Miguel
Guedes | Jornal de Notícias | opinião
São
duas as opções perante a catástrofe iminente. Podemos assistir serenos e
impávidos ao desmoronar dos mais elementares alicerces da liberdade ou, então,
desatamos a arregimentar o sofá ao eterno descanso, fazendo a nossa parte,
partindo para o combate. São duas atitudes passíveis de entendimento: uma, a
maioria silenciosa, abre a boca de espanto e exclama; a outra, minoria ruidosa,
solta as palavras da boca e passa à demanda. Normalmente, é esta última que faz
revoluções, alarga o passo da história e apressa o tempo que no relógio tarda a
passar.
A
eleição de Donald Trump convocou um Mundo em maioria silenciosa. O espanto
globalizou-se e a onda de choque fez o seu caminho até ao momento em que o
impacto se desvaneceu perante os dislates com que diariamente nos brindava em
folha seca de Twitter. No fundo, voltou a ganhar a corrida dos primeiros nove
meses de presidência com os mesmos métodos que utilizou para vencer a corrida
presidencial até às eleições: conseguiu convencer-nos, novamente, a olhar para o
acessório e não para o essencial do que representa, é e executa. Enquanto nos
silenciámos maioritariamente para assistir à sua pantomina e estupidez, Trump
foi moldando o Mundo à sua ideologia. E não admira que seja ele o pai adoptivo
que todos os fascistas gostariam de adoptar. Racistas, neonazis,
"alt-right", Ku Klux Klan. E assenta-lhe bem, como a obra assenta ao
pai criador.
A
forma desculpabilizadora como reagiu à violência terrorista de Charlottesville
diz tudo sobre o perigo real que representa. Após marchas de ódio iluminadas a
tochas, saudações, cânticos nacionalistas, bandeiras e fumos neonazis, depois
da morte de uma pessoa que não se silenciava perante a atrocidade, após um dia
que envergonhou e ensombrou a América e o Mundo, Trump condenou a violência
"em vários lados". Em vários lados. Escolheu afagar o monstro, passou
a mão pelo pêlo daqueles que ponderam a vida dos outros em função da cor,
religião ou costumes. Precisamente porque parte de dentro dela para a implodir,
Trump é o inimigo público n.º 1 da democracia no Mundo. E merece ter a sua
cabeça a prémio, afixada em cartaz desde a sala oval até ao mais saloio saloon.
Trump tem razão: nem todos os homens são iguais, ele é diferente.
Há
um espelho no Pontal português e, infelizmente, é fiel. A radicalização
extremista do PSD não pára de crescer e nem os acontecimentos em
Charlottesville impediram Passos de vomitar demagogia sobre a política de
imigração em Portugal. Depois de apoiar a xenofobia e racismo do candidato à
Câmara de Loures, Passos Coelho escolheu estender o seu PSD num caixão
indistinto, "qualquer um". Espera-se a "qualquer momento"
que o líder do PNR também o caracterize como "um dos meus".
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico
e jurista
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