domingo, 11 de março de 2018

PORTUGAL | “Taxa de rotatividade”: que combinação?


José Soeiro | Expresso | opinião

O agravamento da contribuição para a Segurança Social das empresas que revelem excesso de rotatividade é uma medida que consta do programa do Governo e que tem vindo a ser discutida à esquerda. Os patrões contestam e, dentro da maioria, discutem-se soluções. Mas o que a justifica e como avançar?

Por trás de uma medida desta natureza estão duas constatações.

A primeira prende-se com o impacto da precariedade na criação de desemprego e no modo como ela penaliza a Segurança Social. Em Portugal, a esmagadora maioria dos desempregados não foi alvo de um processo de despedimento: viu o seu vínculo precário chegar ao fim. Os trabalhadores com contratos a prazo não renovados representam dois em cada três subsídios de desemprego. De acordo com o Livro Verde das Relações Laborais, a proporção de contratos a prazo em Portugal, que é superior a 22%, "tem aumentado paulatinamente ao longo das últimas duas décadas, superando amplamente o padrão médio europeu". Não só há um uso abusivo dos contratos a prazo como estes são uma antecâmara do desemprego.

A segunda constatação tem a ver com a “excessiva rotatividade”. O tema tem sido abordado por economistas do trabalho com posicionamentos ideológicos e propostas políticas contrastantes. Apesar dessa diversidade, numa coisa estão de acordo: no nosso país, a taxa de contratações é bastante superior à taxa de criação de empregos. De acordo com alguns estudos, é mais do triplo. Ou seja, a variação de trabalhadores numa empresa e num dado setor é muito maior que a variação de empregos, porque a um posto de trabalho corresponde uma sucessão de contratos precários. Isto pode acontecer por várias razões. Mas há duas que, conhecendo nós o nosso sistema de relações laborais, resultam óbvias: esta rotatividade é uma estratégia de manutenção de salários mais baixos e um mecanismo de domesticação dos trabalhadores pela instabilidade e pelo medo de não renovação do contrato. As empresas estão a servir-se dessa rotatividade imputando os seus custos sociais à Segurança Social.

Em 2009, o Código Contributivo previa uma variação da contribuição dos patrões para a Segurança Social em função do tipo de contrato. A ideia, que está na lei mas nunca chegou a ser aplicada, era aumentar em 3 pontos a contribuição patronal no caso dos contratos a prazo e diminuir num ponto nos contratos sem termo. Ora, a combinação destas duas normas não corresponde propriamente a uma taxa de rotatividade, além de que é contrária ao compromisso feito à Esquerda, que impede que se reduza a TSU dos patrões.

A combinação para combater a rotatividade excessiva que é consequência da precarização tem de ser outra. Por um lado, penalizar as empresas que recorrem a este expediente, punindo esse comportamento na linguagem que as empresas percebem melhor: a que mexe com os seus rendimentos. Por outro, retirando da lei do trabalho os alçapõs que permitem este abuso, isto é, as normas que a Direita colocou nas regras dos contratos a prazo. Quais? Por exemplo, a que permite que uma nova unidade económica numa empresa até 750 trabalhadores possa contratá-los todos a prazo (sim, todos), só por estar em início de atividade. Ou a exceção através da qual basta invocar que o trabalhador é jovem à procura do primeiro emprego ou um desempregado de longa duração para que seja possível contratá-lo a prazo mesmo para funções permanentes.

Uma combinação destas não acabará com a precariedade. Mas introduz regras de decência contra um abuso que tem crescido à custa da impunidade e de um inaceitável amparo legal que já devia ter sido mudado.

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