Martinho Júnior, Luanda
1- O choque neoliberal
protagonizado por Savimbi entre 1992 e 2002, foi como tal e no princípio
factualmente difícil de perceber, até por que entre os meandros sócio-políticos
internos e internacionais, ele soube ir doseando a geometria variável dos enredos,
jogando tanto quanto o possível com a clandestinidade numa altura em que meio
mundo estava“desnorteado” com as profundas alterações, quando a hegemonia
unipolar foi imposta pelo exercício de domínio numa base de capitalismo
financeiro transnacional e tirando partido da Nova Revolução Tecnológica.
Mesmo assim os fundamentos
ideológicos das práticas subversivas de Savimbi duma forma geral foram mantidas
e isso facilitou a percepção imediata das suas intenções.
Cercar as cidades a partir do
campo e depois de tomar as cidades provinciais montar o assédio à capital,
confirma o que ele aprendeu da teoria de Mao em Nanquim em resultado do que a
cisão maoista provocou antes no campo socialista, aproximando-se dos Estados
Unidos conforme aconteceu no tempo da Administração de Gérald Ford em meados da
década de 70 do século XX…
2- Em meados de 1998 foi essa a
primeira apreciação feita, na altura em que num contentor de suporte ao então
Estado Maior Geral das FAA, pouca informação verificada e confirmada havia, mas
havia no ar o odor a enxofre da ameaça que pendia sobre Luanda, de onde aliás
saíam muitos dos suportes logísticos para Savimbi levar a cabo a “guerra
dos diamantes de sangue” que iria dividir desde logo os processos
económicos no país.
Com a aplicação dos conceitos de
Mao, agarrando-se à exploração desenfreada de diamantes e beneficiando da
fragilização do aparelho de estado angolano e de seus instrumentos de poder,
Savimbi interpretava e procurava garantir que o interior iria assaltar o
litoral (com poder sobre a riqueza dos diamantes, assaltar as áreas do
petróleo) e com isso que “os autóctones” desse interior atirassem ao
mar, ou ao inferno, “os crioulos” do litoral!...
Continuava sem dúvida bem
presente a cartilha subversiva de dividir para melhor reinar e justificações
para tal nunca faltaram, chegando a confundir ainda hoje muitos incautos: se há
mal, não poderá ser com um mal ainda maior que se pode alguma vez encontrar
soluções justas, muito menos no que à sociedade diz respeito!…
Também com essa geoestratégia não
era inovador: não só os clãs em torno de Mobutu garantiam rectaguarda e
experiência comportamental, logística e afã nos interesses comuns, como até um
filósofo togolês, (o Togo foi na altura uma das suas dilectas plataformas externas),
a partir dum centro de inteligência como a Sorbonne de Paris, lhe ajudava na
configuração da superestrutura ideológica e nas justificações sócio-políticas,
tudo isso à mercê dos enredos do cartel dos diamantes, embarcado numa
experiência que não quis, nem soube evitar, tal a força de Maurice Tempelsman
enquanto poderoso homem-de-mão do próprio cartel e da CIA em África e
particularmente na “praça-forte” de Kinshasa!
3- Os impactos neoliberais
utilizando o choque contra Angola, assimilaram com todo o sentido de
oportunidade o protagonismo de Savimbi, que teve tempo nessa esteira de, uma
vez que o “apartheid” perdia o domínio do Sudoeste Africano, Namíbia,
mudar de rectaguarda e de santuários de suporte para a sua acção, substituindo
a Jamba pelo cordão de iniciativas ao longo do Cuango, do Cassai e do Cuanza e
instalando a sua “capital provisória” no Andulo!
Toda a parte norte e leste da
província do Bié assistiu à disseminação das principais estruturas
administrativas e outras de sua organização, “coroando” os tentáculos
espalhados pelo país e sobretudo nos vales do Cuango, do Cassai e do Cuanza,
pelo que a resistência governamental na cidade do Cuito se tornou determinante
contra os seus propósitos.
Foi também no norte da província
do Bié onde instalou a sua Zona Estratégica (entre as povoações de Chimbamba e
Dando, em ambas as margens do Cuanza), onde até uma improvisada pista de
aterragem de terra batida construiu em Chimbamba; essa pista permitia a
aterragem de quadrimotores e vista do ar mais parecia um pelado de futebol; a
povoação estava encoberta pelo arvoredo e era muito pouco visível do ar.
Um hospital militar de campanha
ficava situado a sul das aldeias de Samicossa e Pomba, a sudeste da Lúbia; a
primeira fica a 9,41 km
e a segunda a 11,4 km
da Lúbia, pelo que se pressupõe que as estruturas estão dispersas por uma área
mínima de 4 km2.
