quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A China, Israel e o Médio Oriente


Em dois anos a China passará a controlar a indústria agroalimentar, a alta tecnologia e as trocas internacionais israelitas. Os acordos com Israel podem alterar completamente a geopolítica regional.

António Abreu | AbrilAbril | opinião

Segundo o conhecido analista das questões do Médio Oriente, Thierry Meissan, a China passará a controlar nos próximos dois anos o essencial da indústria agroalimentar israelita, da sua alta tecnologia e das suas trocas internacionais, devendo seguir-se entre as partes um acordo de comércio livre, em que único sector importante da economia israelita fechado ao capital chinês é o do armamento.

E concluiu, a partir de elementos bem fundamentados, que a geopolítica regional daria uma grande volta por causa disso e do «Plano de Paz» norte-americano.

Quanto a nós essa conclusão é, porém, precipitada.

No Outono de 2013, a China tornou público o projecto de criação de vias de comunicação marítimas, e sobretudo terrestres, através do mundo, para as quais desbloqueou somas colossais, tendo logo começado a concretizá-las.

O vice-presidente da China, Wang Qishan, em digressão pelo Próximo Oriente, há alguns dias, esteve quatro dias em Israel1 onde assinou acordos que confirmam essa sua grande presença na economia de Israel. Este projecto visa exportar os seus produtos segundo o modelo da antiga «Rota da Seda», que, do século II ao XV, ligava a China à Europa através do Vale de Ferghana, do Irão e da Síria.

Tratava-se, nessa época, do transporte de produtos de cidade em cidade, de modo que em cada paragem eram trocados por outros, de acordo com as necessidades dos comerciantes locais. Pelo contrário, hoje em dia, a China ambiciona vender directamente na Europa e no resto do mundo.

Wang lembrou que Israel foi o primeiro país do Oriente Médio a reconhecer a República Popular da China (numa altura em que a União Soviética tinha sido o primeiro país a reconhecer o estado de Israel).

As suas mercadorias, porém, já não são as sedas e especiarias exóticas mas sim produtos acabados, idênticos aos dos europeus e, muitas vezes, de qualidade superior. A rota comercial transformou-se agora numa verdadeira autoestrada. Se Marco Polo ficou deslumbrado pelas sedas do Extremo Oriente, sem equivalente em Itália, Ângela Merkel está em pânico com a ideia de ver a sua indústria automóvel esmagada pelos concorrentes chineses. Os países desenvolvidos terão, pois, ao mesmo tempo, de negociar com Pequim e preservar as suas indústrias do choque económico decorrentes dessa concorrência.

Esta visita do Vice-presidente chinês, a Israel, à Palestina, ao Egipto e aos Emirados Árabes Unidos visa desenvolver a «Nova Rota da Seda», que está a apresentar algumas dificuldades.

A China, ao exportar maciçamente a sua produção, irá assumir o lugar que o Reino Unido, primeiro sozinho e depois com os Estados Unidos, ocuparam desde a revolução industrial, tendo estabelecido esse domínio comercial sobre o resto do mundo.

No decurso da Segunda Guerra Mundial, Churchill e Roosevelt assinaram a Carta do Atlântico, através da qual os Estados Unidos entraram na guerra.

Querem fazer agora algo de semelhante em relação à China?

O Pentágono produziu em 2013 um projecto visando criar um estado entre o Iraque e a Síria para interromper a rota da seda entre Bagdade e Damasco. O Estado Islâmico foi encarregue dessa tarefa. Os chineses mudaram o traçado da Rota e acordaram com o Egipto um investimento na duplicação do Canal de Suez e na criação de uma vasta zona industrial perto do Cairo. O traçado pelo Egipto foi validado pela Administração Obama. Washington autorizou a duplicação do Canal de Suez (já operacional) e a criação de uma vasta zona industrial, que está em construção.

A Administração Trump terá autorizado também o traçado por Israel.

