António Abreu* | opinião
As intenções enunciadas na
Conferência de Varsóvia da semana passada, mesmo com as reservas da UE,
constituem um pesado risco para a paz.
A mentira revelada
Nos dias 13 e 14, os EUA e
Israel, com o apoio do anfitrião polaco, montaram uma operação que visava
retirar os EUA do isolamento em que colocara a sua diplomacia no Médio Oriente
na sequência de se ter retirado, em maio de 2018, do acordo nuclear com o Irão.
Registe-se a ausência do areópago dos estados-membros da EU – à exceção da
Inglaterra – da Rússia, Turquia, Catar, Líbano, dos rebeldes houtis do Iémen e
da Autoridade Palestiniana, e da responsável da política externa da UE,
Federica Mogherini, e as declarações catastróficas de Benjamin Nethanyahu antes
dele ter início. Para já, Gordon Sondland, o embaixador dos EUA na UE, afirmou
que a não comparência dos líderes europeus teria sido “um ato inútil".
A ausência dos estados europeus,
deveu-se à mentirola anterior dos EUA, logo retificada, de que não pretendiam
uma mudança de regime em Teerão, à falta de convite ao Irão para participar, e
à existência de uma agenda escondida sobre os objetivos da conferência, que se
chamava “Futuro da Paz e da Segurança no Médio-Oriente”, mas que pretendia, de
facto, prejudicar a vontade da UE em preservar esse acordo com o Irão.
A escolha da Polónia como
anfitriã do evento não foi feita por acaso. A Polónia vem adquirindo de
Washington sistemas de mísseis dos EUA e pediram para que os americanos
construam uma nova base militar no país, que Varsóvia propõe chamar de "Fort
Trump". Um ex-diplomata polaco reclamou que o governo de Varsóvia nem
sequer teve participação na agenda da cimeira, afirmando que esta fora dominada
por Washington, Israel e Arábia Saudita.
Israel tirou o véu quando na
véspera, Nethanyahu avançou que a reunião tinha como objetivo consolidar “o
interesse comum da guerra contra o Irão”. E não terá sido, por acaso,
“coincidência” que no primeiro dia da conferência em Varsóvia, o país tenha sofrido
o pior ataque terrorista em anos quando 27 membros do Corpo da Guarda
Revolucionária Islâmica foram mortos em um ataque suicida reivindicado por um
grupo jihadista. Teerão afirmou que o grupo terrorista tinha ligações com
"serviços de inteligência estrangeiros". Certo é que no início da
semana passada, o Irão celebrou o 40º aniversário da sua revolução islâmica. O
aniversário classificado por Trump como "40 anos de terror". O seu
conselheiro de segurança nacional, John Bolton, também enviou uma mensagem à
liderança do Irão dizendo que seu tempo acabou. Netanyahu emitiu um aviso
assustador de que o aniversário poderia ser o último. No decurso da conferência
um outro indefetível de Trump, Rudy Giuliani, pediu abertamente a mudança de
regime no Irão. E, à margem da conferência, Giuliani usou também da palavra
numa manifestação em Varsóvia organizada pelo grupo exilado iraniano
Mujahideen-e Khalq (MEK). O grupo tem estado ligado a ataques terroristas no
Irão que visam derrubar o governo de Teerão. Não está claro se o MEK teve algum
envolvimento no atentado à bomba desta semana, mas em Varsóvia, ao receberem
Giuliani, aplaudiram o assassinato dos guardas iranianos.
No período que antecedeu a
invasão do Iraque, em 2003, o então secretário da Defesa, Donald Rumsfeld,
ridicularizou a oposição da Alemanha e da França à guerra criminosa de
agressão, referindo-se a esses países como "velha Europa" e exaltando
o apoio ao imperialismo norte-americano. de uma “nova Europa”, composta pelos
regimes do Leste Europeu e, principalmente, pela Polónia.