Depois havia locais escolhidos
para centros de comunicações, paióis, bunkers, instalação de todo o tipo de
unidades militares em fase de se tornarem autênticas unidades regulares…
4- Mesmo assim com esse esforço
todo, pouco a pouco na UNITA muitos se foram distanciando de Savimbi, uma parte
deles colaborando mesmo no sentido de acabar com uma saga que dilacerava de
forma tão cruenta o tecido social angolano.
Alguns nomes de políticos e
generais são conhecidos, mas houve muitos mais que nesse distanciamento,
contribuíram para se acabar com a guerra, particularmente provenientes das
áreas rurais mais afectadas pela permanência do próprio Savimbi, em particular
depois de sua derrota no Andulo…quase todos eles eram de origem camponesa,
deserdados da sorte, da fortuna e sobrevivendo precariamente nas mais difíceis
condições de guerra…
A esta distância de 20 anos, a
minha sincera e justa homenagem a todos eles que pessoalmente desconheci, pois
na ordem de batalha ficou determinado que só o camarada “Revolução” detivesse
a capacidade de enlace com esses meios humanos, patriotas e anónimos heróis…
… Assim como com sua força
instalada em torno dos diamantes, alguns provenientes das áreas controladas
pelo governo ajudaram Savimbi no seu esforço de guerra em função duma logística
que era afectada por esses interesses!
A dicotomia social propiciada
pela “guerra dos diamantes de sangue” era por demais evidente e
contribuiria para influenciar mais tarde na fermentação dos circuitos de
corrupção em Angola, sob o ónus do estado angolano!
Na UNITA contudo, o prolongamento
de condições traumáticas, das provações de toda a ordem e dos desequilíbrios
sócio-políticos, fizeram aumentar deserções e a passagem de muitos para o campo
governamental foi um caudal em crescendo, atraídos também pelas necessidades de
paz que lhes eram estendidas, assim como as oportunidades que passaram a ter…
No contentor de suporte ao Estado
Maior-Geral, as tarefas foram divididas:
Em relação ao camarada José
Herculano Pires, foi atribuída a missão de missões de contrainteligência e
reconhecimento particularmente no Bié, mobilizando meios humanos entre os que
se afastavam de Savimbi nas regiões mais afectadas pela sua directa saga…
O manancial de informações
operativas, oportunas e pertinentes que o camarada “Revolução” compilava,
serviu de suporte ao heróico camarada General Simeone Mukuni, que a partir da
cidade do Cuito teve um papel decisivo em toda a região até á sua morte.
Optou-se por fazer passar antes
de mais essas informações pelo nosso malogrado camarada General e só depois
fazê-las chegar ao crivo da análise em Luanda!
Em relação ao camarada Alberto
José Barros Antunes Baptista, “Kipaka”, ele reforçou a pesquisa de
informação, melhorou a utilização das técnicas de informática e de pesquisa na
Internet e reatou muito oportunos contactos externos do foral da inteligência…
Em relação a mim foi decidido não
mais fazer operações, nem militares nem de contra inteligência, dentro de
território angolano e eu explico: a todo o custo se procurou evitar que
houvesse mais alguma interpretação tendenciosa ou qualquer tipo de
mal-entendido que me levasse à condição a que já antes me havia sujeitado com a
minha prisão leviana, injusta e inglória de Março de 1986, que aliás havia dolorosamente
afectado, sem remissão, toda a minha desamparada família próxima…
Desse modo fiquei incumbido de me
dedicar apenas à informação, análise, aos contactos oficiosos e, se fizesse
alguma missão, seria apenas no exterior…
Em todos os casos a cultura dum
comportamento cívico, ético e moral responsável e rigoroso foi muito importante
e mobilizador para esse pequeno núcleo duro: em nenhum caso, em nenhuma altura,
nos deixámos envolver por qualquer tipo de apelativo de ordem financeira,
material, ou outra, fixando-nos com toda a vontade nas missões que haveríamos
de cumprir!
Os meus honorários foram
garantidos por quem me dera trabalho civil, que também possibilitou a
disponibilidade do contentor e meios de reprodução, suportando custos de
consumíveis e outros relativos ao bom funcionamenro, pelo que do estado
angolano nada foi recebido nem durante, nem depois, salvo o que foi
exclusivamente empregue em algumas missões, dentro e fora do território
angolano!... “Custo 0” !...
Jamais nos deixámos envolver
pelos vírus que estavam a ser injectados a Angola, os vírus que abriram caminho
a tudo o que se seguiu de 2002
a 2017, nos quinze anos de terapia neoliberal em que se
assistiu ao vendaval da corrupção dilacerando a sociedade angolana e sabíamos
que, ao detectar as minas de diamantes ao serviço da sangrenta saga de Savimbi
muitos, quando a paz finalmente chegasse, iriam ser atraídos a esse “métier”!
