A
lavoura, nos Açores, tem enfrentado as consequências da desregulação, e foi
entregue à selvajaria do mercado à moda neoliberal, geradora de uma crise no
setor leiteiro.
Paulo
Mendes*
O
problema de fundo e estrutural não se encontra no embargo russo, apesar de ter
contribuído para o agravar da crise, mas sim numa política baseada no princípio
da inesgotabilidade dos recursos naturais associado ao primado da produção
crescente em que os grandes produtores saem sempre a ganhar, porque conseguem
atingir quantidades que lhes permitem praticar preços reduzidos, com origem num
modo de produção intensivo e industrializado que culmina no paradigma da “vaca
fábrica”.
Nos
Açores, a aposta na qualidade da produção no setor da lavoura era fundamental,
mesmo antes da atual crise, e torna-se, agora, ainda mais premente.
Os
lavradores terceirenses têm sentido os efeitos perversos destas políticas quando
se confrontam com uma relação desigual com a indústria, no caso multinacionais
que praticam preços cada vez mais reduzidos à produção.
A
valorização da produção não se faz pela indiferenciação, mas antes pelo
contrário: com uma produção reconhecida pela sua qualidade, o que não se
compadece com o abuso de rações, em detrimento da pastagem, e muito menos pela
utilização de ração à base de OGM, numa prática claramente contra aquela que
deveria ser a imagem da marca Açores.
A
lavoura tem reclamado, para si, o mérito de contribuir para a paisagem natural
da Região. Aqui, na ilha, é inegável o valor paisagístico da “manta de
retalhos” que se avista da serra do Cume e das vacas que pastam livremente, ao
ponto de se tornarem uma atração turística e num autêntico postal, numa
referência que poderá sair manchada se se perpetuarem maus exemplos de maneio
de gado, com vacas quase afogadas em lama, em cerrados com pouco ou mesmo
nenhum pasto.
O
trabalho na lavoura é, sem dúvida, duro e muito exigente fisicamente, e que,
por isso mesmo, deve ser retribuído condignamente e com respeito pela saúde e
higiene dos trabalhadores deste setor. Porque se é verdade que o futuro do
setor depende de vacas felizes, não deixa de ser menos verdade de que também
depende de produtores e trabalhadores felizes.
A
crise pela qual passa o setor não pode servir de desculpa para as condições
oferecidas aos trabalhadores agrícolas, por conta de outrem. Infelizmente,
pouca importância tem sido dada às condições laborais na lavoura.
A
prática de trabalho não declarado, mais do que precário, e muito mal pago não
pode, nem tem de ser comum neste setor. Aliás, o pagamento do salário mínimo,
com hora para os trabalhadores entrarem, mas sem hora para saírem, sem direito
ao pagamento de horas extraordinárias, passando pela falta de condições de
higiene e segurança tem de acabar.
Acredito
que os casos de mau maneio de gado não são regra, e que como maus exemplos
devem ser combatidos, assim como as condições oferecidas aos trabalhadores
agrícolas devem ser dignas de um setor tão crucial da nossa economia, pois só
assim poderemos ter uma lavoura com futuro.
*Esquerda.net
| Paulo Mendes | Deputado
à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Membro do Bloco de
Esquerda Açores. Licenciado em Psicologia Social e das Organizações
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