Gasto militar dos EUA volta a
crescer e já é semelhante ao PIB da Holanda ou Suíça. Alta deflagra corrida
global às armas. Para completar, tratados de paz estão ameaçados de extinção
Carlos Torralba, no El País Brasil | Outras Palavras | Imagem: Ted
Aljib (AFP)
O gasto militar dos EUA subiu no
ano passado pela primeira vez desde 2010. A Administração de Donald Trump elevou
o investimento em Defesa em 4,6% com relação ao ano anterior, chegando a 649
milhões de dólares (2,56 bilhões de reais), ou 36% do total mundial, que
cresceu até seu máximo histórico. Washington e seu rival estratégico, a China,
somam pela primeira vez mais de metade do investimento global em Defesa,
segundo os dados publicados nesta segunda-feira pelo Instituto Internacional de
Estocolmo para a Pesquisa da Paz (SIPRI).
Desde sua chegada à Casa Branca,
em 2016, Donald Trump nunca ocultou sua intenção de fortalecer ainda mais a
supremacia militar dos Estados Unidos sobre
seus dois principais rivais geoestratégicos, a China e a Rússia. Os drásticos
cortes do republicano em meio ambiente, cooperação internacional e ajudas
contra a pobreza energética lhe permitiram reforçar sua musculatura militar,
com 39 bilhões de dólares a mais que no ano anterior.
Apesar do incremento, o gasto de
Washington em Defesa ainda é 19% inferior ao que era em 2010, embora o contexto
na época fosse diferente: os Estados Unidos estavam totalmente envolvidos nas
guerras do Afeganistão e Iraque, com dezenas de milhares de soldados
mobilizados. Hoje contam com um contingente muito reduzido no Afeganistão e
várias centenas de assessores militares na Síria e Iraque. Trump
reiterou seu interesse em reduzir ao mínimo a presença de tropas
norte-americanas nessas zonas de conflito.
“O aumento do gasto dos EUA
responde mais a uma estratégia de dissuasão do que às exigências atuais de suas
operações no exterior”, diz por telefone Aude Fleurant, pesquisadora do SIPRI.
A especialista prognostica que, salvo em caso de “catástrofe financeira”, Trump
aumentará o gasto em Defesa a cada ano de sua presidência, apesar dos
obstáculos representados pelo déficit público e a perda do controle da Câmara
de Deputados, que voltou em novembro às mãos democratas após oito anos de
domínio republicano.
A aquisição de armamento de
fabricação nacional é a principal explicação para o aumento do orçamento de
Defesa dos EUA. Com um Exército de quase 1,4 milhão de homens e mulheres, uma
ligeira alta salarial também repercutiu no custo anual. A maior potência
mundial mantém mais de 800 bases militares no exterior, distribuídas por mais
de 40 países aliados.
Trump ordenou também que seja
criado “o quanto antes” um ramo do Exército dedicado ao espaço — “Que
garanta o domínio norte-americano do cosmos” —, que deverá receber dezenas de
bilhões de dólares desde seu primeiro ano. O republicano também herdou da
Administração de Barack
Obama a ideia de modernizar o arsenal atômico, um projeto que segundo
os especialistas custaria cerca de três trilhões de dólares em um prazo de 30
anos.
Washington se retirou em
fevereiro do Tratado de Forças Nucleares Intermediárias (INF, na sigla em
inglês), um acordo de desarmamento alcançado durante a Guerra Fria. Moscou
respondeu de maneira simétrica no dia seguinte. Na corda-bamba ficou o New
START, outro tratado bilateral crucial que limita o número de ogivas nucleares
da Rússia e
Estados Unidos. O pacto termina em 2021 e, por enquanto, não há reflexos de que
nenhum dos dois países planeje ampliá-lo.
Fleurant considera que a perda de
mecanismos de controle armamentista entre as grandes potências provocará o
aumento do gasto para desenvolver novos armamentos.
Além da acentuada desconfiança
entre os EUA e a Rússia, cabe acrescentar que a China nunca participou
desses tratados de controle armamentista, o que provocava receios tanto em
Washington como em Moscou. O gigante asiático multiplicou por 15 seu gasto
militar desde os anos oitenta, com aumentos anuais há 25 anos consecutivos. Em
2018, elevou-o em 5%, chegando a um quarto de trilhão de dólares. E desde que
se converteu, em 2008, no segundo maior investidor mundial em Defesa, Pequim
atribuiu a cada ano em torno de 2% de seu PIB ao reforço da sua capacidade
militar.
Os Estados Unidos, a Rússia e a
China competem pelo desenvolvimento de novos armamentos como os mísseis
hipersônicos, que tornariam ineficientes os atuais sistemas de defesa.
Diferentemente de Washington e Pequim, Moscou reduziu no ano passado seu gasto
militar em 3,5%, embora Fleurant explique a redução pelo investimento
extraordinário feito entre 2010 e 2015 para modernizar seu armamento. Por isso,
a especialista acredita que o investimento russo crescerá em curto prazo,
apesar das dificuldades econômicas que arrasta há anos por causa da queda do
preço dos hidrocarbonetos e das sanções ocidentais.
A Arábia Saudita, por sua
vez, se manteve como o terceiro maior investidor mundial em Defesa, além de ser
o principal importador mundial de armamentos. O Reino do Deserto — que
lidera a intervenção militar no Iêmen — destinou no ano passado 8,8% de
seu PIB à Defesa, a percentagem mais alta entre todos os países analisados.
Em termos gerais, o gasto militar
mundial cresceu 2,6% e superou 1,8 trilhão de dólares, atingindo o máximo
histórico desde que existem cifras consideradas confiáveis (1988). Os dados do
SIPRI não incluem alguns Estados com investimentos notáveis em Defesa, como a Coreia do Norte, a
Síria, a Eritreia e os Emirados Árabes Unidos.
Aumentos na OTAN refletem receio
com a Rússia
Os 29 membros da OTAN aumentaram
conjuntamente seu gasto militar em 7% (249 bilhões de reais) em 2018 com
relação ao ano anterior. França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha
tornaram a elevar moderadamente seu gasto nos últimos anos depois dos fortes
cortes que se seguiram à crise financeira de 2008.
Entretanto, são alguns dos
membros mais recentes os que mais incrementaram seu investimento. Romênia,
Bulgária, Lituânia e Letônia aumentaram seu gasto militar em torno de 20%; a
Polônia, em 10%. “Não há um fator único, mas a inquietação que a Rússia provoca
nesta zona é o principal”, diz por e-mail Nan Tian, pesquisador do SIPRI. Nan
considera que a pressão que Trump exerce para que os sócios europeus elevem seu
gasto em Defesa não foi determinante.
A Turquia também aumentou o
gasto, 24%. “Está em plena modernização do Exército, e suas operações militares
contra os curdos implicam um custo extra muito elevado”, afirma Nan.
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