Ao contrário de seus
antecessores, foi a próprio Merkel que definiu, de forma soberana, sua saída do
poder. Seu quarto mandato será também o último. E ela já disse que não vai
aceitar pressão, opina Rosalia Romaniec.
Rosalia Romaniec* | Deutsche
Welle | opinião
Angela Merkel parece estar
libertada. Desde que transmitiu a presidência do seu partido, a União Democrata
Cristã (CDU), para Annegret Kramp-Karrenbauer, também conhecida como AKK, em
dezembro do ano passado, é visível como ela está apreciando seu cargo de
chanceler federal da Alemanha. Livre de amarras intrapartidárias, ela agora
governa menos para dentro e mais para fora. E, segundo demonstram as mais novas
pesquisas de opinião, a maioria dos alemães quer vê-la no cargo pelo maior
tempo possível.
Enquanto isso, AKK cuida das
fileiras divididas no interior da CDU e aumenta a própria visibilidade. Tanto
ela quanto Merkel ganharam tempo e margem de manobra para preparar uma
transmissão de poder ordenada. De um ponto de vista estritamente teórico, essa "divisão
de trabalho" poderá perdurar por bastante tempo – e, oficialmente, também
é preciso que seja assim.
Mas a realidade política é outra.
Não vai mais demorar muito para que a chanceler entregue completamente o poder.
Nesse contexto, não é apenas a
evolução da política interna alemã que é importante – além das eleições para o
Parlamento Europeu, em maio, haverá vários pleitos estaduais fundamentais este
ano. Se a CDU registrar outra queda violenta no número de votos – e, segundo
prognósticos atuais, esse cenário não é improvável – pode ser que haja
turbulências.
O caminho de emancipação de AKK
também impressiona: em toda oportunidade que tem, a candidata ideal de Merkel
se diferencia da chanceler. Ela dialoga diretamente com integrantes
conservadores frustrados da CDU, adota um curso nitidamente mais restritivo no
âmbito da política de migração e faz piadas politicamente
incorretas.
No último fim de semana (10/03),
não foi a chanceler, mas aquela que se vê como sua sucessora que respondeu
ao apelo
do presidente francês, Emmanuel Macron, por uma reforma da União Europeia.
Com isso, AKK reivindicou, de forma inequívoca, a participação também em temas
de política externa, e emitiu um sinal claro – principalmente para o exterior.
Somente esse passo sugere que a troca – seja como acontecer e funcionar – pode
estar bastante próxima.
É especialmente uma coisa que
pode adiá-la: ruidosos pedidos de renúncia de Angela Merkel. Ela não quer e não
vai deixar o cargo sob pressão. Ainda que o momento exato da despedida continue
incerto, a chanceler governa somente a longo prazo, segundo ela mesmo já disse.
Sim, ela deixou a liderança do
partido sob pressão. E daí? Todos os seus antecessores, sem exceção,
continuaram colados na cadeira de chanceler mesmo sob pressão, até que os
eleitores ou o Parlamento os retiraram do poder.
Em vez disso, como pragmática,
foi a própria Merkel que definiu sua saída de forma soberana. Isso é algo
completamente novo na máquina política alemã, anteriormente dominada por
homens. Talvez por isso alguns não consigam enquadrar exatamente os acontecimentos.
O que também é verdade é que a
chanceler está levando o momento de sua partida até o limite. O que não é prova
de leviandade, mas sim de consciência de poder e de responsabilidade. Merkel
não joga a toalha quando os outros pedem, mas quer escolher o momento da saída,
quando servir tanto a ela quanto à estabilidade na Alemanha. Num ano em que o
partido da chanceler precisará se afirmar várias vezes contra populistas,
pode-se prever alguns momentos para a retirada. Mas, alguma vez, essa chanceler
já demonstrou ser previsível?
Por isso, ainda poderá demorar
algumas semanas ou meses até que Angela Merkel dê o próximo passo.
Provavelmente, ela surpreenderá novamente com o momento concreto. Um conselho a
todos os impacientes: aproveitem a calmaria antes da tempestade. É que nem a
troca, nem tudo o que vem depois dela, deverão transcorrer tão calmamente
quanto o mandato da chanceler.
*Rosalia Romaniec chefia a
redação de Política da DW
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