Com fins idênticos de criar dificuldades, o Pentágono montou uma «revolução colorida» na Ucrânia para cortar a Rota europeia, e ainda distúrbios na Nicarágua para criar obstáculos à construção de um novo canal ligando os oceanos Pacífico e Atlântico.

Apesar da importância, sem precedentes, dos investimentos chineses na Nova Rota da Seda, até atendendo a paralelos históricos, o projecto actual não está de antemão garantido, como o próprio Meyssan reconhece. Que seria importante para um acréscimo de poderio por parte da China e para a redução ou eliminação de tensões na região, depois da Síria, com apoio da Rússia, ter vencido a guerra, que começou «colorida» em 2011 e terminou num ninho de terrorismo alimentado por várias potências.

Num passado recente, a China investiu no Médio-Oriente com o objectivo de se abastecer de petróleo. Construiu refinarias no Iraque, que foram destruídas pelo Estado Islâmico e pelas forças ocidentais que fingiam combater os islamitas.

Os laços entre Israel e a China datam do mandato do Primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, cujos pais fugiram dos nazis para se instalarem em Xangai. O antecessor de Benjamin Netanyahu tentou estabelecer relações fortes com Pequim, mas esse projecto fracassou depois de ter apoiado um dos grupos de piratas na Somália, encarregado por Washington de perturbar o tráfego marítimo russo e chinês à saída do Mar Vermelho.

Desde 2016, a China está a negociar com Israel um acordo de livre comércio. Neste contexto, o Shanghai International Port Group comprou a concessão de exploração dos portos de Haifa e Ashdod, o que fará com que, em 2021, a China controle 90% do comércio israelita. A Bright Food adquiriu já 56% da cooperativa dos kibutzes Tnuva, e poderia aumentar a sua participação, de tal modo que a China poderia controlar o essencial do mercado agrícola israelita. O fundador da loja «em linha» Alibaba, Jack Ma, que veio a Telavive incluído na delegação oficial chinesa, não escondeu a sua intenção de comprar muitas start-up israelitas para lhes incorporar a sua alta tecnologia.

O antigo director da Mossad, Ephraim Halevy, próximo dos Estados Unidos, sublinhou que o Conselho de Segurança Nacional jamais havia deliberado sobre estes investimentos. Eles haviam sido decididos unicamente segundo uma lógica de oportunidade comercial. Para Meyssan, coloca-se a questão de saber se Washington autorizou, ou não, esta reaproximação entre Telavive e Pequim.

Parece pouco provável que Pequim tenha concluído um acordo secreto com Washington para este novo traçado da Rota da Seda. A história mostrou que a administração norte-americana tudo fez, e continua a fazer, para atingir outras grandes potências concorrentes. Uma aliança sino-americana seria, a curto e médio prazo, favorável a Pequim, mas depois ela conduziria à eliminação subsequente da Rússia e da própria China.

Israel continua a matar palestinianos e a bombardear a Síria. Isso vai ou não continuar?

Os acordos entre a China e Israel podem alterar completamente a geopolítica regional. Até aqui, Pequim era um parceiro comercial de Israel (excepto em matéria de armamento) e político do Hamas (que dispõe de uma representação em Pequim). De modo idêntico, a China fornecia mísseis ao Hezbollah libanês. No que estará a ser discutido entre ambos, a partir de agora, o Hamas e o Hezbollah deixarão de poder atacar alvos rodoviários, ferroviários e portuários israelitas sem entrar em conflito com a China. Recordemos, por exemplo, que o Secretário-geral do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, havia explicado que, em caso de ataque israelita ao Líbano, ele poderia bombardear o material nuclear armazenado em Haifa, valorizando com isso o facto de, em função disso, «dispor» da sua própria «bomba atómica».

Está por esclarecer que contrapartidas Israel cederia no sentido de acabar com a guerra contra os palestinianos e com os controlos e os muros que dificultam muito uma vida normal da Palestina. E se cessariam as pressões sobre o Líbano, e se Israel obteria dos EUA o fim das sanções sobre o Irão.

