segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Angola | Orfandades


Anda o país mergulhado na perspectiva do que poderá vir a ser o ano que há dias começou, inquietado entre as dúvidas se os sacrifícios em 2019 serão maiores ou se haverá  alguma bonança para aliviar as dificuldades por que passa a maioria  dos cidadãos.
  
Jornal de Angola | editorial

Os discursos políticos são enigmáticos e nem sempre reveladores da dimensão de algumas medidas que o Governo está a tomar ou pensa vir a  tomar. As análises de várias agências e bancos internacionais vocacionados na avaliação das perspectivas de desempenho económico dos países  variam consoante o gosto. Há as mais positivas, que alimentam a esperança em dias melhores, e há, também, as pessimistas, que apontam para uma realidade de maior austeridade. 

É no meio dessas dúvidas que a maioria dos angolanos e das famílias inicia o ano, torcendo para que a economia possa dar um salto e abrir mais postos de trabalho, para que se possa produzir internamente pelo menos aquilo que necessitamos para a nossa dieta alimentar, deixando as divisas para as máquinas e equipamentos, para as peças e sobressalentes, para alguns insumos e  para o know how, invertendo a prática, errada, de quem compra é que fica rico ao invés de quem vende, que era o paradigma que se impôs e fez aumentar grandemente o fosso das desigualdades sociais entre os angolanos. 

Um figurino que foi imposto por uma minoria de privilegiados que não se conforma com as mudanças que se estão a operar no país e torcem, de todas as formas e maneiras, para que se agudizem as condições de vida da maioria e, com ela, cresça o movimento reivindicativo e se quebre a paz social para abrir caminho à desejada crise política que poderia, no seu entender, levar ao regresso dos “velhos bons tempos”!  

E para isso não hesitam nos meios e formas, incluindo até as mais espúrias alianças, para manter-se  sob os holofotes e na ribalta, quais aparecedores predestinados, onde procuram passar uma imagem e comportamentos imaculados, como se não houvesse memória colectiva do que se passou e de como conseguiram os títulos que tão gananciosamente ostentam. 

Desconhecedores do país real, das dificuldades por que passa o comum dos cidadãos no seu dia-a-dia que agora exaltam para erguer a bandeira da crise, avançam com teorias e profecias de uma Angola que só era boa quando lhes cobria os apetites insaciáveis e que julgavam tratar-se de uma propriedade privada.  

Afastada essa realidade, quando se procura tornar o país mais inclusivo, mais normal, onde cada um possa ter  oportunidades sem ter necessidade de ter apelido divino, procuram mascarar os factos, misturam alhos com bugalhos, comparam o incomparável para confundir os menos atentos, surgindo como que  quais salvadores da Pátria. 

O combate à corrupção é ilimitado temporalmente. Não se ganha com meia dúzia de prisões ou com a condenação de uns quantos comprovadamente culpados. O país esteve à saque, por décadas e criou-se uma cultura de apropriação indevida dos bens públicos, do descaminho das verbas atribuídas  aos mais diversos programas de satisfação das necessidades das populações. E como  os exemplos copiam-se de cima, a sociedade foi impregnada desse mal, procurando cada um à sua escala, impor a lei da gasosa consoante o seu grau de influência e de intervenção. 

Por isso não se adivinha  fácil essa cruzada contra a corrupção, que passa pela moralização da sociedade. E o primeiro passo nesse sentido é, efectivamente, o fim da impunidade e a não repetição de práticas erradas de um passado recente, com maior transparência nos actos administrativos e na gestão do erário. Dispensar o supérfluo e dirigir as atenções para o que é, efectivamente, prioritário, dividindo melhor os sacrifícios para que não sejam sempre os mesmos a pagar a factura do fracasso de políticas e programas que perseguiam uma mania das grandezas que se institucionalizou entre nós. 

Portanto, os tempos do passado deixaram muitos órfãos, muitos deles ainda na dúvida se as mudanças em curso são para valer ou  para “inglês ver”. Por isso colocam-se  em cima do muro, a ver para que lado irá seguir o processo, chegando mesmo a consentir, com o seu silêncio comprometedor, o beneficio da dúvida ante  insinuações torpes em que se pretende comparar resultados e práticas de meses com os de décadas.  

Décadas onde não são conhecidas acções e posicionamentos que questionavam o status quo, que afinal não era mais do que a materialização de um vasto plano de açambarcamento total do país, para manter uma trajectória dinástica, felizmente interrompida pela conjugação de uma série de factores que estão a possibilitar que haja hoje uma esperança renovada de que será possível inverter o quadro, desde que se faça, efectivamente, uma ruptura com o passado e se siga uma agenda que atenda directamente às preocupações  dos cidadãos.  

Sem fantasmas de crises políticas internas, seja entre os diversos contendores, seja intramuros no partido no poder, por uma mais que normal discordância quanto a interpretações de números protagonizada pela antiga e a nova liderança que não pode, nem deve,  ser confundida com o insucesso de uma transição política que foi, de facto, exemplar, com os seus altos e baixos potenciados pelos apetites bicéfalos.

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