quinta-feira, 20 de junho de 2019

O Irão paralisado


Thierry Meyssan*

A subida de tensões no Golfo é um jogo perigoso, que pode derrapar a qualquer momento. As sabotagens não reivindicadas dos petroleiros podem ser obra de qualquer dos actores, incluindo dos Estados Unidos utilizadores habituais de operações de falsa-bandeira. No entanto, uma análise racional mostra que Teerão não está, de forma alguma, com essa disposição de espírito.

Os Estados Unidos e o Reino Unido acusam o Irão da sabotagem de seis petroleiros no Golfo sem fornecer, a propósito, a menor prova, excepto um vídeo norte-americano de má qualidade. Segundo eles, uma embarcação dos Guardas da Revolução recuperaria uma mina-ventosa, não explodida, colocada no casco de um dos navios-tanque, precisamente quando os marinheiros garantem que o seu navio foi atacado por um drone ou um míssil.

O duelo Irano-Americano mudou de natureza desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em Janeiro de 2017, mas a reacção iraniana só pode ser compreendida em função dos episódios precedentes e da suas consequências.

O Presidente George Bush fizera tudo o que estava ao seu alcance para lançar uma guerra contra o Irão a seguir à guerra contra o Iraque. Ele entendia prosseguir a destruição sistemática das estruturas estatais do «Médio-Oriente Alargado», de acordo com a estratégia Rumfeld/Cebrowski. No entanto, numa primeira altura a Comissão Baker-Hamilton (2006) impediu-o. A classe dirigente dos EUA não conseguia ver um retorno rápido do seu investimento ao apoiar uma «Guerra Sem Fim». Numa segunda vez, o Comandante do CentCom, o Almirante William Fallon, que havia começado a discutir com Mahmoud Ahmadinejad a estabilização do Iraque, opôs-se a isso (2007-08). Por fim, o Vice-presidente Dick Cheney deu instruções a Israel para arrendar aeroportos georgianos de modo a poder bombardear directamente o Irão sem ter que reabastecer aviões em vôo. Mas apareceu a Rússia que cravou ao solo os bombardeiros israelitas nas primeiras horas da Guerra da Ossétia do Sul (Agosto de 2008).


À sua chegada à Casa Branca, Barack Obama tentou prosseguir a mesma estratégia, mas de uma maneira menos brutal. Como Bush e Cheney, ele estava convencido de que era preciso agir rápido a fim de deitar as mãos ao petróleo iraniano, numa altura em que este recurso ia, em breve, faltar à economia mundial (teoria do «pico petrolífero»). Em vez de lançar uma nova guerra, que o público dos EUA não queria, ampliou as manifestações co vista a derrubar o seu homólogo iraniano (2009). Constatando o fracasso desta «revolução colorida» contra Mahmoud Ahmadinejad, lançou então, em Omã, conversações com os habituais parceiros de Washington desde a revolução do Imã Ruhollah Khomeini, ou seja, o clã de Hashemi Rafsanjani. (Março de 2013) e, mais concretamente, o Xeque Hassan Rohani, que fora o primeiro contacto iraniano durante o escândalo Irão-Contras. Assim que este fora eleito (2013), iniciara de imediato negociações, de Estado a Estado, para partilhar o Médio-Oriente entre Sauditas e Iranianos, a coberto da luta contra a proliferação nuclear. Na Suíça, um tratado foi negociado na presença das grandes potências, mas que só acabou assinado em 2015. O Irão obteve o direito de exportar o seu petróleo de novo, a fim de poder relançar a sua economia.

Progressivamente, as relações entre os dois Estados normalizaram-se, até que Donald Trump se tornou Presidente dos EUA (2017). O seu objetivo era completamente diferente: a Casa Branca já não acreditava que o petróleo ia faltar, antes, pelo contrário, estava convencida que havia demais no mercado; assim, ela já não prosseguia a política imperial de seus antecessores, preocupava-se unicamente em ganhar dinheiro. Mais do que organizar o seu domínio sobre o Médio-Oriente, pensava limitar o aprovisionamento de crude no mercado mundial, de modo a poder manter os preços ao nível da rentabilidade do seu petróleo de xisto. Deste modo, os Estados Unidos encorajaram manifestações contra a classe político-religiosa (2017-18), e depois revogaram o acordo sobre o nuclear (2018).

Desde então, o Irão parece paralisado. Ao contrário dos políticos, os religiosos são rígidos e não sabem como fazer a sua própria auto-crítica. Acham-se como representantes de Deus na terra, e Deus não se enganaria. É por isso que, contrariamente a uma ideia generalizada, a teocracia iraniana é excelente a comerciar, mas péssima na diplomacia.

O Irão recusa qualquer oferta de negociações com os Estados Unidos e espera, desesperadamente, pelo retorno dos Democratas ao Poder em Washington; uma aposta perigosa na medida em que Donald Trump poderá ser reeleito por mais quatro anos e isto quando a economia iraniana está à beira do abismo.

Esta paralisia impede o Irão de planear (planejar-br) provocações como a que Washington e Londres lhe atribuem, tanto mais porque ataques contra os interesses ocidentais comprometeriam as suas futuras relações com os Democratas dos EUA.

Contra toda a expectativa, o método Trump não chegará a lado nenhum neste caso. A cultura persa é a das miniaturas. Ela tem aquele particularismo de que os iranianos são o povo mais capaz de suportar longuíssimos tormentos para triunfar.

Thierry Meyssan* | Voltaire.net.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

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