quinta-feira, 21 de março de 2019

O Golfo da Guiné, os exercícios Obangame 2019 e nós vamos estar lá; será?



Decorrem, até 20 de Março, no Golfo da Guiné, os habituais exercícios militares Obangame Express — este é o Obangame Express 19 (OE19) —, que têm a organização das Forças Navais dos EUA para África NAVAF (US Naval Forces), o apoio organizacional político-militar da US Africom (US Africa Command) e participação de Nações-parceiras africanas (APN) e nações não africanas, como o Brasil, Portugal, Espanha, Reino Unido ou Canadá.

Sintetizemos no que consiste este exercício militar (aeronaval) que se realiza no Golfo da Guiné, um dos dois exercícios militares que se realizam no Atlântico Sul entre a US Africom e as APN — o outro exercício é o United Accord. Os exercícios Obangame Express consistem em “projectar e melhorar a cooperação entre nações participantes a fim de aumentar a segurança marítima, em geral, e a do Golfo de Guiné, em particular, e onde participam nações signatárias do Código de Conduta Yaoundé1. Concentra-se em operações de interdição marítima, bem como em técnicas de visitas, pesquisa e apreensão de navios” e procuram igualmente “avaliar e melhorar a capacidade de aplicação da lei internacional, promover a segurança nacional e regional, planeamento de operações no âmbito da Parceria Africana de Aplicação da Lei Marítima (African Maritime Law Enforcement Partnership — AMLEP) e assistência às SFA (Security Force Assistance — Formação para Assistência às Forças de Segurança)”2.


Angola, principalmente após a assinatura do Memorando de Entendimento “Diálogo de Parceria Estratégica EUA-Angola (U.S. — Angola Strategic Partnership Dialogue —SPD), tem sido uma das principais APN da US Africom, tanto para estes exercícios como pelo apoio de Angola às Forças de Reserva Regionais (ASF — African Stanby Force) na SADC (SADC-Standby Force — SADCBRIG) e na Comunidade Económica dos Estados da África Central ECCAS- -Standby Force ou Force Multinationale de l’Afrique Centrale — FOMAC).

Daí que a participação de Angola nos exercícios entre o Africom e as APN, sobretudo no Obangame Express, tem sido considerado muito importante pelos comandos norte-americanos, ao ponto de ter sido a ser “cogitada, e posteriormente desmentida, em 2008, uma eventual transferência da sede do Africom da Alemanha para Angola, tal como chegou a ser falado de a mesma ser para São Tomé e Príncipe” (STP), só não tendo avançado por receios da Nigéria e dos Camarões, preferindo ficar pela instalação, em 2007, em STP, da Estação de Radares da Marinha Integrada no Regional Maritime Awareness Center (RMAC), cujos principais centros estão na Nigéria, Djibouti e Quénia.

Como referi no início, o OE19/OGE19 vai ter início no próximo domingo. Paradoxalmente, e sabendo que Angola é uma das principais APN quando tentamos saber em que moldes vai ser a nossa participação, quer junto do portal do Ministério de Defesa Nacional (MINDEN – http://www.minden.gov.ao/) quer junto das páginas sociais da Marinha de Guerra Angolana (https://www.facebook.com/Marinha-De-Guerra-Angolana- -1900497970175661/), somos confrontados com... NADA!

Excepto, e saúde-se, com a publicação, pelo MINDEN, de dois importantes documentos para a defesa nacional: “O Livro Branco de Defesa Nacional”, ratificado e promulgado pelo Presidente João Lourenço em 18 de Abril de 2018 e disponibilizado no portal do MINDEN em 10/01/2019; e o “Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, ratificado e publicado pelo Presidente João Lourenço em 11 de Abril de 2018 e, tal como o anterior, colocado no portal do MINDEN a 10/01/2019. Quanto ao resto ou qualquer coisa sobre estes exercícios de 2019 ou anteriores, existe... NADA!

