quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Portugal | A Banca voltou aos lucros mas não vai pagar impostos


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

O tema é complexo e, talvez por isso, se tenha dado pouca atenção a uma lei que, em 2014, deu aos bancos portugueses o direito de vir a reclamar mais de 3000 milhões de euros ao Estado.

Tentemos simplificar. Os bancos sempre puderam deduzir perdas com imparidades de crédito ao lucro sujeito a IRC. Para evitar o empolamento de perdas com vista à redução do imposto, criaram-se limites ao seu registo fiscal. Assim, depois do registo contabilístico das perdas, duas coisas podiam acontecer: i) era registada uma perda fiscal, que podia ser deduzida ao IRC num prazo de cinco anos; ou ii) a perda fiscal ficava a aguardar as condições para ser registada, momento em que o prazo de cinco anos começava a contar.

Fruto destas regras, acontecia os bancos pagarem um imposto superior ao que teriam de pagar se a perda tivesse sido reconhecida naquele ano. Para compensar, os bancos ficavam com um "ativo por imposto diferido" (AID). Pensem neste ativo com o direito a pagar menos IRC nos próximos anos, no montante do IRC pago a mais hoje.

Enquanto estivesse no balanço, o AID contava como um ativo real, e entrava para o cálculo do capital dos bancos. Em 2013, um regulamento europeu entendeu que os AID nem sempre poderiam contar para o capital: se os bancos apresentassem prejuízo durante cinco anos, então não haveria imposto a deduzir, e o ativo deixaria de fazer sentido. Este entendimento colocava vários bancos portugueses em risco de não cumprir os rácios de capital.

Para resolver o problema, o Governo de PSD/CDS criou um regime de AID especial para a Banca. Todas as perdas com imparidades registadas nos balanços dos bancos foram transformadas em AID eternos, ou seja, passíveis de ser deduzidos ao IRC futuro sem qualquer limite temporal. Mais que isso, mesmo se o banco não tiver lucros, pode, mediante certas regras, reclamar este dinheiro ao Estado.

Ou seja, entre 2011 e 2014 os bancos registaram milhares de milhões de imparidades. Não pagaram IRC porque apresentaram prejuízo, mas guardaram o direito de deduzir essas perdas nos seus impostos futuros - para sempre. Em caso de não haver lucro, podem pedir esse dinheiro ao Estado.

No total, estes AID somam cerca de €3800 milhões. Só o BCP tem quase 2000 milhões, o que quer dizer que pode passar muitos e muitos anos sem pagar IRC. Em 2018 o Estado pagou ao Novo Banco 154 milhões por AID e, segundo o Tribunal de Contas, havia mais pedidos de seis bancos no valor de 632 milhões.

Este regime foi eliminado em 2016, mas os direitos sobre os 3800 milhões pertencem à Banca.

*Deputada do BE

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