sábado, 16 de fevereiro de 2019

Angola | Repressão em Cabinda e liberdade para o resto do país?


Detenções em Cabinda e na Lunda Norte geraram um debate sobre uma alegada dualidade de critérios no tratamento dos direitos e liberdades. Quem protesta aqui não parece ter os mesmos direitos de quem protesta em Luanda.

Os últimos protestos em Angola mostram, sem sombra de dúvida, que o país caminha a duas velocidades. É o que diz o jurista angolano Milonga Bernardo.

Há quase duas semanas, dezenas de angolanos protestaram em Luanda contra o aumento do preço dos passaportes. E em dezembro, jovens desempregados também foram para as ruas da capital angolana pedir a criação de mais postos de trabalho. A polícia acompanhou os protestos, mas não interveio. Já na Lunda Norte ou em Cabinda, a situação é outra.

"Infelizmente, estamos a assistir a uma caminhada nessa dualidade. Se, por um lado, em Luanda, a manifestação que ocorreu relativamente à revindicação de alguns cidadãos quanto à subida do preço para tratamento do passaporte com uma atitude normal da polícia, relativamente à província de Cabinda, não consigo perceber até agora", entende Milonga Bernardo.

Polícia alega distúrbios

A Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) denunciou esta quarta-feira (13.02.) que 77 ativistas estão detidos desde o princípio do mês na província. A polícia impediu uma marcha em Cabinda, agendada para 1 de fevereiro, para comemorar o aniversário da assinatura do Tratado de Simulambuco e exigir a independência do enclave.

As autoridades justificaram apenas, à imprensa, que teriam havido "alguns distúrbios na ordem pública". Mas a FLEC fala em "detenções arbitrárias" e "repressão".

O jurista Milonga Bernardo lembra que todos os cidadãos devem ter tratamento igual à luz da lei: "Não só o princípio da igualdade, constante no artigo 23 da nossa Constituição, como também o próprio princípio da universalidade que, se quisermos aqui fazer um resumo, quer um quer o outro, trazem aqui a questão do respeito, das garantias dos direitos e deveres a todos os cidadãos, em pé de igualdade. Vamos aqui dizer que os cidadãos que se manifestam em Luanda não têm mais direitos que outros cidadãos que se manifestam noutros pontos do nosso país."

Um dos ativistas na prisão é Sebastião Macaia, porta-voz do Movimento Independentista de Cabinda (MIC), que foi detido esta terça-feira (13.02.).

Na Lunda Norte, ainda continuam detidas várias pessoas depois de um protesto, no ano passado, a exigir a autonomia da região.

Palavra de João Lourenço vs realidade

Jeremias Benedito, coordenador da recém-criada associação "Laulenu", que em língua nacional tchokwé significa "acordem", diz que esta situação contrasta com os discursos do Presidente João Lourenço sobre os direitos humanos em Angola.  

"Estamos cada vez mais preocupados com as detenções que estão ocorrer na região de Cabinda e da Lunda Norte. Nós não vemos as razões que fazem o Governo tomar essa posição tão radical de deter jovens, uma vez que o Presidente João Lourenço, no seu recente discurso, comprometeu-se a melhorar a imagem de Angola, sobretudo abraçando cada vez m ais os compromissos ligados aos direitos humanos", desabafa Benedito. 

Para Jeremias Benedito, a repressão de cidadãos não vai resolver a situação vivida quer em Cabinda, quer na Lunda Norte. O ativista apela ao diálogo entre o Governo angolano e os manifestantes: "O Governo angolano deve sentar para dialogar com essas pessoas que, volta e meia, vão anunciando a realização de manifestações nas regiões de Cabinda e Lunda Norte."

E o coordenador da Lauleno interroga: "Porque é que as pessoas hoje se revoltam e clamam pela autodeterminação dos povos? Tudo é fruto da má governação."

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Imagem: Estátua no Largo Dr. Agostinho Neto em Cabinda, Angola

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