terça-feira, 11 de setembro de 2018

Angola | Rafael Marques espera "abertura para a sociedade", com João Lourenço à frente do MPLA

Jornalista comenta otimista primeiros sinais de João Lourenço à frente do MPLA. Para Marques, renovação do Bureau Político já marca "começo de uma nova era". Falta despartidarizar o Estado e restaurar dignidade do povo.

Ao assumir a presidência do MPLA, no passado sábado (08-09), o Presidente angolano, João Lourenço, apontou as eleições autárquicas como o "principal desafio" do partido no poder em Angola, voltou a hastear a bandeira contra a corrupção, mas sublinhou a necessidade de o MPLA se transformar num partido ainda mais "democrático, moderno e aberto".

Lourenço pediu ainda mais aproximação aos "verdadeiros representantes da sociedade civil e fazedores de opinião, independente das posições que defendem".

Esta segunda-feira (10.09), o Bureau Político do MPLA aprovou os novos integrantes de seu secretariado, indicados pelo novo presidente do partido, João Lourenço. Duas mulheres integram o órgão.

Para secretária para a Política de Quadros foi escolhida Luísa Damião, eleita no passado sábado (08-09) vice-presidente do partido. Para a Política Social foi nomeada Iolanda dos Santos. Manuel Pedro Chaves ficou como secretário para as Relações Internacionais.

Em entrevista à DW África, o jornalista e ativista angolano, Rafael Marques de Morais, que sempre foi um crítico ferrenho do Governo no MPLA, mostra-se otimista com este primeiro acontecimento dentro do partido no poder e com os sinais dados por Joäo Lourenço à sociedade civil angolana.

DW África: O que mais se deve esperar desta prevista ascenção do Presidente angolano à liderança do partido no poder em Angola?

Rafael Marques de Morais (RMM): O primeiro passo, fundamental, que o presidente do MPLA deu foi a remoção da velha-guarda do partido, aqueles que estavam entranhados no tráfico de influência – como Dino Matross, Paulo Kassoma, Roberto de Almeida, Higino Carneiro e outras figuras veteranas do MPLA, como a Joana Lina - que foram todos afastados do Bureau Político do MPLA.

A renovação do Bureau Político do MPLA é, por si só, já o começo de uma nova era dentro do MPLA, porque não haverá mais manipulação dentro do partido para secundar os atos do Governo. E agora, os passos que se esperam dele, são a abertura do MPLA para a sociedade.

DW África: Este foi precisamente um ponto que o próprio João Lourenço citou, quando sublinhou a necessidade do MPLA se transformar num partido ainda mais "democrático, moderno e aberto". Como concretizar isso?

RMM: O primeiro passo que ele deve dar é garantir que o MPLA tenha uma democracia interna. Ele foi praticamente consagrado presidente. Só houve um candidato nas eleições do MPLA, ele próprio. Isto não é um sinal de democracia interna. Então, esperemos que, nas próximas eleições, o MPLA possa ter eleições competitivas.

O segundo aspeto importante tem a ver com o Governo do país. Da mesma forma que ele fez uma limpeza no Bureau Político do MPLA, é preciso fazer uma limpeza na administração pública – onde muitos indivíduos ocupam cargos, não porque tenham competência ou alguma mais valia para os cargos que ocupam, mas simplesmente porque são membros do partido MPLA.

É necessário e é fundamental para que o Estado funcione que haja a sua despartidarização. Só então, poderemos começar a respirar o Estado como sendo de todos os angolanos. De outro modo, o MPLA continuará a asfixiar e a confundir-se com o Governo e com o Estado.

DW África: Como avalia a eleição de Luísa Pedro Damião a vice-presidente do partido?

RMM: Foi uma total surpresa. Ninguém esperava que Luísa Damião fosse eleita vice-presidente do MPLA, porque não tem um historial que lhe permitisse ascender a tal cargo. Mas também não deixa de ser uma surpresa positiva, porque as pessoas estão fartas da placa giratória que tem sido a direção do MPLA e o Governo do país – em que são sempre as mesmas pessoas a rodarem pelos cargos.

DW África: O que espera da atuação da Luísa Damião?

RMM: A Luísa será uma vice-presidente à disposição do presidente do MPLA. Não tenhamos ilusões. Não será uma vice-presidente com grandes poderes para reformar, mas pelo menos tem juventude e tem capacidade – foi jornalista – para se abrir ao diálogo com outras portas políticas e para, enquanto mulher, por exemplo, ser uma grande promotora dos direitos da mulher no país – o que não tem acontecido até agora.

Se ela conseguir colocar na sua agenda políticas de maior respeito pelos direitos da mulher e pelos direitos da criança, então será uma boa vice-presidente do partido no poder. De outro modo, será apenas a sombra do presidente João Lourenço e será uma mulher num cargo com uma função mais decorativa.

DW África: Outra declaração feita por João Lourenço foi: "Aproximemo-nos mais dos verdadeiros representantes da sociedade civil, dos fazedores de opinião, independentemente das posições que defendem, se nos são favoráveis ou não". Como interpreta esta fala de João Lourenço?

RMM: É um sinal de aproximação que é muito bem-vindo. Durante muitos anos, o MPLA sempre considerou como inimigos todos aqueles que se opunham aos seus desmandos na sociedade. Todos aqueles que criticassem a corrupção e que defendessem os direitos humanos eram apodados de inimigos do povo, inimigos do Estado angolano e antipatriotas.

João Lourenço veio fazer um discurso refrescante, em que aqueles que lutam contra a corrupção e se batem pelos direitos humanos começam a ser vistos como patriotas, como indivíduos que também têm estado a dar um contributo nesta sociedade. E se ele continuar por esta via, certamente terá o apoio de vários setores da sociedade para que o país possa encontrar um rumo que seja consensual e benéfico.

Cabe ao João Lourenço o papel histórico de restaurar a dignidade dos angolanos e, se ele fizer isso, já será um bom Presidente que ficará bem na fotografia da história como o indivíduo que teve a capacidade de restaurar a dignidade dos angolanos.

DW África: O filósofo renascentista Nicolau Maquiavel, no seu livro "O Príncipe" – para falar um pouco desta relação entre Governante e povo – diz que o príncipe deve ser amado. Não podendo ser amado, deve ser respeitado. Para qual direção está a caminhar João Lourenço?

RMM: Para já, é um líder que está a ganhar, em muito pouco tempo, o respeito da sociedade – porque não está a fundamentar a sua ação na violência. Outra ideia que também devemos reter é a de que o poder absoluto corrompe absolutamente.

João Lourenço tem de fazer algo básico: Tentar reduzir seus próprios poderes – por via das reformas constitucionais e da reforma do Estado - de modo a que o Presidente tenha apenas os poderes necessários para ser um bom líder, um bom guia.

É na restauração destes poderes constitucionais e da separação dos poderes que João Lourenço poderá encontrar os freios e contrapesos que poderão fazer dele um líder que seja realmente próximo do povo que governa e amado por esse povo pelo fato de aceitar que, enquanto ser humano, não pode e não deve ter todos aqueles poderes que José Eduardo dos Santos criou para si próprio.

Cristiane Vieira Teixeira | Deutsche Welle

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