Em dois anos a China passará a
controlar a indústria agroalimentar, a alta tecnologia e as trocas
internacionais israelitas. Os acordos com Israel podem alterar completamente a
geopolítica regional.
António Abreu | AbrilAbril |
opinião
Segundo o conhecido analista das
questões do Médio Oriente, Thierry Meissan, a China passará a controlar nos
próximos dois anos o essencial da indústria agroalimentar israelita, da sua
alta tecnologia e das suas trocas internacionais, devendo seguir-se entre as
partes um acordo de comércio livre, em que único sector importante da economia
israelita fechado ao capital chinês é o do armamento.
E concluiu, a partir de elementos
bem fundamentados, que a geopolítica regional daria uma grande volta por causa
disso e do «Plano de Paz» norte-americano.
Quanto a nós essa conclusão é,
porém, precipitada.
No Outono de 2013, a China tornou
público o projecto de criação de vias de comunicação marítimas, e sobretudo
terrestres, através do mundo, para as quais desbloqueou somas colossais, tendo
logo começado a concretizá-las.
O vice-presidente da China, Wang
Qishan, em digressão pelo Próximo Oriente, há alguns dias, esteve quatro
dias em Israel1 onde
assinou acordos que confirmam essa sua grande presença na economia de Israel.
Este projecto visa exportar os seus produtos segundo o modelo da antiga «Rota
da Seda», que, do século II ao XV, ligava a China à Europa através do Vale de
Ferghana, do Irão e da Síria.
Tratava-se, nessa época, do
transporte de produtos de cidade em cidade, de modo que em cada paragem eram
trocados por outros, de acordo com as necessidades dos comerciantes locais.
Pelo contrário, hoje em dia, a China ambiciona vender directamente na Europa e
no resto do mundo.
Wang lembrou que Israel foi o
primeiro país do Oriente Médio a reconhecer a República Popular da China (numa
altura em que a União Soviética tinha sido o primeiro país a reconhecer o
estado de Israel).
As suas mercadorias, porém, já
não são as sedas e especiarias exóticas mas sim produtos acabados, idênticos
aos dos europeus e, muitas vezes, de qualidade superior. A rota comercial
transformou-se agora numa verdadeira autoestrada. Se Marco Polo ficou deslumbrado
pelas sedas do Extremo Oriente, sem equivalente em Itália, Ângela Merkel está
em pânico com a ideia de ver a sua indústria automóvel esmagada pelos
concorrentes chineses. Os países desenvolvidos terão, pois, ao mesmo tempo, de
negociar com Pequim e preservar as suas indústrias do choque económico
decorrentes dessa concorrência.
Esta visita do Vice-presidente
chinês, a Israel, à Palestina, ao Egipto e aos Emirados Árabes Unidos visa
desenvolver a «Nova Rota da Seda», que está a apresentar algumas dificuldades.
A China, ao exportar maciçamente
a sua produção, irá assumir o lugar que o Reino Unido, primeiro sozinho e
depois com os Estados Unidos, ocuparam desde a revolução industrial, tendo
estabelecido esse domínio comercial sobre o resto do mundo.
No decurso da Segunda Guerra
Mundial, Churchill e Roosevelt assinaram a Carta do Atlântico, através da qual
os Estados Unidos entraram na guerra.
Querem fazer agora algo de
semelhante em relação à China?
O Pentágono produziu em 2013 um
projecto visando criar um estado entre o Iraque e a Síria para interromper a
rota da seda entre Bagdade e Damasco. O Estado Islâmico foi encarregue dessa
tarefa. Os chineses mudaram o traçado da Rota e acordaram com o Egipto um
investimento na duplicação do Canal de Suez e na criação de uma vasta zona
industrial perto do Cairo. O traçado pelo Egipto foi validado pela
Administração Obama. Washington autorizou a duplicação do Canal de Suez (já
operacional) e a criação de uma vasta zona industrial, que está em construção.
A Administração Trump terá
autorizado também o traçado por Israel.