Martinho Júnior - Luanda, 1 de Novembro de 2018.
Fotos:
1, 2 e 5 – A administração de
Ronald Reagan, mentora do neoliberalismo que socorre ainda hoje o capitalismo
financeiro transnacional, recebeu em 1986 Savimbi, entregou-lhe “stingers” e
inscreveu-o entre os “freedom fighters” de sua própria Doutrina, que
estavam disseminados pelo Afeganistão, Nicarágua e Angola; naturalmente que
nessa altura Bin Laden era um “freedom fighter”, tal como Savimbi; A
Doutrina Reagan foi a base de integração de Savimbi no choque neoliberal, ainda
que Mobutu começasse a ficar “fora do baralho” e por isso Ronald
Reagan foi idolatrado na Jamba;
3 – Maurice Tempelsman foi
um “homem de mão” incontornável quer para a CIA, quer para o “lobby” dos
minerais (Tempelsman é um tradicional financiador dos Democratas nos Estados
Unidos), quer para o cartel dos diamantes e por isso foi importante, para o
domínio do império, na transição do choque para a terapia neoliberal, desde
antes de toda a região ser sacudida pela “guerra dos diamantes de sangue”;
4 – A cidade mártir do Cuito foi
um bastião inexpugnável à custa duma destruição quase total;
A lembrar:
Encontro de Ronald Reagan com
Savimbi – https://www.youtube.com/watch?v=Tg7XfCqnZzw; https://www.youtube.com/watch?v=Xt2hVETc9Xs
UNITA - Uma nova estratégia de
desestabilização do País – I
FONTES : “COMUNICADO
DA COMISSÃO POLÍTICA” –
07 JUL 98 .
“JEUNE
AFRIQUE” – 10 JUL 98 .
“DIÁRIO
DE NOTÍCIAS” – 10 JUL 98 .
“JORNAL
DE NOTÍCIAS” – 10 JUL 98 .
“WASHINGTON
POST” – 10 JUL 98 .
“ELECTRONIC
MAIL & GUARDIAN” –
10 JUL
98 .
16 JUL 98 .
1) Tudo nos leva a crer que a
UNITA está a levar a cabo um programa de vários anos com vista a desestabilizar
a vida do País, tendo como objectivo final a conquista do poder pela força.
Este programa teve início com as
próprias Conversações que viabilizaram o Acordo de LUSAKA e, com a aplicação
desse Acordo, até ao desaparecimento físico de BLONDIN BEYE – 1 ª fase.
A sua sequência, 2ª fase, está
neste momento em curso.
2) Durante a 1ª fase, a UNITA
praticou uma política de aparente submissão aos Acordos de LUSAKA, muito embora
fosse jogando com o tempo de forma a retardar o cumprimento dos seus
compromissos; com isso, paciente e laboriosamente, foi refazendo o seu sistema
de auto financiamento, de compra de armamento, de recuperação das suas Unidades
Militares (“fintando” os próprios organismos de controlo das diversas
missões da ONU em ANGOLA), da montagem do aparelho clandestino em várias partes
do MUNDO e no interior (principalmente em direcção a LUANDA), nunca pondo de
lado as ideologias que se serviu enquanto Organização Armada e tirando partido
de apoios importantes, inclusive na EUROPA.
Paralelamente soube tirar partido
das mudanças que houve na conjuntura Internacional após a GUERRA FRIA, de forma
a adquirir uma nova geração de armamentos (de que existem algumas notícias)
principalmente aos Países do LESTE (com a UCRÂNIA em aparente evidência), que
soube introduzir no interior do País montando autênticas operações de longo
curso com aeronaves que foram chegando às várias pistas sob seu controlo no
NORTE, CENTRO e LESTE do País desde meados de 1997 até MAR 98, enquanto
treinava os seus homens no domínio das técnicas para sua utilização.
3) O facto de BLONDIN BEYE reagir
abertamente contra as suas pretensões, ao apontar-lhe o dedo sobre as
responsabilidades do descarrilamento eminente do Processo de Paz, implementando
novas sanções pela via do CONSELHO DE SEGURANÇA da ONU, determinou muito naturalmente
o começo da 2ª fase do Plano, que se iniciou com a operação da sua morte, com a
conivência do TOGO e de alguns apoios a partir de FRANÇA (jogando até com o
facto do Presidente Francês vir a ANGOLA praticamente na mesma data),
precipitando todos os acontecimentos que se lhe estão a seguir.
