Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre |
Brasil
“Não
morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus
versos”.
Cora
Coralina (1889-1985)
No
dia 10 de fevereiro de 1871, há 146 anos, nascia, em Porto Alegre (RS), o
talentoso músico e compositor José de Araújo Viana. Filho do português
João de Araújo Viana e da gaúcha Maria José Felizardo Viana, ele demonstrou sua
aptidão musical, desde cedo, dedicando-se ao estudo do piano. Ao completar 10
anos, Juca - como era chamado no reduto do seu lar - passou a estudar com o mestre
Grunwald. Com apenas 12 anos, surpreendeu os pais ao demonstrar o seu desejo de
viajar à Itália, visando ao seu aprimorando musical. A ideia não teve o apoio
da família, que, naquele momento, preferiu contratar o professor Thomaz Legory
a permitir a viagem do filho adolescente.
Em
1889, ano da Proclamação da República, Araújo Viana se apresentou, numa audição
pública, realizada pela Sociedade Filarmônica Porto-Alegrense, executando
apenas um número musical. Um ano depois, em 14 de junho de 1890, faleceu
a figura paterna. A família não sofreu revés econômico, pois havia acumulado um
patrimônio composto por imóveis e pela herança dos avós maternos da tradicional
família Felizardo.
A
viagem ao exterior
A
boa situação econômica possibilitou que o jovem músico concretizasse um antigo
desejo: conhecer a Itália. Chegando a Milão, no ano 1893, com 22 anos,
aprimorou seus estudos, no famoso Real Conservatório, onde assistiu às aulas
dos mestres Amintore Galli (1845-1919) e Vincenzo Ferroni (1858-1934).
Após dois anos, retornou a Porto Alegre, embora não tenha concluído
o seu ciclo de aprendizado. A experiência vivenciada, na Europa, fez com que
Araújo Viana assumisse a sua verve de compositor.
A
sua inquietude por novas experiências não lhe permitia permanecer somente em
Porto Alegre, ele buscava frequentar os locais das cidades, onde houvesse
novidades e intensa vida cultural, a exemplo de Buenos Aires, Rio de Janeiro,
São Paulo e Montevidéu. No Rio de Janeiro, finalmente, veio a publico a sua primeira
composição, “Ave Maria”, que foi apresentada na Igreja do Outeiro de Nossa
Senhora da Glória. Na cidade carioca, fazia parte de seu convívio, entre outros
nomes, os músicos Francisco Braga (1868-1945) e o não menos conhecido Alberto
Nepomuceno (1864 -1920). No período de 1896 a 1911, Araújo Viana viajou outras
vezes à Europa.
Atuação
cultural em Porto Alegre
No
dia 02 de abril de 1897, o Clube Haydn, localizado à Rua Dr Flores, em Porto
Alegre, realizou o concerto de estreia do nosso compositor. Esta sociedade
musical era a continuação do Instituto Musical Porto - Alegrense, que havia
sido fundado em 1897, mas de existência efêmera. Este instituto foi criado por
artistas amadores, do qual fazia parte Araújo Viana. No ano seguinte, na
capital gaúcha, Araújo Viana apresentou uma primeira audição de fragmentos do
“Réquiem em Ré Menor” do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830).
Quando
nos visitavam músicos nacionais e internacionais, Araújo Viana os apresentava à
sociedade local. Primeiro os conduzia até o Bazar Musical, localizado na Rua
dos Andradas, popularmente conhecida como Rua da Praia. Neste local, o seu
proprietário José Gertum recebia as novidades, na área musical, oriundas dos
grandes centros culturais do Brasil e do mundo. Ali se reuniam e trocavam
ideias os grandes nomes da época.
A
descoberta da partitura da Ópera Carmela
O
hábito de frequentar o Theatro São Pedro, fundado, em 1858, para assistir às
companhias líricas, era sinônimo de status e elegância. O professor e
pesquisador Décio Andriotti - um profundo conhecedor desta temática em nosso
Estado - em seu artigo “A Música no Rio Grande do Sul / Uma síntese
Crítica ”, registrou que, a partir da metade do século 19 até a outra metade do
século 20, a ópera foi o gênero musical preferido pelos gaúchos. Em seus
garimpos históricos, Andriotti descobriu, em 1994, na Biblioteca Pública do
Estado, a partitura da famosa Ópera Carmela, que foi encenada em outubro de
1902, da autoria de Araújo Vianna, constituindo-se, na época, num sucesso
retumbante.
