Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre *
Fundado em 10 de setembro de 1974,
o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa é detentor de um valioso acervo
voltado às áreas da Imprensa / Propaganda e Imagem / Som. Sua hemeroteca,
- considerada uma das maiores da América Latina - tem viabilizado, ao longo dos
anos, a produção de monografias, dissertações e teses, contribuindo de forma
substancial na produção cultural do nosso Estado.
O nome Hipólito José da
Costa (1774-1823) é uma homenagem que a instituição presta ao patrono da
imprensa no Brasil, que fundou o nosso primeiro jornal o “Correio
Braziliense (1808-1822). Devido à Censura Régia na Colônia, este mensário foi
criado, em Londres, na Inglaterra, e circulou clandestino, no Brasil e em
Portugal, por defender a liberdade de expressão, combater o despotismo dos
poderosos, na época, e por ter sido o pioneiro a combater o tráfico negreiro.
O acervo raro
Com a missão de preservar, guardar
e difundir a memória da comunicação, o Musecom contou, em sua criação, com o
apoio da ARI (Associação Riograndense de Imprensa), do governador Euclides
Triches (1919-1994) e da Secretaria da Educação e Cultura sob a direção, na
época, do Cel. Mauro Costa Rodrigues Neste ano completará, em 10 de setembro,
45 anos de serviços prestados junto à comunidade cultural, viabilizando à
pesquisa importantes periódicos, cujo conteúdo narra o cotidiano nas esferas
regional, nacional e internacional.
Ao contemplar os aspectos
sociopolítico, econômico e cultural, este tesouro, sob a forma de
impressos, representa a construção identitária de um povo e suas lutas em
prol da conquista da cidadania plena. Luta ainda considerada inconclusa, como
afirmou o historiador gaúcho Décio Freitas (1922-2004) em seu livro Brasil
Inconcluso (1986). O mentor da ideia, de que se criasse um museu
voltado à comunicação, foi o jornalista Sérgio Dillenburg.
Preservação
da Memória
Após a Instituição ter sido
contemplada no edital do Projeto Programa Petrobrás Cultural (2005/2006),
nosso acervo raro, naquela ocasião, foi higienizado, inventariado e catalogado
com a colaboração voluntária dos acadêmicos da Universidade Luterana do Brasil
(ULBRA), do curso de História, sob a orientação das professoras Katia
Pozzer, Cláudia Aristimunha e Márcia Miranda. Logo após esta primeira
etapa do projeto, digitalizaram-se as capas desses jornais, visando a ilustrar
o livro "Jornais Raros do Musecom 1808-1924". Lançado em
2008, este livro tem sido fundamental para os pesquisadores, principalmente dos
cursos de História e de Jornalismo, sendo citado na bibliografia de inúmeros
trabalhos produzidos dentro e fora do espaço acadêmico. Passados dez
anos, a instituição está dando sequência a este projeto voltado ao seu acervo
raro, visando a garantir, dentro do possível, a sua longevidade.
Ao utilizarmos este recurso
digital, evitamos também o manuseio constante dos originais, cuja consequência
é a deterioração destas preciosidades. É primordial que nos utilizemos das
novas técnicas, garantindo assim o acesso desta memória às futuras gerações.
Em março
de 2019, comemorou-se o Dia Internacional da Mulher. Na ocasião, a
instituição, com o apoio da Secretaria de Cultura (SEDAC), realizou a
exposição, na forma digital, “Imprensa Feminina : as pioneiras”, contemplando
jornais que compõem o nosso acervo raro. Na ocasião, os três periódicos
selecionados foram também digitalizados.
A seleção e a digitalização destes
periódicos, dirigidos por mulheres, ocorreram, dentro do seguinte recorte
histórico - temporal: da segunda metade do século 19 até o primeiro
decênio do 20. O pesquisador, a partir deste trabalho, poderá acessar, na forma
digital, na instituição, os seguintes títulos ligados à Imprensa Feminina: O Sexo
Feminino (1873-1874), O Corymbo (1883-1943) e o Escrínio (1899-1909).
A
primeira jornalista
É de suma importância, em se
tratando de mulheres que dirigiram periódicos, registrarmos o nome da primeira
mulher jornalista no Brasil: trata–se de Maria Josefa Barreto Pereira
Pinto (1787- 1837). Nascida em
Rio Pardo , no Rio Grande do Sul, herdou a tipografia do seu
pai adotivo e publicou, em 1833, o jornal legalista "Belona Irada
Contra os Sectários de Momo" que criticava as ideias liberais
defendidas pelos farroupilhas. Infelizmente, não existe imagem da sua diretora
e redatora, assim como não há informação da localização deste periódico. O
livro, do jornalista e pesquisador Roberto Rossi Jung, “A gaúcha Maria
Josefa, primeira jornalista brasileira”, traz preciosos dados sobre a vida
desta pioneira no jornalismo. Este livro foi publicado, em 2004, por Martins
Livreiro / Editor.
O Sexo Feminino
Dirigido por
Francisca Senhoria da Motta Diniz, O Sexo Feminino (1874-1875) era um semanário
publicado, em Minas
Gerais , na cidade da Campanha, defendia o acesso da mulher à
instrução, assim como ao trabalho, enfatizando sempre o que considerava ser uma
função adequada ao universo feminino: o magistério do ensino elementar. Em seu
discurso opinativo, percebe-se uma simbiose entre o ser professora e o papel
mulher, atrelando a condição do gênero feminino à função de educadora. Em 1875,
ela se transferiu para o Rio de Janeiro, reimprimindo os dez primeiros números
do seu periódico. Este periódico durou dois anos e contou, entre os
assinantes, com dom Pedro II e sua filha, a princesa Isabel. Após a implantação
da República (1889), voltou a circular em 1887, encerrando no ano de 1896,
tendo uma tiragem de 2 mil e 400 exemplares quinzenais.