Com fins idênticos de criar
dificuldades, o Pentágono montou uma «revolução colorida» na Ucrânia para
cortar a Rota europeia, e ainda distúrbios na Nicarágua para criar obstáculos à
construção de um novo canal ligando os oceanos Pacífico e Atlântico.
Apesar da importância, sem
precedentes, dos investimentos chineses na Nova Rota da Seda, até atendendo a
paralelos históricos, o projecto actual não está de antemão garantido, como o
próprio Meyssan reconhece. Que seria importante para um acréscimo de poderio
por parte da China e para a redução ou eliminação de tensões na região, depois
da Síria, com apoio da Rússia, ter vencido a guerra, que começou «colorida» em
2011 e terminou num ninho de terrorismo alimentado por várias potências.
Num passado recente, a China
investiu no Médio-Oriente com o objectivo de se abastecer de petróleo.
Construiu refinarias no Iraque, que foram destruídas pelo Estado Islâmico e
pelas forças ocidentais que fingiam combater os islamitas.
Os laços entre Israel e a China
datam do mandato do Primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, cujos pais
fugiram dos nazis para se instalarem em Xangai. O antecessor de Benjamin Netanyahu tentou
estabelecer relações fortes com Pequim, mas esse projecto fracassou depois de
ter apoiado um dos grupos de piratas na Somália, encarregado por Washington de
perturbar o tráfego marítimo russo e chinês à saída do Mar Vermelho.
Desde 2016, a China está a
negociar com Israel um acordo de livre comércio. Neste contexto, o Shanghai
International Port Group comprou a concessão de exploração dos portos de Haifa
e Ashdod, o que fará com que, em 2021, a China controle 90% do comércio
israelita. A Bright Food adquiriu já 56% da cooperativa dos kibutzes Tnuva, e
poderia aumentar a sua participação, de tal modo que a China poderia controlar
o essencial do mercado agrícola israelita. O fundador da loja «em linha»
Alibaba, Jack Ma, que veio a Telavive incluído na delegação oficial chinesa,
não escondeu a sua intenção de comprar muitas start-up israelitas
para lhes incorporar a sua alta tecnologia.
O antigo director da Mossad,
Ephraim Halevy, próximo dos Estados Unidos, sublinhou que o Conselho de
Segurança Nacional jamais havia deliberado sobre estes investimentos. Eles
haviam sido decididos unicamente segundo uma lógica de oportunidade comercial.
Para Meyssan, coloca-se a questão de saber se Washington autorizou, ou não,
esta reaproximação entre Telavive e Pequim.
Parece pouco provável que Pequim
tenha concluído um acordo secreto com Washington para este novo traçado da Rota
da Seda. A história mostrou que a administração norte-americana tudo fez, e
continua a fazer, para atingir outras grandes potências concorrentes. Uma
aliança sino-americana seria, a curto e médio prazo, favorável a Pequim, mas
depois ela conduziria à eliminação subsequente da Rússia e da própria China.
Israel continua a matar
palestinianos e a bombardear a Síria. Isso vai ou não continuar?
Os acordos entre a China e Israel
podem alterar completamente a geopolítica regional. Até aqui, Pequim era um
parceiro comercial de Israel (excepto em matéria de armamento) e político do
Hamas (que dispõe de uma representação em Pequim). De modo idêntico, a China
fornecia mísseis ao Hezbollah libanês. No que estará a ser discutido entre
ambos, a partir de agora, o Hamas e o Hezbollah deixarão de poder atacar alvos
rodoviários, ferroviários e portuários israelitas sem entrar em conflito com a
China. Recordemos, por exemplo, que o Secretário-geral do Hezbollah, Sayyed
Hassan Nasrallah, havia explicado que, em caso de ataque israelita ao Líbano,
ele poderia bombardear o material nuclear armazenado em Haifa, valorizando com
isso o facto de, em função disso, «dispor» da sua própria «bomba atómica».
Está por esclarecer que
contrapartidas Israel cederia no sentido de acabar com a guerra contra os
palestinianos e com os controlos e os muros que dificultam muito uma vida
normal da Palestina. E se cessariam as pressões sobre o Líbano, e se Israel
obteria dos EUA o fim das sanções sobre o Irão.
