quinta-feira, 23 de agosto de 2018

A pedofilia e o povo de Deus


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

As palavras são duras, sofridas e inéditas na forma. E, ainda assim, sobra da reação do Papa Francisco ao escândalo na Pensilvânia (mais um, de contornos indescritivelmente hediondos) a sensação de que, espremidas, as palavras sabem a pouco. Com sucessivos casos a virem a público há anos e anos, Jorge Bergoglio chegou ao Vaticano tendo a pedofilia como um dos principais desafios. Até agora, falhou em medidas eficazes para travar e punir os crimes.

Há, na carta "Ao povo de Deus", um uso sistemático do plural que custa a aceitar. O líder da Igreja católica segue uma argumentação que defende o envolvimento e responsabilização de toda a comunidade, na solidariedade com as vítimas e na denúncia de qualquer abuso. Assumindo que a única forma de responder a "este mal" é encará-lo como tarefa que compete "a todos como Povo de Deus".

Em vários desafios sociais, Francisco soube entender as pessoas e aproximar-se delas. Acolher e incluir para a mudança. A questão é que nesta matéria o crime e a culpa estão nas cúpulas da Igreja. No corpo eclesiástico. E é na comunidade, precisamente, que estão as vítimas. Não há qualquer dúvida quanto às posições, nem qualquer nuvem que seja preciso esclarecer pedagogicamente junto dos fiéis.

O Papa Francisco não precisa de apelar aos crentes, nem de os responsabilizar, nem de os convidar a ser parte ativa na solução. Não neste caso. É certo que talvez os podres do catolicismo tivessem ruído mais cedo se, como também se escreve na carta, todos os batizados tivessem recusado há muito o clericalismo e o abuso de poder. Se a pessoa humana, sempre ela, tivesse sido o centro das preocupações de Roma. Mas essa é uma revolução para muitos anos. Acabar com a pedofilia, com a ostentação, com os abusos de poder, é uma tarefa imediata. Do Papa, dos bispos e de todo o clero.

* Subdiretora do JN

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