Efectivamente, muito embora não
haja ainda resultados técnicos conclusivos sobre a queda da aeronave onde
viajava BLONDIN BEYE, o que começou a desencadear-se logo a seguir são sintomas
evidentes que a sua morte foi o sinal do virar da página, duma fase para outra,
em que os métodos políticos passaram de novo para um segundo plano e se começou
a enfatizar os processos operativos clandestinos de acção, nas cidades e nas
áreas rurais, com o emprego de forças consideráveis, bem treinadas (em alguns
casos reforçadas por Zairenses e Ruandeses), assim como se fizeram reaparecer
em número calculado em cerca de 70.000 as suas forças, mantidas “em
letargia” durante os quatro últimos anos.
Paralelamente começaram a chegar-nos
informações melhor fundamentadas sobre o que antes transportavam as aeronaves
que se dirigiam clandestinamente para ANGOLA (algumas das quais tocaram no
Aeroporto do SAL, em CABO
VERDE ): de entre as técnicas adquiridas há notícias que a
UNITA comprou mísseis solo – solo no exterior, principalmente à UCRÂNIA e
RÚSSIA, entre eles “SCUD”, “SS 20” e “PERSHING II”.
Há também notícias que a UNITA
formou operadores desses mísseis no IRAQUE (cerca de 200 homens), assim como
pilotos de aeronaves (que ainda não estão identificadas), na TUNÍSIA, bem como
comandos e grupos de sabotagens em vários Países (incluindo MARROCOS e muito
provavelmente o TOGO), num número considerável, 1.500 dos quais se deslocaram
já para as periferias de LUANDA, onde se encontram disseminados.
Desta vez a UNITA aparentemente
prepara-se para desencadear acções num escalão sem precedentes, essencialmente
contra a cidade Capital, envolvendo meios próprios, mas que podem estar ligados
e / ou sincronizados com uma “quinta coluna interna” .
4) Apesar de serem importantes as
acções da UNITA no LESTE do País (de forma a garantir o manancial principal da
pesquisa de diamantes, bem como os canais clandestinos de ligação à RDC e
ZÂMBIA) e no CENTRO (onde aparentemente está a reforçar as medidas à volta do
BAILUNDO – ANDULO que não pretende entregar ao Governo no âmbito dos Acordos),
parece-nos que as acções no NORTE são contudo as que estão na direcção
principal, havendo a expectativa que outras acções importantes sejam dirigidas
contra a estrada SUMBE – CABO LÊDO, a SUL da Capital, (de forma a criar a
sensação de “asfixia” sobre LUANDA, pelo menos no quadro da actual
fase).
As acções sobre os DEMBOS
(triângulo BULA ATUMBA – QUIBAXE – PANGO ALÚQUEM) parecem-nos que foram
preparadas com maior cuidado e a prazos mais dilatados, se levarmos em conta
que:
Foi nessa área que o aparelho
(possível) de INFORMAÇÃO Governamental tem sofrido aparentemente alguns dos
maiores reveses de há quatro anos a esta parte.
Foi nessa área que se utilizou
uma política forte de redução de influência de gente não identificada com a
UNITA (uma operação com indícios de depuração étnica).
É nessa área que muito
recentemente se está a fazer a maior concentração de efectivos militares
surgidos da“letargia” daquela Organização Armada, estimados em vários
milhares.
Em conclusão, a UNITA criou
condições para, em posições que estão de 100 a 200 km em linha recta da Capital, ter a maior
preponderância informativa e táctico operativas na área e na direcção de LUANDA
(com ligação aos dispositivos que se encontram nela); há notícias que os
mísseis solo – solo, teriam sido desembarcados no NEGAGE e foram, ou estariam a
ser montados em “mesas”, nas montanhas dos DEMBOS, sendo essa uma das razões
da enorme concentração dos efectivos naqueles três Municípios, tirando partido
das condições naturais (difícil acesso, muita camuflagem e relevo adaptado às
manobras de defesa activa e clandestinidade, bem como as melhores condições
técnicas de lançamento dos mísseis).
5) O esforço do RECONHECIMENTO EM
PROFUNDIDADE e de INFILTRAÇÃO CLANDESTINA nessa área, parece-nos muito
importante, apesar das dificuldades, tendo em conta o enorme fluxo de população
que, estando a fugir à ocupação da UNITA, pode estar a servir de “camuflagem” a
muitos mais operadores clandestinos que estejam a ser lançados em LUANDA.
O maior aprofundamento de dados
sobre essa concentração, tendo em conta elementos que pertencendo à UNITA
estejam em processo de aparente afastamento, apesar dos riscos de desinformação,
ou contra informação, parece-nos de prioritária importância.
16-07-1998 22:00.
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