A
partir da descoberta do pesquisador gaúcho, Décio Andriotti, o maestro Ion
Bressan revisou a edição completa da obra de Araújo Vianna, orquestrando-a
novamente. Esta versão foi apresentada por Concertos da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). O libreto da Ópera Carmela é da autoria de Leopoldo
Brígido (1876-1947) - poeta, jornalista e dramaturgo - e a versão italiana é de
Ettore Malagutti (1871-1925). Este último foi pintor, desenhista, poeta e
pianista ítalo-brasileiro.
De
acordo com o site da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), a Ópera Carmela nos apresenta o seguinte drama:
“A
ação, em um ato, transcorre em uma aldeia de pescadores perto de Nápoles. Ruffo
avista um barco que atraca na Ilha de Capri. Dele descem o Padre e Carmela, que
vem visitar a mãe. Após o desembarque ele zomba de Renzo e do amor que este
sente pela jovem. O Padre o repreende, louva a bondade dela e afirma que Renzo
é homem digno. Logo mais o Padre consola Carmela e pergunta as causas dos seus
sofrimentos. Ela responde que são consequências de uma infância marcada por pai
bêbado que maltratava a mãe. Renzo suplica que Carmela aceite seu amor, mas a
ela insiste que em seu coração há lugar apenas para a dor. Após a saída de
Carmela e do Padre. os pescadores se reúnem na praia ao som de
uma tarantella. Ruffo, bêbado, volta a implicar com Renzo e insinua
conhecer segredos de Carmela. É, então, desafiado por Renzo que, na luta, acaba
traiçoeiramente apunhalado pelas costas. Mortalmente ferido clama por Carmela,
que é trazida ao local. Desesperada, ela implora por sua vida e revela que
sempre o amou. Renzo, tomado de profunda alegria, morre nos braços da amada”.
A
Ópera Carmela, após alguns percalços enfrentados por Araújo Viana, foi al
encenada no Teatro Lírico, do Rio de Janeiro, em 1906, tendo excelente acolhida
pelo público da então capital do Brasil. O primo de Araújo Viana, o músico
Murilo Furtado ( 1873-1958), foi o compositor da Ópera ”Sandro” (1902),
que disputava com “Carmela”, na capital gaúcha, a preferência do público que
frequentava o Theatro São Pedro. Este compositor é o autor também do hino
patriótico alusivo ao Centenário Farroupilha (1835-1935).
O
amigo e músico Francisco Braga
No
Rio de Janeiro, Araújo Viana ficou bastante próximo de Francisco Braga
(1868-1945) que sempre demostrou profundo apreço pelo nosso compositor. Em
1905, Francisco Braga compôs o Hino à Bandeira, cuja letra é de Olavo Bilac
(1865-1918). Em 1928, quando veio a Porto Alegre , ele comentou sobre seu amigo
já então falecido:
“fomos
grandes amigos, sempre, na vida como na arte. Fui até eu que ultimei a
instrumentalização do “Rei Galaor“ que ele deixou incompleta, e fui eu quem
montou e dirigiu a execução da Carmela. Sempre tive no mais carinhoso apreço o
brilhante talento e o belo coração de Araújo Viana. Por isso tive uma
satisfação inimaginável quando soube que havia aqui um auditório com o seu nome
.“
Seus
amores
Voltando
à Europa, em Milão, na Itália, apaixonou-se pela filha da dona da pensão, onde
ele havia se hospedado. Medea Ferrea, que também era música e tocava harpa,
correspondeu aos galanteios do nosso compositor. De Milão foram a Paris e de lá
seguiram para o Brasil. Em Porto Alegre, tiveram um filho chamado Eugênio.
Infelizmente, após algum tempo, ocorreu a separação do casal, e Medea foi para
o Rio de Janeiro, onde veio a falecer.
Antes
do grande sucesso da Ópera “Carmela“, Araújo Viana havia sido convidado, em
1901, por Borges de Medeiros, para compor a marcha oficial da famosa Exposição
Estadual que se realizou naquele ano. Em 22 de abril de 1908, foi criado o
Instituto Livre de Belas Artes – atual Instituto de Belas Artes - cuja criação
contou com o apoio do nosso compositor.
A
doença
Terminada
a sua união com Medea, Araújo Viana iniciou um longo romance com a soprano
Olintha Braga. A felicidade de um promissor casamento foi interrompida
pela manifestação de uma patologia, que apresentava sintomas também encontrados
na doença de Charcot , na Esclerose em placas e na Tabes
Dorsalis.
