Decisão de extraditar Manuel
Chang para Moçambique é questionável, entende especialista em direito
internacional. Mas há ainda a possibilidade dos EUA apresentarem recurso, o que
prolongaria o processo na África do Sul.
Em Moçambique, certas correntes
de opinião sempre suspeitaram que a decisão sobre a extradição de Manuel Chang,
ao nível do Ministério da Justiça da África do Sul, poderia ser politicamente
influenciada. Afinal Moçambique e a África do Sul são "países irmãos"
e sempre se apoiam.
Depois da decisão do ministro
Michael Masutha de extraditar o ex-ministro das Finanças de Moçambique para o
seu país, o especialista em direito internacional Andre Thomashausen afirma que
"é muito difícil compreender se a decisão tomada ontem (21.05.), e que foi
publicada através de um comunicado de imprensa, mas que ainda não
foram notificada as partes, porque os motivos que aparecem nessa
declaração de imprensa são vagos, apontam para o facto do arguido Chang ter a
nacionalidade moçambicana, mas o facto não tem relevância para o direito da
extradição."
Andre Thomashausen sublinha que
"o que tem relevância são outros critérios e parece que o ministro [da
Justiça] não quiz aplicar esses critérios, sendo fundamental dar preferência a
um pedido de maior peso."
De lembrar que a justiça
sul-africana tinha dois pedidos de extradição em mãos, o dos Estados Unidos da
América, que foi o primeiro, e o de Moçambique. Aliás, foi com base na acusação
norte-americana que Manuel Chang foi detido na África do Sul em finais de
dezembro de 2018.
Até então não se conhecia
publicamente uma ação da Procuradoria Geral da República de Moçambique contra
Chang no caso das dívidas ocultas.
Critérios de peso ignorados
Thomashausen recorda que
"nos EUA Manuel Chang é arguido, é réu, enquanto em Moçambique nunca foi
réu e não é arguido, é simplesmente procurado para ser questionado, uma coisa
completamente diferente de ser arguido. Ainda para mais, em Moçambique a sua
imunidade parlamentar como deputado nunca foi levantada."
"Portanto, por lei ele nunca
pode ser julgado e não pode ser arguido em processo penal, e assim é evidente
que o pedido de Moçambique é o que tem menos peso, é o que tem uma seriedade
muito menor em relação ao pedido norte-americano", esclarece o
especialista em direito internacional.
E tudo isso faz com Thomashausen
questione: "Estranha-se, realmente que o Ministério da Justiça [da África
do Sul] tenha tomado essa decisão."
África do Sul dececiona
Em Moçambique a decisão do
ministro sul-africano dececionou bastante, principalmente aos que confiavam nas
novas diretrizes do Governo de Cyril Ramaphosa de combater a corrupção.
O analista político Silvério
Ronguane é um deles e diz que "é uma decisão lamentável em função da fé
que tínhamos de que este Governo de Ramaphosa iria ser decisivo no combate à
corrupção, penso que essas expetativas foram por água abaixo."
Ronguane lembra que há pouca
margem para um recuo: "É preciso ter em conta que estamos a escassos dias
deste Governo cessar funções e substituído por outro, o que significa que não
haverá tempo para o decisor ser confrontado nas suas decisões."
Dececionado o analista político
entende "que houve realmente um calculismo político detestável e
execrável. Portanto, é um exemplo de cobardia de tomar a decisão e depois
fugir. Penso que a África do Sul prestou um mau serviço a democracia e a África
em geral."
Recurso dos EUA
Mas a decisão não significa o fim
do processo na África do Sul. Os Estados Unidos da América podem apresentar
rescurso, o que teria efeitos suspensivos, significando que Chang teria de
continuar detido na África do Sul, arrastando o caso por muito mais tempo.
Há três instâncias de justiça por
onde pode correr ainda o caso: o High Court, o Supreme Court e o Constitucional
Court.
Thomashausen explica"que
normalmente pela Constituição qualquer decisão administrativa está sujeita a
revisão judicial. Agora os EUA neste momento se quiserem ir por este caminho
ainda não podem fazer porque ainda não existe uma informação desta decisão
formal do ministro."
Que factor pode anular o recurso?
A formalização da decisão é
essencial, segundo especialista: "Só sabemos da decisão do ministro
através dos órgãos de comunicação social, estamos a aguardar que a decisão seja
enviada formalmente as partes interessadas e esperamos que quando isso
acontecer o sr. Chang ainda esteja presente na África do Sul.
Mas Thomashausen diz que "se
autorizarem que [Manuel Chang] pode seguir agora mesmo para Moçambique não
haverá base para um recurso porque o assunto aqui na África do Sul já estará
consumido, já não haverá possibilidade de nenhum tribunal tomar nenhuma decisão
que possa ser efetiva neste processo."
O ex-ministro das Finanças de
Moçambique é acusado pela justiça norte-americana de crimes financeiros, um
processo relacionado com o caso das dívidas ocultas contraídas por altos
funcionários do Governo moçambicano em 2013. São mais de dois mil milhões de
euros envolvidos e o paradeiro de boa parte desse valor é até hoje desconhecido.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
Na foto: Manuel Chang,
ex-ministro das Finanças de Moçambique e deputado da FRELIMO, o partido no poder
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