Renúncia como líder conservadora
é amarga para a PM britânica, que parece ter subestimado o poder destrutivo
do Brexit e não deixa legado político. Divórcio com a UE caberá agora a seu
sucessor.
Sexta-feira (07/06),
Theresa May deixa oficialmente a liderança do Partido Conservador e
continuará no cargo de primeira-ministra do Reino Unido somente até que um
sucessor seja eleito, o que deve acontecer até o fim de julho.
Os "obituários" sobre o
fim do mandato de May são extremamente corrosivos. Terá sido ela a
pior primeira-ministra britânica desde o fim do século 18, quando Lord
Frederick North não impediu a independência das colônias americanas? Ou desde
os anos 1930, quando Neville Chamberlain insistiu em sua fracassada política de
"apaziguamento" para com Adolf Hitler?
O veredicto dos historiadores
ainda está em aberto, porém muitos críticos estão convencidos, desde já, que a
legislatura de May constitui um recorde negativo.
Na convenção partidária de 2002,
em Bournemouth, a então secretária-geral dos conservadores chocou seu correlegionários ao comentar: "Vocês sabem como alguns nos chamam: o
partido nojento". Dita após uma nova derrota pelo Partido Trabalhista
de Tony Blair, a frase foi recebida como um sopro de refrescante honestidade.
Desde então, May era vista como
uma espécie de reformadora, disposta a livrar os tories da imagem de
reacionarismo tacanho e de partido fixado no enriquecimento dos ricos e na
manutenção do poder da classe alta inglesa.
Quando então assumiu a chefia de
governo em 2016 – depois do referendo do Brexit e de os aspirantes Boris
Johnson e Michael Gove sabotarem as próprias chances, numa trama de traição –,
May parecia ser a única adulta em meio a adolescentes imprevisíveis.
Seu discurso de posse alimentou
essa esperança. Ela apontou uma série de "injustiças ardentes", por
exemplo, os pobres morrerem nove anos mais cedo; os negros serem tratados com
mais dureza pela Justiça; filhos de operários terem menos chances de ensino
superior; e as mulheres ganharem menos do que os homens. Ela, em contrapartida,
queria transformar o Reino Unido num país que funcionasse para o bem de
todos.
Tudo indicava que uma verdadeira
reformadora social ocupava a Downing Street. O que May parece ter subestimado
inteiramente foi o puro poder destrutivo do Brexit. Para manter sua base de
poder no partido, ela se curvou desde cedo às exigências dos linhas-duras
antieuropeus.
Em janeiro do 2017, ainda antes
de começarem as negociações com a União Europeia, a primeira-ministra traçou
suas "linhas vermelhas", não só criando o problema da fronteira com a
Irlanda, como impossibilitando um divórcio da Europa mais consensual e
vantajoso. Uma série de ministros do Brexit antidiplomáticos e/ou incompetentes
transformaram os quase dois anos de negociações numa prova de nervos.
Entretanto May continuou cavando
cada vez mais fundo o buraco político em que se encontrava desde que, no início
do processo, se fixara num Brexit "limpo", no corte radical para com
a UE. Ela se aferrou a suas "linhas vermelhas", que acima de tudo
refletiam a opinião dos brexiteers do próprio Partido Conservador.
Quanto mais difíceis se tornavam as conversas com Bruxelas, mais May se
entrincheirava atrás da própria posição inabalável.
Com isso, a PM britânica
esquecia que só estava defendendo a opinião de uma minoria do país e do
Parlamento. Durante quase dois anos ela desperdiçou a oportunidade de explorar
as possibilidades de acordos com a oposição trabalhista ou com o Partido Nacional
Escocês (SNP), só começando a fazer isso no segundo trimestre de 2019, quando
já era tarde demais.
Último ato
O triste final é conhecido: entre
janeiro e o fim de março, a Câmara dos Comuns rejeitou três vezes o acordo de
separação da UE. Os brexiteers linhas-duras conservadores disseram
"não" por causa da concessão em relação à fronteira irlandesa; a
oposição, por não querer apoiar um "Brexit tory ruim".
Nenhum primeiro-ministro sofrera
tamanhas derrotas, antes de Theresa May. Apesar disso, ela chegou a cogitar uma
quarta tentativa de forçar o acordo a passar no Parlamento. Contudo teve que
reconhecer que sua posição era insustentável: só lhe restou a renúncia.
Theresa May não só falhou em
"levar a cabo" o Brexit, como prometera inumeráveis vezes: a
concentração nessa meta política acarretou simultaneamente uma paralisia total
do restante da política.
Do aumento dos ataques fatais a
facadas ao desastroso incêndio da Grenfell Tower, passando por bancarrotas de
grandes empresas: a PM não encontrou uma resposta política ou legislativa
para nenhuma das muitas crises. A dramática carência de moradias, uma reforma
social fracassada ou o incremento dos suicídios entre jovens fizeram manchetes
e permaneceram sem qualquer consequência política.
Ao fim de seu mandato, May teve
que reconhecer que fracassou. E ao ler os comentários no dia seguinte a seu
anúncio de renúncia, no fim do mês passado, deve ter caído novamente em
lágrimas. A melhor avaliação foi que tinha "se esforçado muito";
nenhuma corajosa reforma social, nenhuma iniciativa legislativa de futuro leva
o nome dela, e o Brexit ficará para seu sucessor.
E para ter sucesso no Brexit, ele
ou ela precisaria "encontrar consenso no Parlamento onde não
consegui", disse May em seu discurso de despedida na Downing Street.
"Só é possível encontrar tal consenso se todos os lados estiverem
dispostos a chegar a um meio-termo": o que deveria ser sobretudo uma
estocada nos próprios brexiteers conservadores, ficou antes parecendo
uma fatal autoironia.
No páreo para a sucessão
Antes mesmo de ser oficialmente
aberta a corrida para a sucessão, o Partido Conservador já contava com 13
candidatos ao posto de primeiro-ministro – um empurra-empurra como na
conquista do topo do Monte Everest. Ou os aspirantes não têm em conta as
competências políticas necessárias ou sofrem de autoestima excessiva. Seja
como for, entre eles estão também numerosos parlamentares de segunda categoria.
No momento, o candidato mais
promissor parece ser Boris Johnson, apesar das panes, gafes e catástrofes que
acompanharam seu mandato como ministro do Exterior. Contudo, vários correlegionários confiam em seu talento para a retórica popular, a fim de tanto
levar a cabo o Brexit quanto vender suas consequências.
Além disso, Johnson é considerado
o único capaz de vencer nas urnas tanto o líder da oposição
trabalhista Jeremy Corbyn quanto o populista pró-Brexit Nigel Farage.
O candidato já se comprometeu e fixou o 31 de outubro como data para saída da
UE, com ou sem acordo.
Por um lado, assim fica novamente
mais provável um "Brexit duro"; mas por outro, para Johnson, mudar de
opinião nunca foi um problema.
Barbara Wesel | Deutsche Welle
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