segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Je suis venezuelano


Rui Sá | Jornal de Notícias | opinião

A situação da Venezuela está na ordem do dia há semanas (na verdade, há anos, desde que Chávez foi eleito presidente...).

Parece evidente que o atual momento foi desencadeado pelo apelo que a Administração Trump fez ao povo venezuelano para se revoltar contra Maduro. Foi a partir desse apelo que surgiu um até então desconhecido Guaidó (antes o rosto da Oposição era Capriles - recordam-se?) a autoproclamar-se presidente interino, dando assim o "pretexto" para uma nova fase do plano de ingerência internacional, com o seu "reconhecimento" por vários países.

É minha convicção que o que está em causa nesta ofensiva não é a democracia nem os direitos humanos (os mesmos que procuram destituir Maduro são aqueles que defendem os déspotas da Arábia Saudita que se dão ao desplante de assassinar um opositor no interior de uma embaixada), nem a "crise humanitária" (veja-se como são pouco sensíveis à verdadeira crise humanitária que se vive no Sudão ou na fronteira do México com os EUA). E sei bem como terminaram outros processos semelhantes no Iraque, na Líbia e na Síria. É para mim evidente que o que está em causa é haver, na Venezuela, um Governo que não alinha com a "ordem vigente". O que até podia ser "tolerado" se a Venezuela não tivesse as maiores reservas petrolíferas do Mundo...

Bem sei que estas minhas convicções (que não escamoteiam erros que tenham sido cometidos por Maduro - quem não os comete quando a questão é trocar o velho pelo novo?) não são acompanhadas por muitas pessoas (uns com ingenuidade, outros iludidos pela desinformação e outros por convicção).

Mas, como português, creio ser útil analisar a posição do nosso Governo. Que me parece completamente desadequada! Não tenho ilusões que um Governo do PS, que tem como ministro dos Negócios Estrangeiros alguém que "gosta de malhar na Esquerda", pudesse manter, neste contexto, o reconhecimento de Maduro. Mas reconhecer Guaidó, a reboque de Trump, parece-me, para além de injusto, completamente desprovido de sentido de Estado. Que depois origina vergonhas como o regresso, com o "rabinho entre as pernas", de forças dos GOE - proibidas de entrar na Venezuela pelo respetivo Governo (ainda por cima depois de o nosso ministro da Defesa ter referido a possibilidade do envio de tropas portuguesas para a Venezuela!). Ou a consideração, óbvia, de que Portugal não é "persona grata" no "Grupo de Contacto" (porque a criação de pontes de contacto exige neutralidade).

Esta posição, à revelia da ONU e do Direito Internacional, só agrava, assim, a situação. Sendo certo que, se esta se agravar, com uma intervenção externa e/ou guerra civil, as centenas de milhares de emigrantes portugueses sofrerão, como todos os outros venezuelanos, as terríveis consequências.

*Engenheiro

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