Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
A Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou um estudo sobre questões relativas
à mobilidade social, que mereceu múltiplos comentários na comunicação social. O
seu conteúdo concreto e o teor de opiniões expressas desafiaram-me a expor,
neste limitado espaço, pequenas considerações sobre a matéria.
As barreiras entre classes
sociais não são facilmente amovíveis. Grandes conquistas sociais e políticas
ocorridas no último século e os resultados de fortes impulsos de transformação
social em tempos concretos - como o que ocorreu em Portugal na sequência do 25
de Abril - propiciaram extraordinários avanços de mobilidade ascendente. Há,
contudo, um acrescento a fazer: a reprodução social é bem mais forte do que a
mobilidade. E há que não confundir melhorias nas condições objetivas de vida,
de que milhões e milhões de seres humanos beneficiaram, com mobilidade social.
O elevador social que agora nos
dizem estar muito avariado em Portugal tem um nome: democracia e Estado social.
Foi a densidade dada à democracia e a implementação do Estado social que nos
distanciaram de um passado próximo onde as barreiras de classe eram muito mais
elevadas do que as atuais e estavam institucionalizadas, naturalizadas. "Haverá
sempre ricos e pobres" - pregava-se em muitas igrejas e quase todos, mesmo
os pobres, acenavam com a cabeça concordando, porque não dispunham de
instrumentos necessários para conceber mudanças na sua condição.
A ideia de igualdade é para os
portugueses nova. Ganhou forma com a democracia e com as instituições por ela
criadas: i) a liberdade sindical, o direito à negociação coletiva, à greve e a
uma legislação do trabalho moderna deram dignidade aos trabalhadores,
valorizaram os seus salários, atualizaram a estrutura da economia; ii) o poder
local democrático criou infraestruturas básicas imprescindíveis; iii) a escola
pública de qualidade surgiu gratuita e para todos; iv) o Serviço Nacional de
Saúde veio com acesso universal; v) os transportes e outros serviços garantiram
direitos fundamentais aos portugueses em cidades, vilas e aldeias; vi) e
também, em dimensão insuficiente, algumas políticas de habitação foram
positivas.
Tudo isto são peças do elevador
social. Quando uma se avaria, o elevador engasga-se. O que caracteriza o
funcionamento do elevador é o facto de todas as suas peças existirem para
aproximar, para incluir e não para dividir ou segregar.
O objetivo do pleno emprego, a
valorização de profissões e carreiras profissionais, os direitos no trabalho, o
acesso universal a proteção no desemprego ou na doença e o direito de todos a
pensões de reforma ou a prestações sociais aproximaram, porque impediram que os
rendimentos do trabalho e do capital evoluíssem em rota de divergência e porque
visaram sempre a harmonização no progresso. Nas últimas décadas assistimos à
imposição de argumentos e práticas que em nome da crise, da globalização, da
competitividade, ou de qualquer comportamento pontual desviante colocam quem
usufrui de algo mais do que mínimos como privilegiado e promovem a harmonização
no retrocesso.
O SNS empurrou o elevador ao ter
como objetivo e prática servir todos os portugueses sem distinção. Mas agora
está a definhar porque interesses privados o parasitam e querem acantoná-lo à
condição de serviço apenas para pobres.
A escola pública puxou o elevador
universalizando-se e qualificando-se e porque nela se encontraram crianças e
jovens de (quase) todas as classes sociais. Entretanto, a escola não ajudará à
mobilidade se não for capacitada para o ensino pré-escolar, se continuarmos a
ter apenas um terço dos jovens a ingressar na Universidade quando o futuro
exige bases amplas de conhecimento, ou se desprestigiarmos os professores.
As políticas de habitação
integraram quando impediram a expulsão das pessoas dos seus bairros a não ser
para lhes dar dignidade e quando evitaram a construção de bairros segregados.
Hoje, os custos da habitação atrofiam a vida de imensos portugueses, em
particular dos jovens.
A liberalização da economia sem
limites e o capitalismo financeiro produzem ricos mas não riqueza partilhada,
tornam o piso mais pegajoso em baixo e em cima.
* Investigador e professor universitário
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