Anselmo Crespo | TSF| opinião
Se há coisa com que os grandes
partidos lidam mal, é com a ausência do poder.
Deixar o poder é como deixar o
tabaco. Os primeiros tempos são insuportáveis. Fica-se irritadiço. Sem
paciência. O corpo implora pela nicotina. A boca suplica pelo cigarro. Os dedos
sentem-se lassos, sem um filtro para apertar.
Mascar uma pastilha, ou ter
sempre uma caneta na mão, não compensa a ausência do cigarro, mas ajuda a
suportar a privação. Nos grandes partidos é a mesma coisa. O pequeno poder não
compensa a ausência do grande poder, mas ajuda a tornar tudo muito mais
suportável. Não impede a irritação, a ressaca e a impaciência, mas ajuda a
suportar um dia de cada vez.
Rui Rio sabe isso muito bem. E,
não por acaso, no primeiro discurso que fez ao congresso, deixou o aviso:
"Os partidos existem para servir o país, não existem para dar corpo às
suas pequenas táticas, nem aos interesses dos seus dirigentes". A sala
gelou. Os aplausos tímidos - muito tímidos - não disfarçaram o incómodo de
tantos que, sentindo-se órfãos da anterior liderança, temem agora pelo que lhes
possa vir a acontecer daqui para a frente.
Nos últimos três anos, o PSD foi,
progressivamente, perdendo poder. Primeiro perdeu as Europeias. Depois ganhou
as legislativas, mas António Costa roubou-lhe o poder. E, em 2017, as
autárquicas foram uma espécie de machadada final nos sociais democratas, que
chegaram a ser o maior partido autárquico português.
Nos últimos três anos, houve
muitos militantes que ficaram sem emprego. Pior que isso, houve muitos
militantes que foram, progressivamente, perdendo os seus pequenos poderes. As
guerras intestinas nas concelhias e nas distritais um pouco por todo o país e
os jogos de bastidores que degradam a imagem dos políticos e dos partidos foram
a consequência mais visível num partido que estava em queda acelerada. A saída
de cena de Passos Coelho não matou esperança dos que ainda acreditaram que, com
Pedro Santana Lopes, o poder não lhes escaparia completamente entre os dedos
das mãos.
Mas Santana Lopes não ganhou. E
Rui Rio, que durante a campanha interna já tinha avisado que ia pegar na
vassoura, agora voltou a fazê-lo no congresso. Essa é uma das grandes
incógnitas em torno da nova liderança de Rui Rio. Até que ponto conseguirá o
novo presidente do PSD recuperar um partido que está fragmentado, sem rumo, sem
ideias, sem liderança?
A primeira condição para ser
bem-sucedido é conseguir afirmar-se como uma verdadeira alternativa a António
Costa. E provar uma tese antiga, de que Rio é mais popular no país do que
dentro do seu próprio partido. Depois tem de saber rodear-se das pessoas
certas. E por certas, entenda-se competentes. Por fim, tem de conseguir fazer a
tal limpeza no partido, sem se comportar como um elefante numa loja de
porcelana.
Se conseguir fazê-lo, Rui Rio não
tem que se preocupar muito com os críticos internos. Tipicamente, nos grandes
partidos, os militantes movem-se em manada. Sempre na direção do poder e sempre
na esperança de que sobre algum para eles. Mas se ao nariz dos militantes não
começar a chegar o cheiro a poder e se, ao mesmo tempo, internamente ficarem
feridas abertas (daquelas que demoram anos a sarar), Rui Rio arrisca-se a ter
uma curta história como líder do PSD.
Para já, na sala do congresso do
PSD, em Lisboa, há uma clara sensação de azia, uma indisposição mal disfarçada
pelos sorrisos de circunstância e pelos abraços de união. É tomar uns sais de
frutos. Ou colar um penso de nicotina.
Foto: Adriano Miranda, Público
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