Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
É longa a lista de contextos
históricos em que, por razões objetivas e subjetivas, os povos foram conduzidos
a terem de encarar a questão da sustentabilidade das contas públicas como algo
imperativo, que tudo submete. Não poucas vezes tal "restrição" serviu
para a imposição de agendas políticas não sufragadas, daí resultando injustiças
e violências sobre os povos. A financeirização da economia aprofundou o
argumentário que justifica a preocupação com tal sustentabilidade e vem
subjugando a vida das pessoas ao "controlo do défice". Contudo é
evidente que os cenários apresentados para nos condicionarem têm por detrás,
amiúde, movimentos financeiros especulativos, manipulações de diverso tipo e
múltiplos atentados à democracia.
O ministro das Finanças não mostrou
até hoje apetência para ditador, não parece ser um homem deslumbrado com
ambientes de salões e tem dado sinais de não pactuar com casos de compadrio e
corrupção. Então, por que razão Mário Centeno contribui, através das suas
análises e pronunciamentos públicos, para condicionar a margem de manobra das
políticas em várias áreas, nomeadamente, nas que são estruturantes do
desenvolvimento da sociedade, como por exemplo: a saúde, a educação, aspetos
centrais da legislação do trabalho, as infraestruturas? Por que razão se
preocupa tanto em credenciar a lógica da política orçamental da União Europeia,
quando muitos - talvez incluindo ele próprio - sabem perfeitamente que essa
lógica está errada? É possível que considere essa sua posição fator importante
para a melhoria da notação da dívida pública pelas agências de rating, mas pode
estar a subestimar os impactos negativos no crescimento económico vindos de uma
consolidação orçamental exagerada que, paradoxalmente, essas mesmas agências
poderão invocar para não melhorarem a notação da dívida. E, entretanto, vai
introduzindo limitações às políticas que sustentam o desenvolvimento da
sociedade portuguesa e comprometendo os objetivos de governação à Esquerda.
Senhor ministro, falar como a
Direita - atitude que por vezes parece ser a sua - pode, como sabe, levar-nos,
consciente ou inconscientemente, a pensar como a Direita. Uma coisa é certa,
tal opção não conduzirá a qualquer alternativa sustentada à Esquerda. Precisamos
que o Senhor ministro seja criativo e não um mero executor de regras e
regulamentos. Criativo e rigoroso na gestão dos nossos recursos e das contas
públicas; criativo na construção de medidas que controlem e moralizem o setor
financeiro, desarmem os negócios de favor das PPP, os sistemas de rendas
excessivas e outras patifarias organizadas onde "o mesmo euro" ficou
comprometido várias vezes; criativo e discreto na identificação de sugestões
para a governação resolver os problemas do povo português; criativo nas
propostas que, em nome de Portugal, é preciso apresentar no Eurogrupo, na
Comissão e noutras instâncias.
Precisamos que o ministro das
Finanças faça análises e combate político com objetivos imediatos e com
dimensão estratégica. É uma evidência que vários dos grandes desafios que se
colocam em áreas estratégicas que já mencionei, na economia em geral, na
estrutura e capacitação da Administração Pública decorrem de erros acumulados
durante longos períodos e de novas exigências do desenvolvimento que queremos.
E, acima de tudo, eles espelham o lastro negativo deixado pelas políticas
austeritárias que o Governo PSD/CDS e a troika nos impuseram.
O caminho a seguir não pode ser o
do amedrontamento e cedência à Direita. Foi encetado um rumo que deve ser
prosseguido sem hesitações. Necessitamos de um sistema público de saúde de
qualidade disponível para todos, de melhorar a nossa escola para colocar mais
jovens no Ensino Superior e formar os muitos adultos que têm qualificações
insuficientes, de melhorar o acesso e eficácia da justiça. Isso far-se-á
capacitando os profissionais destas áreas, contratando mais e assegurando-lhes
carreiras e remunerações decentes. Precisamos de mais e melhor emprego o que
implica continuar a melhorar o salário mínimo nacional, a assegurar diálogo e
negociação, desde as empresas ao nível nacional, e a revitalizar a negociação
coletiva.
* Investigador e professor
universitário
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