O eixo militar judaico-sunita
Um outro, o jornalista Thierry
Meyssan, especialista das questões do Médio Oriente acha que os EUA pretendem
“criar uma aliança militar judaico-sunita contra os xiitas”, que alguma
imprensa tem chamado “a NATO árabe”. E refere que dias antes, a 10 de janeiro,
durante uma conferência na Universidade Americana do Cairo, o Secretário de
Estado Mike Pompeo tinha identificado como objetivos para a região:
- Opor-se ao "regime
iraniano" e aos "seus mandatários";
- Pôr em ação uma aliança
estratégica judaico-sunita contra o Irão xiita1.
Para ele esta confessionalização
da política externa dos EUA deve ser conjugada com o retorno de Elliott Abrams2 ao
Departamento de Estado após 30 anos de ausência. Este trotskista, que se juntou
em 1980 ao Presidente republicano Reagan, é um dos fundadores do movimento
neoconservador. Ele é também um dos iniciadores da teopolítica, essa escola de
pensamento aliando judeus e cristãos sionistas segundo quem a Terra só ficará
em paz quando for dotada de um governo mundial sediado em Jerusalém3.
Para Abrams e os trotskistas da
revista do American Jewish Commitee, Commentary, havia que lutar ao mesmo
tempo contra a URSS, para prosseguir a luta de Leon Trotsky contra José
Estaline, e montar um golpe de estado mundial. Abrams participou na criação do
Instituto da Paz dos EUA e da National Endowment for Democracy (NED), bem
nossa conhecida pelas vultosas dotações financeiras que recolhe do Orçamento do
Estado, com que paga a todo o tipo de mercenários e “benfeitores” para
organizarem revoluções coloridas, missões humanitárias e outras também
“beneméritas”. A este grupo se deve a invenção da teopolítica, como uma
justificação religiosa para uma tomada de poder mundial.
Os neocons são também conhecidos
por likudnics, termo que expressa a sua vinculação ao Likud israelita de
Nethanyahu.
A obsessão do imperialismo
norte-americano com o Irão deve-se essencialmente a nunca ter perdoado às
massas de trabalhadores iranianos e pobres pela revolução de 1979 que derrubou
a ditadura do Xá apoiada pelos EUA, o eixo da dominação dos EUA sobre a região.
Embora essa revolução tenha sido usurpada pelo regime burocrático-teocrático
estabelecido sob o ayatollah Khomeini, Washington recusou-se a aceitar qualquer
mudança de regime, optando pela reimposição de uma ditadura fantoche dos EUA do
tipo da do xá.
As debilidades do Irão
Há uma contradição entre o
considerar Israel e a Arábia Saudita, quando antes e hoje existem entendimentos
com esses países.
Há divisões entre os principais
políticos: o Guia da Revolução, o Ayatollah Komeini, o Presidente da República
xeque Rohani, “pai” do acordo nuclear e o antigo Presidente Ahmadinejad, com
residência vigiada depois da prisão de vários dos seus colaboradores.
Rohani assinou o acordo nuclear
com Obama, mas as sanções nunca foram levantadas e a economia iraniana entrou
em colapso, com a agravante de Trump o ter rasgado.
A recusa de Rohani em prolongar
apoios à Palestina, ao Hezbollah, e à Síria, retiraram um apoio importante de
um país-chave a causas justas que careciam desse apoio, deixando os Guardas da
Revolução a protegerem apenas os xiitas na Síria.
Os entendimentos entre o Irão, a
Rússia e a Turquia podem já ter conhecido melhores dias.
As dificuldades económicas
levaram à dificuldade em pagar as suas milícias no Iraque e o Hezbollah.
A saída da Rússia da intervenção
militar direta na Síria tem facilitado os bombardeamentos de forças iranianas e
quanto à defesa da Síria, Moscovo ofereceu ao país mísseis S-300 para o país
garantir a sua defesa anti-aérea.
A maioria democrata na Câmara dos
Representantes não vai ajudar as dificuldades de Rohani.