No
Rio de Janeiro, Araújo Viana consultou o Dr. Austregésilo, um dos mais
conceituados na época, que teria diagnosticado a presença da doença de Charcot.
Com a doença progredindo, em seu organismo, ele rumou ,em 1909, para
Paris, para consultar outro grande especialista, o Dr Babinski, que não foi
otimista quanto ao quadro clínico do nosso compositor.. De volta a Porto
Alegre, ele não conseguia se levantar da cadeira, preferindo então terminar o
seu noivado com Olintha.
A
enfermidade apresentava momentos mais agudos e outros nem tanto. Neste ínterim,
ele aproveitava para passear, embora com alguma dificuldade física. Araújo
Viana ironizava quanto ao fato da doença ser conhecida, também, como “mal de
artista”, pois o músico Hector Berlioz (1803 -1869) fora acometido pela
mesma enfermidade.
A
Ópera “O Rei Galaor”
No
salão do Jornal do Comércio (1827- 2016), no Rio de Janeiro, dia 28 de agosto
de 1913, Araújo Viana esteve presente na execução da sua ópera “O Rei Galaor”.
Para esta audição – versão em concerto – a ópera se reduziu apenas aos cantores
acompanhados de piano e cordas, sendo executada pelo maestro Provesi. Sem
cenário, Araújo Viana assistiu à sua criação de forma incompleta. A obra
foi apresentada, em sua versão cênica, em 1922, no Theatro Municipal do Rio de
Janeiro, após completar sete anos de falecimento do nosso compositor, ocorrido
em 1916. Academia Brasileira de Música escolheu Araújo Viana como patrono
da cadeira nº 34.
A
obra de Araújo Viana não deve ser medida de forma quantitativa, devido à doença
que o vitimou antes de completar 50 anos de idade. Embora sua morte precoce,
ele faz parte dos pioneiros, no campo da música, a serem reconhecidos fora do
nosso Estado. É Importante que se registre: Araújo Viana, em vida, foi
admirado e aceito. Em Porto Alegre, o Auditório Araújo Viana – espaço
tradicional voltado, principalmente, à música – está localizado no Parque
Farroupilha, em face da Avenida Oswaldo Aranha, constituindo-se numa homenagem
a este grande compositor gaúcho.
Sua
produção musical
No
Rio de Janeiro, ele pode assistir à edição de mais de 30 composições de sua
autoria, comprovando o seu sucesso. Além das óperas “Carmela” e “O Rei Galaor”,
ele compôs para piano e também para canto e piano. Já raras foram as
peças que escreveu para violino e piano, violoncelo e piano, marchas
orquestradas, um hino para banda e uma suíte para quarteto de cordas.
Araújo Viana falava, com propriedade, que excluídas as óperas de Carlos
Gomes (1835 1896), Carmela se superou em número de apresentações.
O
médico pediatra Olympio Olinto de Oliveira (1866-1956), que era um apaixonado
pelas artes e dotado de uma primorosa cultura, fez constantes críticas,
enaltecendo a obra de Araújo Viana. De acordo com o professor Círio Simon, no
período de 1908 a 1920, Dr. Olympio foi presidente do Instituto de Belas Artes
do Rio Grande do Sul.
A
morte
Em
02 de novembro de 1916, - Dia de Finados - no Rio de Janeiro, no Hospital
Evangélico, faleceu, aos 45 anos, Araújo Viana. Este notável músico
gaúcho faz parte da ilustre galeria dos grandes nomes da música brasileira,
sendo motivo de orgulho para os gaúchos de todas as querências.
*Pesquisador
e coordenador do setor de Imprensa do Musecom
Bibliografia
ANDRIOTTI,
Décio. As óperas de Araújo Viana. In: Rio Grande do Sul /Aspectos da Cultura,
pp 131 a 138. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1994.
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A Música no Rio Grande do Sul / Uma Síntese Histórica. In: RS no Contexto do
Brasil, pp. 151 a 164. Porto Alegre: CIPEL / EDIPLAT ,2000.
LIMA.
J. C. Cavalheiro Lima. Araújo Lima / Vida e Obra. Porto Alegre :
Secretaria de Educação e Cultura, 1956.
REAL,
Antônio Corte. Subsídios para a História da Música no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Movimento, 1984.
Jornais:
Correio do Povo: 1902 a 1907 / Acervo do Museu da Comunicação Hipólito José da
Costa.
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