Naturalmente que não pedimos ao MINDEN que nos coloque informações confidenciais. Mas, se nas actividades de Defesa Nacional existem actividades que devem estar no remanso dos gabinetes, há outras que, pela sua pertinência, deveriam ser disponibilizadas à população em geral, por ser do interesse nacional conhecermos as actividades das nossas Forças Armadas, dentro e fora do país.

Os exercícios visam salvaguardar a defesa estratégica dos países que marginam o Golfo da Guiné, em particular a coordenação na luta contra a pirataria marítima.

Por exemplo, a tomada de conhecimento destes exercícios — estranhamente o portal da US Africom, no que concerne aos OE (https://www.africom.mil/what-we- -do/exercises/obangame-express), é omisso quanto à data — só foi possível precisamente devido a uma notícia do Ministério de Defesa brasileiro, através do portal da sua Marinha (pela Assessoria de Comunicação do Comando do 3.o Distrito Naval, que até indica os números da tripulação (https://www.defesa.tv.br/navio-patrulha-oceanico- -araguari-ira-participar-do-exercicio-multinacional-obangame- -express-2019/), ao anunciar que o seu navio patrulha oceânico “Araguari” ia participar no OE19 de 8 e 20 de Março, sendo que, nestes OE19, a sede organizacional do Sealift Command será no Gabão. Entretanto, participou em exercícios navais em Cabo Verde com o navio- -patrulha cabo-verdiano “Guardião”, no âmbito da ZOPACAS, e vai também estar em Angola. O Araguari vai manter-se em viagem até 9 de Abril.

Simples, nada de especial! São exercícios abertos a todos e à comunicação social. Visam salvaguardar a defesa estratégica os países que marginam o Golfo da Guiné, em particular a coordenação na luta contra a pirataria marítima. Nós somos uma das mais importantes APN que participa nestes exercícios. Com quê? Nada sabemos. Irão participar já alguns dos 6 navios-patrulha que, recentemente, recebemos dos estaleiros da Privinvest?

Parece-me ser altura de termos ministérios mais abertos e mais virados para a população. Só ganhamos com isso! NOTAS: 1. Também descrito como “Declaração de Yaoundé”, tem como denominação oficial «Código de conduta sobre a repressão da pirataria, Assalto à mão armada contra navios, e actividade marítima ilícita na África Ocidental e Central», foi aprovado em 25 de Junho de 2013; inicialmente subscrito por 18 países, tem presentemente como signatárias deste instrumento 20 nações africanas:

Angola, Benim, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Congo, Congo Democrático (RDC), Gabão, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Marrocos, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, São Tomé e Príncipe e Togo. Este documento. Foi complementado, em 2014, por dois importantes protocolos, todos eles sob a égide do «Centro de Coordenação Inter-regional para a Implementação da Estratégia Regional para a Segurança Marítima na África Central e Ocidental (ICC): “Regras de procedimento da reunião anual dos executivos-chefes da CEEAC, CEDEAO e GGC sobre segurança marítima e a segurança no Golfo da Guiné” e “Protocolo adicional ao memorando de entendimento entre a Comunidade

D.R.
Económica dos Estados da África Central (CEEAC), Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a Comissão do Golfo da Guiné (GGC) sobre segurança marítima e segurança na África Central e ocidental do espaço marítimo” (ambos adoptados e rubricados em 5 de Junho de 2014, em 2. Esta matéria Yaoundé, pode ser Camarões). totalmente conferida neste meu ensaio «O comando U.S. AFRICOM no apoio à Arquitectura de Paz e Segurança em África e as relações multi e bilaterais com as APN: o caso de Angola», que foi (terá sido, porque nunca vi a publicação) publicado na Revista Angolana de Ciências Sociais — Mulamba, Volume VII, n.o 13, de Dezembro de 2017 (conforme email dos editores de 24 de Outubro de 2017).

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado.

15 de Março 2019 | Fonte: Novo Jornal

Sem comentários:

Mais lidas da semana