Robert Mackey* | The Intercept, em 11 abril
Os eleitores de Israel endossaram
o status quo de maneira esmagadora ao reeleger o primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu. Ele prometeu simplesmente ignorar a pressão internacional cada vez
menor para acabar com o domínio militar israelense sobre uma população cativa
de milhões de palestinos, que vivem sem direitos civis nos territórios ocupados
por Israel em 1967.
Com quase todos os votos da
eleição de terça-feira apurados, Netanyahu estava em uma posição privilegiada para montar uma coalizão de
partidos nacionalistas étnicos no Knesset, o parlamento de Israel, incluindo
extremistas abertamente racistas que querem tirar a cidadania de não-judeus e
expulsar palestinos dos territórios ocupados.
Assim que as pesquisas de boca de
urna sugeriram que o Likud do primeiro-ministro estava no caminho de ser um dos
dois maiores partidos do Knesset, permitindo que Netanyahu permanecesse no cargo,
ele liderou uma multidão de apoiadores agitando cartazes do Likud e pôsteres de
Donald Trump ironizando a “mídia tendenciosa”.
Cartazes de seus próprios fãs
entre os eleitores de seu aliado Netanyahu não escaparam à atenção de Trump.
Na véspera da eleição, Netanyahu
apelara aos eleitores ultranacionalistas, prometendo anexar grandes partes da
Cisjordânia ocupada, onde mais de
400 mil israelenses vivem em assentamentos apenas de judeus que são
ilegais segundo as leis internacionais. Também prometeu manter o controle
militar de Israel sobre aqueles centros populacionais palestinos com
autogoverno limitado.
A garantia do primeiro-ministro
pareceu formalizar o que ficou claro na última década de seu governo: que
Israel não tem intenção de honrar seus compromissos com os Acordos de Paz de
Oslo para facilitar a criação de um estado palestino. Em vez disso, planeja
continuar governando o que na prática é um estado único em que quase metade da
população tem a cidadania ou o direito de voto negados com base em sua etnia.
O tamanho dessa vitória pode ser
julgado pelo fato de que o partido que representava a maior ameaça à
continuidade era liderado por ex-generais que se gabavam do papel que tiveram em atacar Gaza e não
ofereceram nenhum plano para acabar com a ocupação.
Como o jornalista israelense Noam Sheizaf explicou na semana passada no podcast da
revista +972, tanto o Likud de Netanyahu quanto seu principal rival, o partido
Azul e Branco liderado por Benny Gantz, ex-chefe do Estado-Maior do Exército,
ofereceram aos judeus israelenses o mesmo. Ambos votos representariam uma opção
pelo status quo – no qual poderiam continuar desfrutando dos benefícios da
segurança garantidos por um poderoso exército – em troca de nenhum dos
sacrifícios necessários para acabar com a ocupação e produzir a paz.
“Se olharmos para a ocupação e o
tipo de soluções que estão sendo oferecidas aos israelenses, a mais óbvia é a
solução de dois estados, e a menos popular é a solução de um estado”, disse
Sheizaf. “Normalmente, tratamos isso como uma escolha binária: se não fizermos
a solução de dois estados, acabaremos com a solução de um estado.”
Como a população de árabes e
judeus é quase igual em todo o território agora sob o controle de Israel,
alcançar a paz através de um único estado binacional em que árabes e judeus
gozariam de direitos civis e políticos iguais asseguraria a democracia. Mas isso
acabaria com o centenário projeto sionista de criar um estado judeu que seria,
como Netanyahu disse recentemente, principalmente para os cidadãos judeus e
ninguém mais.
“Mas acho que, no plano real, e é
aí que as decisões políticas são tomadas, tanto pelos eleitores quanto pelos
líderes, há uma terceira opção: manter as coisas como estão”, disse Sheizaf.
“Vamos chamar isso de status quo.”
“Quando olham para a solução de
dois estados no estilo que estava sendo promovido nos anos 90” , continuou Sheizaf, “israelenses
entendem como sendo a sua retirada da Cisjordânia e de Gaza e, obviamente, o
desmonte de todos os assentamentos que são agora na Cisjordânia. Isso é uma
enorme batalha interna, com custos financeiros significativos e, precisamos
admitir também, um importante risco militar, porque ninguém pode prever o que
acontecerá cinco, 10, 15 anos a partir do dia em que a paz for acordada ou do
dia em que Israel
deixa a Cisjordânia.”
“A solução de um único estado, do
ponto de vista israelense, é ainda pior, porque isso significa a anexação da
Cisjordânia e de Gaza e, em teoria, direitos totais de voto para toda a
população entre o rio Jordão e o mar”, disse Sheizaf. “Então, na melhor das
hipóteses, haverá um sistema político diferente, que estará em uma espécie de
empate. Na pior das hipóteses, do ponto de vista israelense, será dominado
pelos palestinos.”
“Netanyahu e a direita têm dito
aos israelenses”, acrescentou, “não apenas que o status quo é
significativamente melhor do que a solução de um estado ou de dois estados, mas
também que algumas das coisas que se disse ser possível alcançar apenas através
de um acordo de paz podem ser alcançadas dentro do status quo.”
