segunda-feira, 23 de abril de 2018

Europeus fazem ofensiva para salvar acordo com Irã


Primeiro Macron, depois Merkel: líderes europeus vão aos EUA tentar convencer Trump a não abandonar o pacto nuclear. Mas há ceticismo dos dois lados do Atlântico.

As visitas do presidente francês, Emmanuel Macron, e da chanceler alemã, Angela Merkel, a Donald Trump nesta semana configuram o esforço europeu mais visível até aqui para convencer o presidente americano a permanecer no acordo nuclear iraniano, que ele descreveu repetidas vezes como "o pior de todos os tempos".

A ofensiva diplomática para salvar o acordo de 2015 é apenas a ponta do iceberg. Ainda correm as negociações entre o chamado grupo E3 (Alemanha, França e Reino Unido) e os EUA para alcançar um pacto capaz de satisfazer as demandas feitas por Trump em 12 de janeiro, quando decidiu - "pela última vez" - manter as sanções suspensas.

Antes das viagens de Macron (nesta segunda) e Merkel (na quinta) a Washington, centenas de parlamentares europeus escreveram uma carta aberta exortando o Congresso americano a apoiar o acordo nuclear. Mas, segundo ex-funcionários de alto escalão americanos e diplomatas europeus baseados em Washington, a força-tarefa europeia pode não surtir efeito.

Eles estão céticos de que Trump possa ser convencido antes de 12 de maio, data em que terá que ser renovado o alívio de sanções ao Irã, passo tido como fundamental para manter o acordo vivo. Até agora, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Teerã vem cumprindo sua parte no acordo.

"Infelizmente, no momento atual, eu não conheço ninguém nos EUA que esteja particularmente otimista em relação à renovação da assinatura de alívios das sanções", prevê Laura Holgate, embaixadora dos Estados Unidos junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) até a posse de Trump, em janeiro de 2017.

Richard Nephew, principal especialista em sanções na equipe americana que negociou com Teerã durante o governo Barack Obama, e Elizabeth Rosenberg, que se ocupava do mesmo tema durante sua passagem pelo Departamento do Tesouro, compartilham do ceticismo de Holgate.

"Estou muito pessimista", diz Nephew. "Estou pessimista desde que Trump foi eleito. Eu simplesmente acho que o que queremos alcançar é muito pequeno e realmente será necessária uma combinação de fatores muito difícil de visualizar funcionando", comenta.

"Estou muito menos esperançosa sobre o fato de os EUA continuarem cumprindo suas obrigações com o acordo. Ou seja, tenho dúvidas de que os EUA vão continuar no acordo", afirma, por sua vez, Rosenberg.

Quem fala pela Europa?

Parlamentares europeus que pediram para não serem identificados expressaram à DW a esperança de que os negociadores sejam capazes de encontrar pontos em comum. Mas continuam céticos sobre se isso, em última instância, será suficiente para Trump.

"Estou esperançoso, mas não confiante", disse um diplomata europeu. "Ninguém sabe o que Trump acabará fazendo".

Um diplomata de outro país europeu ouvido pela DW afirmou que espera que um documento conjunto possa ser negociado, mas que, no momento atual, até mesmo funcionários do governo americano não podem dizer com certeza se o presidente vai aceitá-lo.

Trump exigiu que sejam corrigidos três "defeitos" para que ele prolongue o alívio de sanções ao Irã – o programa de armas balísticas de Teerã, o aumento do acesso da AIEA a instalações iranianas e as chamadas "cláusulas de temporização", que determinam, essencialmente, por quanto tempo vale o acordo. Especialistas dos EUA e da Europa afirmam que este último ponto é o mais difícil para se achar um meio termo.

Enquanto o governo Trump quer ampliar efetivamente os limites para o programa nuclear de Teerã – que, segundo o acordo, deverão expirar completamente em 2031 – os europeus relutam em fazê-lo, dizendo que isso representaria, na verdade, uma renegociação do pacto.

Para o analista de sanções ao Irã Richard Nephew, da perspectiva dos Estados Unidos, o que complica as negociações é: até que ponto Alemanha, França e Reino Unido realmente podem falar por todos os outros países europeus, já que alguns defendem uma abordagem mais branda em relação a Teerã?

"A Alemanha não pode forçar retaliação de sanções à Itália. E o Reino Unido, com tudo o que está acontecendo com o Brexit, certamente não pode exigir nenhuma resposta da UE", explica Nephew.

Mas a raiz do problema talvez esteja simplesmente na oposição fundamental e de longa data de Trump ao acordo nuclear com o Irã – uma visão que possivelmente só será ampliada com o novo assessor de Segurança Nacional da Casa ;branca, John Bolton. Num artigo publicado há três anos, Bolton defendeu, por exemplo: "Para impedir a bomba iraniana, bombardeiem o Irã".

"Há tanta ênfase no histórico de Trump – tanto quanto candidato, quanto como presidente – direcionada, mesmo de forma ideológica, contra esse acordo, que parece difícil acreditar que vai haver alguma solução diplomática mágica que permitirá que ele desdenhe do pacto ao mesmo tempo em que ele o deixe em paz", avalia Elizabeth Rosenberg.

Dada a animosidade profundamente enraizada de Trump contra o acordo nuclear iraniano – a conquista marcante da política internacional de seu antecessor – o que, de maneira realista, Merkel e Macron podem fazer para tentar convencer o presidente americano a não deixar o pacto?

A influência dos dois líderes é limitada, argumentam os especialistas americanos. Eles sugerem que os europeus tentem estabelecer uma relação pessoal cordial com Trump, e que eles sejam transacionais – ou seja, tenham uma oferta pronta que possa incentivá-lo a apoiar a permanência dos EUA no acordo.

Porém, segundo Laura Holgate, Merkel e Macron deveriam tentar explicar o motivo pelo qual não acabar com o pacto internacional é do interesse de Washington.

"O único argumento em que eu consigo pensar é realmente demonstrar como seria o dia após a quebra de um acordo", exemplifica a ex-embaixadora dos Estados Unidos junto à AIEA. "Como pode ser do interesse dos EUA ver a nossa aliança europeia em frangalhos, ter um Irã sem restrições e talvez ainda mais motivado do que nunca, em 15 anos, a sentir que eles realmente precisam de uma bomba nuclear para se defenderem contra alguma ação futura dos EUA? Simplesmente não consigo conceber como um mundo sem o acordo seria mais interessante para os EUA", diz

Michael Knigge | Deutsche Welle

Leia também: Entenda o acordo nuclear com o Irã, em Deutsche Welle

Sem comentários:

Mais lidas da semana