Mariana Mortágua | Jornal de Notícias
| opinião
O tema é complexo e, talvez por
isso, se tenha dado pouca atenção a uma lei que, em 2014, deu aos bancos
portugueses o direito de vir a reclamar mais de 3000 milhões de euros ao Estado.
Tentemos simplificar. Os bancos
sempre puderam deduzir perdas com imparidades de crédito ao lucro sujeito a
IRC. Para evitar o empolamento de perdas com vista à redução do imposto,
criaram-se limites ao seu registo fiscal. Assim, depois do registo contabilístico
das perdas, duas coisas podiam acontecer: i) era registada uma perda fiscal,
que podia ser deduzida ao IRC num prazo de cinco anos; ou ii) a perda fiscal
ficava a aguardar as condições para ser registada, momento em que o prazo de
cinco anos começava a contar.
Fruto destas regras, acontecia os
bancos pagarem um imposto superior ao que teriam de pagar se a perda tivesse
sido reconhecida naquele ano. Para compensar, os bancos ficavam com um
"ativo por imposto diferido" (AID). Pensem neste ativo com o direito
a pagar menos IRC nos próximos anos, no montante do IRC pago a mais hoje.
Enquanto estivesse no balanço, o
AID contava como um ativo real, e entrava para o cálculo do capital dos bancos.
Em 2013, um regulamento europeu entendeu que os AID nem sempre poderiam contar
para o capital: se os bancos apresentassem prejuízo durante cinco anos, então
não haveria imposto a deduzir, e o ativo deixaria de fazer sentido. Este
entendimento colocava vários bancos portugueses em risco de não cumprir os
rácios de capital.
Para resolver o problema, o
Governo de PSD/CDS criou um regime de AID especial para a Banca. Todas as
perdas com imparidades registadas nos balanços dos bancos foram transformadas
em AID eternos, ou seja, passíveis de ser deduzidos ao IRC futuro sem qualquer
limite temporal. Mais que isso, mesmo se o banco não tiver lucros, pode,
mediante certas regras, reclamar este dinheiro ao Estado.
Ou seja, entre 2011 e 2014 os
bancos registaram milhares de milhões de imparidades. Não pagaram IRC porque
apresentaram prejuízo, mas guardaram o direito de deduzir essas perdas nos seus
impostos futuros - para sempre. Em caso de não haver lucro, podem pedir esse
dinheiro ao Estado.
No total, estes AID somam cerca
de €3800 milhões. Só o BCP tem quase 2000 milhões, o que quer dizer que pode
passar muitos e muitos anos sem pagar IRC. Em 2018 o Estado pagou ao Novo Banco
154 milhões por AID e, segundo o Tribunal de Contas, havia mais pedidos de seis
bancos no valor de 632 milhões.
Este regime foi eliminado em
2016, mas os direitos sobre os 3800 milhões pertencem à Banca.
*Deputada do BE
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