Estas decisões podem contribuir para alterar também a geopolítica mundial. O acordo sino-israelita supõe a autorização de Washington.

A estratégia comercial chinesa pode modificar profundamente o sentido da Parceria da Euroásia alargada, concluída entre a China e a Rússia, e que serve hoje em dia de fundamento à aliança entre estes dois países. É de supor que a Rússia esteja a acompanhar o processo, encarando eventuais alterações geopolíticas.

De tudo isto se poderá concluir também este novo curso parece revelar haver acordos entre os EUA e a China, apesar da escalada mútua nas tarifas aduaneiras entre ambos.

Se este projeto chegar ao seu termo, todos os países do Médio-Oriente se teriam que reposicionar podendo isso arrastar idênticos movimentos noutros Estados do mundo.

Em 27 de Outubro passado, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Omã, Yousuf bin Alawi, intervindo nos encontros de Manama (Bahrein), apelou aos outros dirigentes árabes para reconhecerem o Estado de Israel. O soberano hospedeiro do encontro, o Rei Hamed bin Issa Al Khalifa, deu-lhe o seu apoio. No dia seguinte, o Sultão Qaboos, do Omã, enviou uma delegação a Ramallah (Palestina) para levar uma carta ao Presidente Abbas.

Noutras frentes de conflito no Médio Oriente prosseguem outros movimentos.

Síria

A Cimeira quadripartida de Istambul sobre a Síria serviu para clarificar as propostas políticas russas, mas acabou por não decidir nada. Moscovo empenhou-se em argumentar com os seus parceiros turcos, franceses e alemães, mas os aliados de Washington arrastam-se a digerir a sua derrota e a tirar conclusões que não sejam a queda do presidente sírio e uma nova constituição, com um desenho que não conhecemos.

Desde o acordo russo-americano de Helsínquia, em Julho passado, parece que o Presidente Donald Trump tenta retirar as suas tropas da Síria, enquanto o Pentágono insiste em mantê-las afim de não deixar a Rússia decidir sozinha o futuro do país.

Iémen

Falando em 30 de Outubro de 2018 no Instituto de Paz dos EUA, o Secretário da Defesa, James Mattis, anunciou a sua intenção de terminar a guerra no Iémen em 30 dias. Deu a entender, numa longa entrevista na televisão saudita Al-Arabiya, que a sua missão é ajudar a Arábia Saudita a sair do ninho de vespas onde se meteu. O Iémen, como o Afeganistão, sempre resistiu aos invasores e nunca poderia ser ocupado. A Arábia Saudita tem apoiado um ditador isolado no seu país e bombardeado os rebeldes houtis e as populações que o rejeitam, massacrando-as e estando à beira de provocar uma catástrofe humanitária, com várias componentes.

Arábia Saudita

Pequim tornou-se, igualmente, o principal comprador do ouro negro da Arábia Saudita. E, assim, construiu neste Reino o gigantesco complexo petrolífero de Yasref-Yanbu por 10 mil milhões de dólares.

Tal como referi em artigo anterior, para outras situações, são tendências, e não mais que isso, que podem não se verificar pela natureza predadora, historicamente comprovada, de várias das potências referidas, que ainda alimentam as desigualdades na população mundial, o domínio de povos e a degradação dos seus meios ambientais, e que internamente em cada uma exploram os trabalhadores. e lhes vão retirando direitos que foram conquistas civilizacionais e desrespeitadoras das Cartas e tratados das Nações Unidas.

1.A comunicação social israelita destacou a visita, ver, por exemplo, o artigo do The Times of Israel. Já o The Epoch Times (EUA), jornal conservador e anticomunista da comunidade sino-americana, preferiu dar relevo às ameaças, para os EUA, da cooperação económica e militar sino-israelita.

Foto: Washington Examiner (Etienne Oliveau/Pool Photo via AP)

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