A minha querida amiga Raquel
Varela escreve num post no FB a propósito dos salários dos
professores e direitos associados a serem ressarcidos do que não ganharam
durante os anos de crise
Carlos de Matos
Gomes | opinião | Jornal Tornado
“Surpreende-me que se fale sobre
tudo nestes dias e nem uma palavra sobre o essencial: há algum lugar no mundo
que tenha uma boa educação sem professores bem pagos? Não. Há algum lugar no
mundo onde se possa viver de forma civilizada sem boa educação? Não. Se a
carreira não for reconhecida a maioria dos professores vai estar a ensinar os
nossos filhos sabendo que daqui a 10, 20 anos, ou 30 anos vai estar a receber
menos de 1300 euros por mês e terá uma reforma inferior a 1000 euros. Ou seja,
estamos a hipotecar não só o futuro dos professores mas de todas as gerações
que entram na escola e que não vão ter à sua frente pessoas motivadas,
empenhadas, desejosas de ensinar, mas o contrário.” - Raquel Varela
Ao contrário do que o texto de
Raquel Varela pode fazer crer Portugal faz parte dos países da OCDE com maior
percentagem de despesas em educação pública em percentagem do PIB.
Veja-se o relatório da OCDE de 2019 – Public spending on education
Portugal integra o grupo de
países com despesas em educação pública entre os 3% e os 3,5% de que fazem
parte, entre os europeus: Áustria, Holanda, Suíça, Letónia e França. As
despesas em educação de Portugal são percentualmente superiores às da Alemanha,
Espanha, Grécia e Itália, todos abaixo dos 3%. São idênticas à de países com
economias muito desenvolvidas como o Canadá e a Coreia.
Dados da Pordata sobre o número
médio de professores/aluno no ensino básico, 1º e 2º ciclos em 2016:
Portugal – 12,8;
Alemanha – 12,1;
Espanha – 13;
França – 18,7;
Holanda -11,7;
Inglaterra -15,1;
Suécia – 12,4.
Em resumo, Portugal tem uma
percentagem do PIB em despesa em educação pública ao nível de países europeus
mais desenvolvidos e nalguns casos maior. Tem um rácio professor-aluno idêntica
aos seus parceiros europeus, ou melhor. Os salários dos professores portugueses
são dos mais altos quando comparados com o salário médio nacional. Apesar
destas condições Portugal não tem uma “boa educação”. As causas dos resultados
medíocres do sistema educativo, medidos em capacidade de inovação e de valor
acrescentado dos produtos portugueses, não se devem pois a falta de despesa e
de investimento, nem aos baixos salários dos professores, nem à sua quantidade.
A tese da Raquel Varela parte do
princípio de que o dinheiro gera qualidade e riqueza. Basta ir a Mafra para
concluir que não. O ouro do Brasil transformado naquele imenso calhau não
tornou Portugal um Estado onde os cidadãos passaram a saber mais, a estarem
motivados a fazer melhor, a criar mais riqueza, a preparar um futuro mais
risonho. Pelo contrário, fortaleceu a ignorância e a crendice, levando os
portugueses a acreditar que aquela edificação construída à custa de trabalho
escravo aqui e no Brasil produziu o efeito miraculoso de emprenhar a rainha da
altura, de dar um herdeiro ao rei da época e de enclausurar, bem comidos e bem
bebidos, entre rezas e cânticos, como monges, umas centenas ou milhares de
portugueses aptos para o trabalho, mas mais motivados à lazeirice conventual do
espírito e do corpo.
A tese do dinheiro para resolver
incapacidades e impotências é desmentida pela História e pela natureza. O que
produz qualidade é o esforço, o talento para superar dificuldades, a
organização, o reconhecimento da importância de uma dada actividade pela
sociedade.
Dois dos mais caros sistemas de
educação do mundo moderno, o americano e o inglês, têm produzido resultados de
baixíssima qualidade. Vejam-se as suas elites políticas nos últimos 50 anos. Se
o melhor que o sistema de educação dos caríssimos colégios e universidades
americanas e inglesas gerou é o que tem passado pelo Capitólio de Washington,
ou por Westminster, o que podemos dizer é que foi dinheiro deitado à rua, tal
como o de Mafra.
No mundo desenvolvido actual, os
profissionais mais bem pagos são os administradores das grandes empresas
financeiras, bancos e seguradoras. Os grandes desastres, as grandes crises,
incluindo a que levou o governo português a congelar salários e tempos de
serviço aos seus funcionários, incluindo os professores, a quem Raquel Varela
acredita que o dinheiro lhes melhorará o desempenho, foram causados por esses
funcionários com carreiras sempre descongeladas e muito bem remuneradas.
Atirar dinheiro aos carreiristas
não parece garantir qualidade. Os conselhos de administração do BANIF, do BPN,
do BES eram muito bem pagos, até retroactivamente. O mesmo para os
administradores do Lehaman Brothers, ou da seguradora AIG, cobertos de dinheiro
da cabeça aos pés.
O desempenho profissional é,
antes de tudo, uma questão ética. Fazer bem, cumprir horários, preparar-se,
melhorar são questões éticas. Atirar dinheiro para cima de problemas éticos é
alimentar a corrupção dos aproveitadores. É delapidar recursos. Se a sociedade
reconhecer o desempenho dos seus professores, o desempenho dos seus
funcionários em geral, estará disponível para os recompensar e não para se
sentir extorquida. Deixará de sentir que está a pagar bofe por bife, como julgo
ser o sentimento mais comum hoje perante esta ópera bufa do 942.
A questão da melhoria de um
sistema de formação e desempenho humano é sempre, antes de técnica e
financeira, uma questão ética.
Aumentar os salários dos músicos
de uma orquestra pode permitir melhores férias aos músicos, mudança de carro,
mas não melhora a orquestra, nem contribui para a educação musical da
sociedade.
Os trabalhadores das várias artes
e ofícios têm, obviamente, direito a uma remuneração que lhes permita uma vida
digna. Mas não é disto que se trata nesta treta da “recuperação de direitos”,
mas sim em receber o que, em determinadas circunstâncias, o “patrão” não esteve
em condições de pagar num momento passado.
A reivindicação do 942 não é em
si injusta – é sim ofensiva da ética que cimenta a vida em sociedade e, a
prazo, conduz à derrota de quem aceita pagar para se libertar da ira dos
reclamantes.
A reivindicação dos 942, como
outras reivindicações por mais dinheiro das novas tropas sindicais pode ser
apreciada pelo que sobre os mercenários escreveu Maquiavel:
“As forças mercenárias são
perigosas. São ambiciosas, sem disciplina, infiéis, insolentes para com os
amigos, mas acovardam-se diante dos inimigos, (…) e o príncipe apenas retarda a
própria ruína na medida em que retarda enfrentá-las. Deste modo, o Estado é
espoliado por elas na paz, e durante a guerra pelos inimigos. (Os
mercenários) querem unicamente manter as suas vidas e receber os seus
salários.”
Atirar mais dinheiro a soldados
que se preocupam antes de tudo com o dinheiro não melhora nenhum exército.
Existe uma outra palavra que,
antes do 942 dos professores ou da greve cirúrgica dos enfermeiros, antes do
dinheiro, devia ser considerada pelos seus chefes sindicais e respectivos
apoiantes, também de Maquiavel: Virtù. Que pode ser definida como a condição
assumida ou imposta, necessária para que, dentro de um Estado (ou sociedade
organizada), alguns dos seus elementos não sejam o lobo dos outros, Lupus
est homo homini lupus. Para que na sociedade não impere a lei da selva.
Foto: Lusa
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