Estas decisões podem contribuir
para alterar também a geopolítica mundial. O acordo sino-israelita supõe a
autorização de Washington.
A estratégia comercial chinesa pode
modificar profundamente o sentido da Parceria da Euroásia alargada, concluída
entre a China e a Rússia, e que serve hoje em dia de fundamento à aliança entre
estes dois países. É de supor que a Rússia esteja a acompanhar o processo,
encarando eventuais alterações geopolíticas.
De tudo isto se poderá concluir
também este novo curso parece revelar haver acordos entre os EUA e a China,
apesar da escalada mútua nas tarifas aduaneiras entre ambos.
Se este projeto chegar ao seu
termo, todos os países do Médio-Oriente se teriam que reposicionar podendo isso
arrastar idênticos movimentos noutros Estados do mundo.
Em 27 de Outubro passado, o
Ministro dos Negócios Estrangeiros do Omã, Yousuf bin Alawi, intervindo nos
encontros de Manama (Bahrein), apelou aos outros dirigentes árabes para
reconhecerem o Estado de Israel. O soberano hospedeiro do encontro, o Rei
Hamed bin Issa Al Khalifa, deu-lhe o seu apoio. No dia seguinte, o Sultão
Qaboos, do Omã, enviou uma delegação a Ramallah (Palestina) para levar uma
carta ao Presidente Abbas.
Noutras frentes de conflito no
Médio Oriente prosseguem outros movimentos.
Síria
A Cimeira quadripartida de
Istambul sobre a Síria serviu para clarificar as propostas políticas russas,
mas acabou por não decidir nada. Moscovo empenhou-se em argumentar com os seus
parceiros turcos, franceses e alemães, mas os aliados de Washington arrastam-se
a digerir a sua derrota e a tirar conclusões que não sejam a queda do
presidente sírio e uma nova constituição, com um desenho que não conhecemos.
Desde o acordo russo-americano de
Helsínquia, em Julho passado, parece que o Presidente Donald Trump tenta
retirar as suas tropas da Síria, enquanto o Pentágono insiste em mantê-las afim
de não deixar a Rússia decidir sozinha o futuro do país.
Iémen
Falando em 30 de Outubro de 2018
no Instituto de Paz dos EUA, o Secretário da Defesa, James Mattis, anunciou a
sua intenção de terminar a guerra no Iémen em 30 dias. Deu a entender, numa
longa entrevista na televisão saudita Al-Arabiya, que a sua missão é ajudar a
Arábia Saudita a sair do ninho de vespas onde se meteu. O Iémen, como o
Afeganistão, sempre resistiu aos invasores e nunca poderia ser ocupado. A
Arábia Saudita tem apoiado um ditador isolado no seu país e bombardeado os
rebeldes houtis e as populações que o rejeitam, massacrando-as e estando à
beira de provocar uma catástrofe humanitária, com várias componentes.
Arábia Saudita
Pequim tornou-se, igualmente, o
principal comprador do ouro negro da Arábia Saudita. E, assim, construiu neste
Reino o gigantesco complexo petrolífero de Yasref-Yanbu por 10 mil milhões de
dólares.
Tal como referi em artigo
anterior, para outras situações, são tendências, e não mais que isso, que podem
não se verificar pela natureza predadora, historicamente comprovada, de várias
das potências referidas, que ainda alimentam as desigualdades na população
mundial, o domínio de povos e a degradação dos seus meios ambientais, e que
internamente em cada uma exploram os trabalhadores. e lhes vão retirando
direitos que foram conquistas civilizacionais e desrespeitadoras das Cartas e
tratados das Nações Unidas.
1.A
comunicação social israelita destacou a visita, ver, por exemplo, o artigo do The Times of Israel. Já o The Epoch Times (EUA),
jornal conservador e anticomunista da comunidade sino-americana, preferiu dar
relevo às ameaças, para os EUA, da cooperação económica e militar sino-israelita.
Foto: Washington Examiner
(Etienne Oliveau/Pool Photo via AP)
Sem comentários:
Enviar um comentário