EUA e Europa
E quais foram as reações dos seus
“aliados europeus” ao serem apontados por não seguirem a linha dos EUA em
relação ao Irão? O vice-presidente dos EUA exigiu que a Alemanha, a França e o
Reino Unido, todos signatários do acordo nuclear com o Irão de 2015, sigam a
liderança de Washington em desmantelar o acordo e impor um bloqueio económico
que equivaleria a um ato de guerra.
Pence acusou "alguns dos
principais parceiros europeus" dos EUA de tentarem "quebrar as
sanções americanas contra o regime revolucionário assassino do Irão".
Referia-se a um mecanismo financeiro introduzido pelo Reino Unido, Alemanha e
França para permitir a troca de bens entre empresas europeias e o Irão sem
transações financeiras diretas ou o uso do dólar americano, para evitar as
sanções extraterritoriais dos EUA.
O vice-presidente dos EUA exigiu
que as potências europeias "fiquem connosco" para liquidar o acordo
nuclear e, presumivelmente, para se prepararem para a guerra com o Irão.
Reconhecendo que o Irão estava a agir em conformidade com o acordo nuclear,
Pence declarou que a questão não era a conformidade, mas a indesejabilidade do
“negócio” em si mesmo. E não deixou de dizer que qualquer tentativa de escapar
do regime de sanções dos EUA "criaria ainda mais distância entre a Europa
e os EUA".
Bill Van Auken, do world
socialist website, recordou-nos nestes dias que “no período que antecedeu a
invasão do Iraque, em 2003, o então secretário da Defesa, Donald Rumsfeld,
ridicularizou a oposição da Alemanha e da França à guerra criminosa de
agressão, referindo-se a esses países como "velha Europa" e exaltando
o apoio ao imperialismo norte-americano de uma “nova Europa”, composta pelos
regimes do Leste Europeu e, principalmente, pela Polónia.
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As intenções enunciadas na
Conferência de Varsóvia da semana passada, mesmo que denunciadas na contradição
entre as suas belas intenções e a realidade da guerra enunciada contra o Irão,
mesmo com as reservas da UE, constituem um pesado risco para a paz.
A frase de Mike Pence, repetida
até à exaustão, que caracterizava o Irão como "principal patrocinador
estatal do terrorismo", foi apresentada sem factos nem provas. Os EUA
nunca deveriam emitir tal declaração porque especialmente os seus dois últimos
governos aplicaram milhares de milhões de dólares no financiamento de guerras
terroristas por milícias ligadas à Al Qaeda para provocar mudanças de regime na
Líbia e na Síria.
Quanto ao “estado que semeia o
maior dano e a maior discórdia”, alguém pode afirmar com franqueza que
Washington, que travou um quarto de século de guerras intermináveis e ruinosas
na região, arrasando sociedades inteiras e deixando milhões de mortos,
mutilados e deslocados, tem concorrentes à sua altura para lhe arrebatarem esse
título?
O imperialismo norte-americano
está determinado a afirmar sua hegemonia sobre o Irão, o Médio Oriente, a Ásia
Central e a Venezuela, a fim de estabelecer seu controle incontestado sobre
todas as reservas de energia do mundo, dando-lhe a capacidade de negar acesso à
sua principal rival global, a China.
O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)
Na foto: O primeiro-ministro de
Israel, Benjamin Netanyahu (D), recebeu o vice-presidente Mike Pence no seu
gabinete, em Jerusalém , Israel, em 22 de Janeiro de 2018. Foto de arquivo. US
Vice President Mike Pence (left) is welcomed by Israeli Prime Minister Benjamin
Netanyahu at the Prime Minister's Office in Jerusalem, on January 22, 2018. (CréditosHadas
Parush/Flash90 / Times of Israel
Notas:
1.“Observações de Mike Pompeo na
American University do Cairo”, Rede Voltaire, 10 janeiro, 2019.
2."Elliott
Abrams, o 'gladiador' convertido à 'teopolítica'", Thierry Meyssan, Rede
Voltaire, 14 fevereiro 2005.
3."Cimeira
histórica para selar a Aliança dos guerreiros de Deus", Rede Voltaire, 17
outubro 2003.
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