Zillah Branco* | opinião
Em 29/03/18, no jornal O Expresso
(de centro direita em Portugal) um militar na reserva, major-general Carlos Branco, escreveu:
"Encontramo-nos numa estrada perigosa. Assistimos a algo que se assemelha
ao início de uma guerra. As guerras, leia-se os confrontos militares
generalizados, são sempre precedidos por uma escalada que passa pela subida de
tom na retórica, a demonização do oponente, o reforço dos dispositivos
militares e a conquista da opinião pública para apoiar ações mais assertivas
contra o oponente. Depois é necessário criar um acontecimento, um pretexto que
não tem necessariamente de ser causado pelo oponente e que é normalmente
provocado por quem pensa que vai beneficiar com o resultado da guerra. Sabe-se
hoje quem montou a armadilha que levou à guerra do Vietnam, à guerra
espanhola-americana e muitas outras mais recentemente. Por isso, convinha que
prevalecesse o bom senso."
Fica no ar a pergunta: porquê um
instrumento midiático como o Expresso, cauteloso mas de direita, desvenda a
intenção fascista que está por trás das primárias provocações do Império
Britânico que foi o autor do Brexit revelador da fragilidade bagunçada da União
Europeia? A ridícula constatação, do Governo da Inglaterra, de que o espião
russo (que estava a serviço dos Estados Unidos e vivia em Londres), fora
envenenado pela Rússia com um gás utilizado em uma fábrica do Uzbequistão
desmontada em 1993 sob supervisão norte-americana, mereceu do articulista a
comparação jocosa com "alguém atropelado por um Mercêdes, que atribui a
responsabilidade do acidente à Alemanha".
Mas, isto coincide com a sugestão
(complementar no esquema preparatório da guerra), do "missionário da Opus
Dei na alta política" - Antonio Guterres -, alçado a secretário geral da
ONU, de que "urge recuperar os mecanismos criados anteriormente para
enfrentar a Guerra Fria". Com palavras ambíguas e covardes, coloca como
alvo de uma guerra justa contra o comunismo (a Guerra Fria) o confronto com a
Russia de Putin que hoje alia-se à poderosa China socialista, à nação (rica em
minérios) Síria, à petulante e socialista Coréia do Norte, e aos que no Oriente
Médio não aceitam o controle do imperialismo.
"Donos" da palavra
justiça, que está completamente destroçada nos chamados estados democráticos em
todo o planeta, voltam a apelar para o conceito ainda santificado em fase
medieval, de guerra justa em defesa dos direitos humanos, como se alguma vez
estiveram preocupados com os humanos e seus direitos. E o articulista do
Expresso acrescenta: "Começa a ser claro que o campeonato mundial de
futebol será um palco desta luta. Mas enquanto for só isso… a histeria
russofóbica faz parte da operação de moldagem das opiniões públicas,
preparando-as para o confronto. Com o clima criado poderá nem ser necessário
conceber um pretexto. Bastará um imprevisto, um erro de cálculo para nos levar
para uma situação sem retorno, fazendo com que a crise político-militar se
transforme numa confrontação militar direta. Essa possibilidade afigura-se-nos
muito elevada. A nova postura nuclear dos Estados Unidos e a crença de que se
consegue manter uma guerra ao nível nuclear tático, sem evoluir para o patamar
estratégico e para a destruição total são mais alguns ingredientes que nos
devem fazer refletir. A presente crise – real ou fictícia – enquadra-se
perfeitamente no modelo. O que está mesmo a fazer falta é testar os efeitos das
novas armas hipersónicas."
Os chefes de Estado que
representam o modelo mais imbecilizado dos dirigentes (para poderem estar
"de quatro" no alto cargo sob comando à distância, sem chamar à
atenção geral para a submissão vergonhosa) participam como atores réles do
teatro que antecedeu às duas Grandes Guerras. Divulgam mentiras ridículas nas
suas mídias ou por própria voz, reacendem a moda do anticomunismo primário e
atribuem à Rússia um eterno papel de revolucionária e de URSS. Só estão à
espera de um atentado que mate uma personalidade incauta para soltarem a NATO à
caça dos imaginários inimigos da justiça terrena.
Mas, em outros países, onde os
trabalhadores estão capazmente organizados e a esquerda tem voz, esta triste
figura imbecilizada não sobrevive no alto cargo e quem lá chega tem de ser bom
equilibrista para aguentar a pressão contradictória dos impérios e a das suas
populações. Nesta árdua tarefa estamos em Portugal, por exemplo, para que fique
neutro na Europa agressora desde que o Império Britânico declarou o Brexit e se
aliou ao outro império seu filho. Já vimos este filme, mas antes era o fascismo
declarado sob a liderança de Hitler e Mussoline.
Porque não mudam o roteiro? Afinal
o mundo evoluiu muito, a África tem nações independentes e já contrói um
caminho de união não só africana mas com outros continentes que foram
igualmente colonizados; na América Latina Fidel Castro, Hugo Chaves e Lula
abriram o caminho para superar a dependência neo-colonial; os povos já
descobriram que a democracia sempre precisa de um Estado Social sem
discriminação e que a pobreza não é uma fatalidade; todos sabem que a mídia é
um instrumento de poder do imperialismo;
a juventude começa a demonstrar que está farta de desordens e
preconceitos divisionistas; a humanidade liberta-se do doutrinamento medieval e
escolhe a sua filosofia humanista sem peias clericais; as crianças aprendem nas
creches que têm idéias próprias e podem exigir atenção sem chorinhos ineficazes;
os programas televisivos preparados para retardamento mental massivo já são
rejeitados pelos adolescentes; a petulância dos prepotentes já só provoca
risos; o hábito de corromper só tem exito quando as notas são de milhões e a
máquina de fazer dinheiro pode ser montada em qualquer lugar; os espiões estão
sendo assassinados pelos colegas ou chefes; os textos que ensinam o que é a
dialéctica e como as revoluções levaram o sistema capitalista à crise de poder
através da história estão na internet para quem quiser estudar, enfim, a
humanidade está apta a sair do bolso da desmoralizada elite poderosa.
Inventem outros pretextos para a
briga entre os que controlam a guerra atômica final. Reunam-se em Davos ou
Bildberg e troquem figurinhas como quiserem, contanto que cheguem ao acordo
elementar de destruirem as armas fatais que ostentam. Os povos batem palmas e
promovem vocês a salvadores do planeta com direito a um museu especial na
falecida ONU. Deixem a humanidade viver e criar soluções saudáveis no seu
percurso com liberdade.
*Zillah Branco - Cientista
Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile,
Portugal e Cabo Verde.
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