicos, vinhos e produtos para
bebês.
É
duas vezes mais rápido que o comércio por mar, ainda que um trem de carga
carregue menos de 100 contêineres, comparados com os mais de 20 mil que viajam
por navios cargueiros. Mas o que realmente interessa é que até aí é só a
primeira perna de uma futura rede de ferrovias para trens de alta velocidade
que ligarão o leste da China à Europa via a Ásia Central.
Estão
previstas no plano de expansão também parcerias público-privadas. Por exemplo,
o primeiro ramo da Ferrovia Rota da Seda, que liga Chongqing a Duisburg, foi
promovida na verdade, há seis anos passado, não por políticas de Pequim, mas
pela gigante Hewlett-Packard do Vale do Silício, para embarcar milhões
de notebooks para a Europa, por trem.
Mas
agora a política da China avança rapidamente por toda a Europa. No Fórum, a
Europa Oriental estava pesadamente representada e a região está sendo ajudada
por um fundo criado há três anos, para investir, inicialmente, US$10 bilhões de
euros.
Ano
passado, China Everbright comprou o aeroporto de Tirana, na Albânia. O China
Exim Bank está financiando a construção de rodovias em Macedônia e Montenegro.
Em 2014, China Road & Bridge Corporation construiu uma ponte sobre o rio
Danúbio em Belgrado, a chamada “ponte da amizade sino-sérvia”, a maior parte da
qual foi financiada pelo China Exim Bank.
E
há a ferrovia de trens de alta velocidade entre Atenas e Budapeste, via
Macedônia e Belgrado. O ramo crucial Budapeste-Belgrado – não liberado pela
União Europeia – deve entrar em operação finalmente ainda esse ano.
Mais
uma vez, a geoeconomia empurra a geopolítica. Ao investir num corredor do Mar
Egeu até a Europa Central, Pequim estará estimulando ativamente o comércio a
partir do famoso porto grego de Pireu, que na verdade já está sob controle
chinês desde 2010.
E
agora a batalha por soft power
Zhou Wenzhong, secretário-geral dos fóruns regionais de negócios de alto nível, o Boao Forum para Ásia, fala das Novas Rotas da Seda como “a resposta da China à globalização”. Mas é realmente mais que isso. É realmente a visão do novo mundo. Visão composta de tantas partes, todas em movimento constante, que até agora continua difícil de definir.
Zhou Wenzhong, secretário-geral dos fóruns regionais de negócios de alto nível, o Boao Forum para Ásia, fala das Novas Rotas da Seda como “a resposta da China à globalização”. Mas é realmente mais que isso. É realmente a visão do novo mundo. Visão composta de tantas partes, todas em movimento constante, que até agora continua difícil de definir.
Xi
usou o Fórum para tentar esclarecer o conceito, mas verdade é que só as condições
e circunstâncias em campo definirão as diferentes estratégias no futuro.
Incluirão, para cada projeto, coordenação política e de financiamento que
tenham potência para empurrar a iniciativa além de um boom de
infraestrutura.
O
Fórum já deixou claro como atores muito significativos disputam posições. Já se
observa surto de competição entre Hong Kong e Londres sobre quem será a fonte
privilegiada de financiamento. Enquanto Hong Kong mantém-se como
centro offshore número um do mundo para compensações em yuan, o
chanceler britânico Philip Hammond já enfatiza que Londres continua a ser o
principal centro financeiro do mundo, insuperável para prover as necessidades
“de banking internacional” das Novas Rotas da Seda.
A
revoada dos gansos-cisnes já começou. A próxima grande pergunta é com que
ênfase as Novas Rotas da Seda reescreverão as regras do jogo do comércio
global, sem agitar demais atores ultrassensíveis, como a Índia. Mas é bem aí
que se insere o chip do soft power.
Agora,
os gansos-cisnes de Pequim começam a trabalhar para seduzir o Sul Global e
trazê-lo para uma parceria irresistível que transcende o mero comércio.
*
Pepe Escobar - Jornalista
brasileiro, correspondente internacional desde 1985, morou em Paris, Los
Angeles, Milão, Singapura, Bangkok e Hong Kong. Escreve sobre Asia central e
Oriente Médio para as revistas Asia Times Online, Al Jazeera, The Nation e The
Huffington Post.
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