Entre os benefícios que Israel
conseguiu acumular através da política do poder absoluto estão relações
estreitas e cada vez menos secretas com a Arábia Saudita e operações militares
conjuntas com o Egito na península do Sinai.
Apesar de alguns sucessos notáveis e da histeria alimentada pelo
governo de Israel, o esforço liderado pelos palestinos para isolar Israel
através do movimento de boicote, desinvestimento e sanções até agora não
conseguiu torná-lo um estado pária como era a África do Sul na época do
apartheid. Às vésperas da eleição de Israel, os organizadores do concurso de
canto Eurovision, marcado para ocorrer em Tel Aviv em maio com apoio do governo, anunciaram Madonna como principal atração.
“Então, pegamos tudo isso junto”,
concluiu Sheizaf, “e um israelense diz: ‘Existe uma opção onde eu não pago nada
e recebo alguns dos benefícios do processo de paz. E, se entendemos isso,
percebemos por que o status quo, do ponto de vista israelense, é muito superior
às outras duas opções.”
Em resposta à mais recente
vitória de Netanyahu e à ameaça de anexação, Saeb Erekat, um veterano
negociador de paz palestino, disse que estava claro que os israelenses haviam
escolhido um caminho longe da solução dos dois estados.
A explícita falta de preocupação
com os direitos de não-judeus vivendo em áreas governadas por Israel ficou
clara no dia da eleição, quando o Likud, partido de Netanyahu, enviou
voluntários para instalar
câmeras escondidas em 1.200 locais de votação usados por cidadãos
árabes.
Na manhã seguinte à eleição, os
palestinos na vila de Ein Yabroud, na Cisjordânia, que não têm direito de voto,
ao contrário de seus vizinhos no assentamento israelense de Ofra, acordaram e
encontraram grafites israelenses triunfalistas espalhados por suas
propriedades. Pneus de carros foram cortados, e portas e paredes foram cobertas
com símbolos da estrela de Davi e a palavra hebraica para “vingança”.
A disparidade entre os direitos
dos palestinos que vivem sob ocupação militar em Ein Yabroud e os que
têm seus vizinhos judeus em Ofra talvez seja mais bem ilustrada pelo fato de
que as casas nesse assentamento, residências construídas em terras palestinas
roubadas e desobedecendo a legislação internacional, estão atualmente listadas para alugar no Airbnb.
Em outro sinal do quanto a
ocupação atual custa pouco aos israelenses, a empresa anunciou na terça-feira
que decidiu reverter uma decisão anunciada em novembro para remover cerca de
200 registros em assentamentos na Cisjordânia, devido à pressão de ativistas do
BDS. “O Airbnb não avançará com a implementação da remoção de listagens na
Cisjordânia da plataforma”, escreveu a empresa. “Todos os lucros gerados pelo
Airbnb por qualquer atividade de hospedagem do Airbnb em toda a Cisjordânia
serão doados para organizações sem fins lucrativos dedicadas à ajuda
humanitária que atendem pessoas em diferentes partes do mundo.”
A reversão do Airbnb, que foi
denunciada como “repreensível e covarde” pela Anistia Internacional, ocorreu
depois de um acordo judicial com dois colonos israelenses de
ascendência americana cujas listagens foram removidas e com possíveis
locatários que entraram com uma ação em um tribunal norte-americano.
O centro de direitos
constitucionais apresentou recentemente uma reconvenção no tribunal
federal, acusando os colonos de violar a lei de habitação justa (Fair Housing
Act, FHA). Um dos demandantes palestino-americanos naquele processo, Ziad
Alwan, nasceu em Ein
Yabroud depois da ocupação e agora vive em Chicago.
Como Mairav
Zonszein relatou em
The Nation no mês passado, Alwan “não pode alugar a
propriedade Ofra porque é palestino; ele não pode colocar os pés nele, mesmo
que sua família seja a dona legítima da terra com que os colonos e o Airbnb
agora estão lucrando. Ele possui a escritura da terra, que está listada sob o
nome do pai dele e registrado pelo registro de terras em Israel.
Hagai El-Ad, diretor executivo do
grupo de direitos israelenses B’Tselem, observou em uma coluna do New York Times nesta semana que os dias de
eleições na Cisjordânia são a mais clara mostra do caráter antidemocrático do
governo de Israel, pois os israelenses “votam para um parlamento que governa
tanto cidadãos israelenses quanto milhões de palestinos que têm esse mesmo
direito negado”.
“Os colonos israelenses na
Cisjordânia não precisam sequer ir a um local de votação dentro de Israel para
votar no destino de seus vizinhos palestinos”, escreveu El-Ad. “Mesmo os
colonos no coração de Hebron podem votar ali mesmo, com 285 eleitores
registrados (de uma população total de cerca de mil colonos), cercados por
cerca de 200 mil não-votantes palestinos. Ou, como Israel chama essa situação,
“democracia”.
*Robert Mackey | The Intercept (Brasil) | Tradução: Cássia Zanon
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