Escrínio
Semanário criado, em Bagé, por Andradina de Oliveira (1864-1935), o Escrínio
tinha como lema “Pela Mulher”, Após uma interrupção, o jornal passou, em 1909, a ser publicado, em Porto Alegre , na
forma de Revista Ilustrada. Sua diretora foi educadora e defensora das causas
feministas e escreveu o romance O Perdão (1910).
Andradina de Oliveira
e sua obra foram tema, em 2010, da dissertação defendida pela pesquisadora
Lúcia Maia, na UFRGS, que foi publicada, em forma de livro, em 2015, pela
extinta Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag).
O Romance de Andradina de
Oliveira trata do adultério cometido por Stella. Criada numa família
burguesa,traiu seu marido Jorge com o sobrinho Armando, vindo do Rio de
Janeiro,na época, Capital Federal. A partir de então a protagonista,vivenciando
a culpa e o receio de ser descoberta pelo marido e pela sociedade, acaba
fugindo com o amante. O cenário deste drama é marcado pelas relações de poder,
de classe social e de gênero presentes nos espaços privado e público,
registrando a forma de expressão linguística dos imigrantes, escravos libertos
e da nossa elite rural que compunham o quadro da chamada Belle Époque Gaúcha.
Ao entrevistar a
autora Lúcia Maia, a jornalista Priscila Paskoa registrou o seguinte
depoimento, acerca do comportamento feminino, dado pela historiadora Hilda
Agnes Hübner Flores, autora do livro “Dicionário de Mulheres” (1999).
“A pesquisadora conta que a
historiadora Hilda Flores constata que, em resposta ao ambiente tão repressor à
mulher intelectual, elas passaram a fazer parte de uma espécie de confraria.
Moças e senhoras se protegiam, se convidavam para falar em conferências,
publicavam nas revistas umas das outras. Um pacto implícito. Algo como “já que
eles não querem nos ouvir nesta sociedade estratificada, então vamos nós criar
nossos grupos”.
Corymbo
Considerado o primeiro órgão de imprensa feminina no sul do
Brasil, o Corymbo foi fundado na cidade de Rio Grande (RS), no dia 21 de
outubro de 1883, de acordo com Sacramento Blake, pelas irmãs Revocata Heloísa
de Mello e Julieta de Mello Monteiro. Há divergências, entre alguns autores,
sobre a data de sua fundação. Em 1928, com a morte da irmã Julieta, Revocata de
Mello, após ter sofrido uma depressão, tornou - se a única proprietária e
redatora. Este jornal criou um espaço para divulgar artigos escritos por
mulheres que defendiam, na época, questões vanguardas como o voto feminino, uma
educação qualificada e a mulher no mercado de trabalho. Este longevo periódico
circulou até o ano de 1943.
Em novembro de 1940,
Guerreiro de Victoria comentou sobre a importância do Corymbo:
“[...] Revocata e Julieta, dois formosos espíritos que nem a morte separou,
fizeram do Corymbo, na terra altiva do Rio Grande, a tribuna de oiro[i] por
onde falavam, em hinos de esperança, a literatura, o ensino, a Pátria e a
liberdade. Nas suas colunas fulgiram, em meio de constelações, os maiores
estilos de Portugal e da Pátria, unindo os sexos na perfectibilidade, sem
sombras da aspiração e do sonho.
Quem dirige no
Brasil por mais de meio século um jornal literário – sem recuo, sem pavor e sem
esperança – tem direito por certo à admiração integral, sem restrições, da
geração hodierna. À Revocata de Mello – espírito de Júlia Lopes de Almeida, na
bravura de Luisa Portinho – a nossa saudação franca e leal, pela data de
hoje.” (Corymbo, Rio Grande, RS, Nova Fase, n. 454, nov.1940
).
Estas pioneiras se
propuseram a divulgar o papel das mulheres que, apesar do preconceito,
conseguiram driblar o sistema patriarcal e conservador e, por meio da palavra
impressa, discutiram ideias até então inusitadas naquele universo machista,
como o direito ao voto e também de trabalharem em atividades tradicionalmente
desenvolvidas por homens, a exemplo no campo do Direito, da Medicina, dos
desportos, entre outras áreas.
Preservar a memória, por
meio do patrimônio cultural, é tarefa fundamental , pois sem este empenho a
sociedade fica alijada , em seus múltiplos aspectos, do registro de suas
lutas e conquistas, e todo o esforço humano, visando a
superar as adversidades, perde a credibilidade da sua narrativa devido à
falta de registros documentais. Restando – nos então apenas o imaginário
construído, ao longo do tempo, pela tradição oral. Como afirma o adágio
popular : “quem conta um conto aumento um ponto”
*Pesquisador e coordenador do
setor de imprensa do Museu da Comunicação HJC
Bibliografia:
BUITONI, Dulcília Schroeder, Imprensa
Feminina. São Paulo: Editora Ática, 1986.
FLORES, Hilda Agnes H. Dicionário de Mulheres.
Porto Alegre: Nova Dimensão, 1999.
MAIA, Lúcia. Porto Alegre, Belle Époque /A
Paixão Segundo Andradina. Porto Alegre: Corag, 2015.
MIRANDA, Marcia Eckert; COSTA
LEITE, Carlos Roberto Saraiva da. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto
Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
Nota:
[i] Oiro; o mesmo que ouro
[i] Oiro; o mesmo que ouro
1 comentário:
O jornal O Sexo Feminino, com a Proclamação da República (1889) alterou o seu título para O 15 de novembro do Sexo Feminino. O Autor
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