Jornalista comenta otimista
primeiros sinais de João Lourenço à frente do MPLA. Para Marques, renovação do
Bureau Político já marca "começo de uma nova era". Falta
despartidarizar o Estado e restaurar dignidade do povo.
Ao
assumir a presidência do MPLA, no passado sábado (08-09), o Presidente angolano,
João Lourenço, apontou as eleições autárquicas como o "principal
desafio" do partido no poder em Angola, voltou a hastear a bandeira
contra a corrupção, mas sublinhou a necessidade de o MPLA se transformar num
partido ainda mais "democrático, moderno e aberto".
Lourenço pediu ainda mais
aproximação aos "verdadeiros representantes da sociedade civil e fazedores
de opinião, independente das posições que defendem".
Esta segunda-feira (10.09), o
Bureau Político do MPLA aprovou os novos integrantes de seu secretariado,
indicados pelo novo presidente do partido, João Lourenço. Duas mulheres
integram o órgão.
Para secretária para a Política
de Quadros foi escolhida Luísa Damião, eleita no passado sábado (08-09)
vice-presidente do partido. Para a Política Social foi nomeada Iolanda dos
Santos. Manuel Pedro Chaves ficou como secretário para as Relações
Internacionais.
Em entrevista à DW África, o
jornalista e ativista angolano, Rafael Marques de Morais, que sempre foi um
crítico ferrenho do Governo no MPLA, mostra-se otimista com este primeiro
acontecimento dentro do partido no poder e com os sinais dados por Joäo
Lourenço à sociedade civil angolana.
DW África: O que mais se deve
esperar desta prevista ascenção do Presidente angolano à liderança do partido
no poder em Angola?
Rafael Marques de Morais
(RMM): O primeiro passo, fundamental, que o presidente do MPLA deu foi a
remoção da velha-guarda do partido, aqueles que estavam entranhados no tráfico
de influência – como Dino Matross, Paulo Kassoma, Roberto de Almeida, Higino
Carneiro e outras figuras veteranas do MPLA, como a Joana Lina - que foram todos
afastados do Bureau Político do MPLA.
A renovação do Bureau Político do
MPLA é, por si só, já o começo de uma nova era dentro do MPLA, porque não
haverá mais manipulação dentro do partido para secundar os atos do Governo. E
agora, os passos que se esperam dele, são a abertura do MPLA para a sociedade.
DW África: Este foi precisamente
um ponto que o próprio João Lourenço citou, quando sublinhou a necessidade do
MPLA se transformar num partido ainda mais "democrático, moderno e
aberto". Como concretizar isso?
RMM: O primeiro passo que
ele deve dar é garantir que o MPLA tenha uma democracia interna. Ele foi
praticamente consagrado presidente. Só houve um candidato nas eleições do MPLA,
ele próprio. Isto não é um sinal de democracia interna. Então, esperemos que,
nas próximas eleições, o MPLA possa ter eleições competitivas.
O segundo aspeto importante tem a
ver com o Governo do país. Da mesma forma que ele fez uma limpeza no Bureau
Político do MPLA, é preciso fazer uma limpeza na administração pública – onde
muitos indivíduos ocupam cargos, não porque tenham competência ou alguma mais
valia para os cargos que ocupam, mas simplesmente porque são membros do partido
MPLA.
É necessário e é fundamental para
que o Estado funcione que haja a sua despartidarização. Só então, poderemos
começar a respirar o Estado como sendo de todos os angolanos. De outro modo, o
MPLA continuará a asfixiar e a confundir-se com o Governo e com o Estado.
DW África: Como avalia a eleição
de Luísa Pedro Damião a vice-presidente do partido?
RMM: Foi uma total surpresa.
Ninguém esperava que Luísa
Damião fosse eleita vice-presidente do MPLA, porque não tem um historial
que lhe permitisse ascender a tal cargo. Mas também não deixa de ser uma
surpresa positiva, porque as pessoas estão fartas da placa giratória que tem
sido a direção do MPLA e o Governo do país – em que são sempre as mesmas pessoas
a rodarem pelos cargos.
DW África: O que espera da
atuação da Luísa Damião?
RMM: A Luísa será uma
vice-presidente à disposição do presidente do MPLA. Não tenhamos ilusões. Não
será uma vice-presidente com grandes poderes para reformar, mas pelo menos tem
juventude e tem capacidade – foi jornalista – para se abrir ao diálogo com
outras portas políticas e para, enquanto mulher, por exemplo, ser uma grande
promotora dos direitos da mulher no país – o que não tem acontecido até agora.
Se ela conseguir colocar na sua
agenda políticas de maior respeito pelos direitos da mulher e pelos direitos da
criança, então será uma boa vice-presidente do partido no poder. De outro modo,
será apenas a sombra do presidente João Lourenço e será uma mulher num cargo
com uma função mais decorativa.
DW África: Outra declaração feita
por João Lourenço foi: "Aproximemo-nos mais dos verdadeiros representantes
da sociedade civil, dos fazedores de opinião, independentemente das posições
que defendem, se nos são favoráveis ou não". Como interpreta esta
fala de João Lourenço?
RMM: É um sinal de
aproximação que é muito bem-vindo. Durante muitos anos, o MPLA sempre
considerou como inimigos todos aqueles que se opunham aos seus desmandos na
sociedade. Todos aqueles que criticassem a corrupção e que defendessem os
direitos humanos eram apodados de inimigos do povo, inimigos do Estado angolano
e antipatriotas.
João Lourenço veio fazer um
discurso refrescante, em que aqueles que lutam contra a corrupção e se batem
pelos direitos humanos começam a ser vistos como patriotas, como indivíduos que
também têm estado a dar um contributo nesta sociedade. E se ele continuar por
esta via, certamente terá o apoio de vários setores da sociedade para que o
país possa encontrar um rumo que seja consensual e benéfico.
Cabe ao João Lourenço o papel
histórico de restaurar a dignidade dos angolanos e, se ele fizer isso, já será
um bom Presidente que ficará bem na fotografia da história como o indivíduo que
teve a capacidade de restaurar a dignidade dos angolanos.
DW África: O filósofo
renascentista Nicolau Maquiavel, no seu livro "O Príncipe" –
para falar um pouco desta relação entre Governante e povo – diz que o príncipe
deve ser amado. Não podendo ser amado, deve ser respeitado. Para qual direção
está a caminhar João Lourenço?
RMM: Para já, é um líder que
está a ganhar, em muito pouco tempo, o respeito da sociedade – porque não está
a fundamentar a sua ação na violência. Outra ideia que também devemos reter é a
de que o poder absoluto corrompe absolutamente.
João Lourenço tem de fazer algo
básico: Tentar reduzir seus próprios poderes – por via das reformas
constitucionais e da reforma do Estado - de modo a que o Presidente tenha
apenas os poderes necessários para ser um bom líder, um bom guia.
É na restauração destes poderes
constitucionais e da separação dos poderes que João Lourenço poderá encontrar
os freios e contrapesos que poderão fazer dele um líder que seja realmente
próximo do povo que governa e amado por esse povo pelo fato de aceitar que, enquanto
ser humano, não pode e não deve ter todos aqueles poderes que José Eduardo dos
Santos criou para si próprio.
Cristiane Vieira Teixeira |
Deutsche Welle
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