Joko Widodo |
Jacarta, 03 abr (Lusa) -- Nas
atafulhadas ruas de Jacarta, onde o caótico trânsito se adensa na época das
chuvas, proliferam os capacetes verdes das motas de transporte, que circulam ao
lado dos multicoloridos cartazes e bandeiras das eleições nacionais de 17 de
abril.
Tal como há cinco anos, os rostos
dominantes nos pósteres de campanha são os dos dois principais candidatos
presidenciais: de um lado o atual chefe de Estado, Joko Widodo, quinto
Presidente desde a queda do antigo ditador Suharto, do outro o ex-general das
Forças Especiais e ex-genro de Suharto, Prabowo Subianto.
As sondagens indicam uma ligeira
vantagem para Joko Widodo, numa campanha onde se mistura de tudo, desde
economia a educação, ao debate do secularismo 'versus' o conservadorismo ou até
as alterações climáticas e a política externa.
Até Timor-Leste já foi falado, de
passagem, num dos debates presidenciais, com Prabowo a referir-se ao referendo
de há 20 anos - ainda que o seu passado como militar nas Kopassus, as Forças
Especiais indonésias, seja praticamente ignorado.
A dimensão do processo eleitoral
vê-se bem pelos números: são 192 milhões de eleitores e entre eles 70 milhões,
entre 16 e 20 anos, que votam pela primeira vez.
Além do Presidente e
vice-Presidente, os eleitores escolhem os 711 membros das duas câmaras da
Assembleia Consultiva Popular (MPR), 575 no Conselho Representativo Popular
(DPR) e 136 no Conselho Representativo Regional (DPD).
Em jogo estarão ainda mais de
19.500 lugares em mais de 2.000 distritos eleitorais legislativos ao nível
regional, municipal e local. Há 16 partidos concorrentes, entre eles quatro
estreantes.
Widodo, 57 anos, escolheu para
seu 'número dois' Ma'ruf Amin -- um intelectual e político islâmico, líder da
Majelis Ulama Indonesia, a principal estrutura clerical muçulmana do país,
criada na Nova Ordem de Suharto.
A dupla do atual chefe de Estado
tem o apoio de nove partidos, entre eles o PDI-P da ex-Presidente Megawati
Sukarnoputri, o Golkar (partido de Suharto) e o PKB, do ex-Presidente Wahid:
entre si representam atualmente 60% dos lugares no atual parlamento e 62% dos
votos nas últimas eleições.
Prabowo, por seu lado, tem como
número dois Sandiaga Uno, atual vice-governador de Jacarta que, antes de entrar
no mundo político, era um empresário de destacado perfil, com a dupla apoiada
por vários partidos de menor dimensão que, entre si, representam 40% dos
lugares do parlamento e 36% dos votos das eleições de 2014.
Esta é a terceira tentativa de
Prabowo chegar ao Palácio Presidencial, ele que foi número dois na campanha de
2009 e rival de Jokowi em 2014, tendo na altura conseguido 46,85% dos votos
contra os 53,15% obtidos pelo atual Presidente.
Na metrópole que continua a
crescer a ritmo desenfreado -- a zona urbana de Jacarta acolhe 30 milhões de
habitantes -- os cartazes da campanha evidenciam as opções: fotos dos
candidatos e, em alguns casos, um quadrado do boletim de voto com o desenho do
prego de ferro com que, por estas paragens, se exerce o direito ao voto.
No dia-a-dia da cidade, os
motoristas das motas do GoJek e da Grab, as empresas de transporte com que
muitos indonésios ganham o seu rendimento, serpenteiam por entre os carros, com
os passageiros sentados atrás, tentando ganhar tempo no lento percurso.
"Eu uso isto para ganhar
mais algum dinheiro. É preciso porque as coisas estão mais caras. Mas há muitos
clientes", conta Dewi, uma motorista da Go-Jek, com o capacete por cima do
hijab preto, um dos símbolos mais evidentes do crescente conservadorismo na
Indonésia.
Goenwan Mohamad, hoje escritor e
pintor, mas outrora jornalista e fundador da revista Tempo -- uma das primeiras
que nos anos 90 do século passado desafiou a Nova Ordem de Suharto --, diz que
o crescente uso do hijab mostra "uma perda de liberdade de expressão
física".
"As pessoas pensam que a
religião pode embelezar a alma, tornar-te até menos corrupto. Mas na prática
isso não ocorre. O que se nota, sim, e é muito visível, por exemplo na forma
como as pessoas se vestem, é um autocontrolo nas expressões físicas",
disse à Lusa.
"Há 25 anos quase ninguém
usava hijab. A liberdade de expressão física está muito mais limitada",
conta à Lusa.
Por outro lado, a proliferação
dos capacetes verdes de quem oferece transporte na Indonésia -- e a paralela
revolução dos serviços 'online', de quase tudo, que continuam a crescer a
ritmos estonteantes no sudeste asiático -- é um sinal do empreendedorismo do
país.
Mas, ainda que a economia
indonésia continue a crescer -- não aos 7% prometidos por Joko Widodo -- e que
sejam evidentes os sinais de uma robusta classe média, as disparidades
mantêm-se com muitos na sociedade a viverem em condições de total insegurança
económica.
Na agenda dos debates eleitorais,
por isso, figuram questões como o desenvolvimento económico nacional, a
capacitação da mão de obra ou até problemas globais como as alterações
climáticas, ainda que nos bastidores se viva, como explicou à Lusa o diretor do
Australia Indonesia Centre, Kevin Evans, um debate entre uma visão secular e
pluralista do país, de um lado, e o maior conservadorismo religioso e moral, do
outro.
"As divisões políticas aqui
não são baseadas em classe, a afiliação política não se decide pelo rendimento
'per capita'. Define-se sempre entre os que se agarram firmemente a uma visão
de uma sociedade mais pluralista e igualitária 'versus' os que querem um maior
papel da religião, no caso o Islão, uma divisão idêntica à que se pode ver na
Índia, ou em Israel", disse.
Ainda assim Evans diz-se
otimista, afirmando que os sinais de conservadorismo crescente duram há 30 anos
e que começam a aparecer, até, sinais de "maior agitação e mobilização dos
que defendem os valores tradicionais de pluralismo".
A religião está sempre presente,
com Jokowi a mostrar-se mais pluralista, mas depois a escolher como 'número
dois' um dos principais líderes islâmicos do país, e Prabowo a começar a
relembrar que a sua mãe é cristã, mas depois a convocar uma oração coletiva em
todos as mesquitas do país na manhã do próximo domingo.
Os candidatos presidenciais estão
nos próximos dias em campanha em vários pontos do país, regressando a Jacarta
na reta final, antes dos dois dias de reflexão e do voto.
ASP // JMC
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