Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
O Governo e a maioria parlamentar
que o suporta precisam de um novo fôlego. Em grande medida a possibilidade de o
país elevar o seu patamar de desenvolvimento na próxima década está dependente
disso.
Será tarefa difícil para cada
força política envolvida, que necessariamente não quer perder identidade,
representação e proposta; e acarreta responsabilidades particulares para o
Partido Socialista (PS) e para o Governo. Os problemas que estão por resolver
devem ser abertamente reconhecidos e não empurrados com a barriga ou
disfarçados com remendos.
Neste último ano da legislatura
não poderá haver governantes, ou tecnocratas com posições relevantes, a
comportarem-se como baratas tontas e focados no fim dos seus mandatos.
Exige-se-lhes a demonstração de quanto foi útil para os portugueses e para o
país a atual solução política, impõe-se-lhes maior rigor e todo o empenho numa
ação que não secundarize o presente, mas prepare mudanças estratégicas.
Tal como os três orçamentos
anteriores, o Orçamento de 2019 é feito de pequenos passos melhorativos, num
espaço constrangido pelos chamados compromissos europeus do PS. Tal opção foi
importante e nela assentou grande parte da recuperação económica e da confiança
dos portugueses nestes últimos anos. No entanto, do debate público do Orçamento
resultam também outras perceções. Em primeiro lugar, que os pequenos passos
correm o risco de se traduzirem em movimentos desgarrados e não em componentes
articulados de uma estratégia. Em segundo lugar, que há fortes omissões
políticas, destacando-se no presente: i) na área do trabalho, a persistência do
desequilíbrio de poder e de distribuição de rendimento entre capital e trabalho
e o não aproveitamento de uma geração que se preparou bem e não tem tido
oportunidades de trabalho digno; ii) na área da habitação, as hesitações nas
alterações ao regime de arrendamento e à nova lei de bases; iii) na área da
saúde, os impasses suspeitos quanto à nova lei de bases; iv) no ensino e na
ciência, as indefinições e contradições que têm impedido o integral
aproveitamento do potencial da escola pública, da universidade e do sistema
científico.
No futuro próximo, o espaço para
os pequenos passos positivos no quadro dos "compromissos europeus"
pode reduzir-se consideravelmente. Não é preciso ser dotado de visão de grande
alcance para vislumbrar um abrandamento do crescimento económico à escala
mundial, a que se pode somar a retirada dos estímulos do Banco Central Europeu
e o surgimento de outros acontecimentos perturbadores. A governação que vem
sendo feita no quadro dos constrangimentos da União Europeia torna-se, assim,
no mínimo, mais difícil.
Põe-se então o problema de saber
como se pode construir e aplicar um projeto político com ambição estratégica,
que ambicione remover o lastro muito negativo herdado do chamado ajustamento, e
corrigir erros de um passado mais longínquo.
Cinco pontos relevantes (entre
outros) emergem como potenciais domínios de consenso. O primeiro, decorrente da
experiência negativa da desvalorização interna, é a necessidade de revalorizar
o trabalho, modernizar e qualificar a estrutura produtiva - apostar na
qualidade do emprego, no aumento dos salários, na redução da precariedade, no
incentivo ao investimento produtivo. O segundo, é o reforço e qualificação da
Administração Pública valorizando os seus trabalhadores. O terceiro, assenta na
recuperação da capacidade dos próprios serviços públicos, com destaque para o
Serviço Nacional de Saúde, hoje limitado pela insuficiência de meios humanos e
financeiramente muito débil, em parte pela subcontratação de serviços ao setor
privado. O quarto, visando o desenvolvimento do território, reconstruindo
capacidades produtivas e de criação de emprego, para que os territórios não se
esvaiam de pessoas e qualificações. O quinto, consubstancia-se na concretização
de programas de ensino e formação que aumentem o número de alunos do Ensino
Secundário a transitar para o Superior, e que tragam para a escola adultos
jovens que não fizeram formações suficientes.
Há onde ir buscar ideias e forças
para um programa capaz de virar, de forma gradual mas consistente, a página do
empobrecimento e do declínio.
* Investigador e professor
universitário
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