sábado, 27 de julho de 2019

A "uberização" do trabalho em Portugal


Plataformas de Internet como Airbnb e Uber têm presença cada vez maior em Portugal. Ali, a "economia compartilhada" floresce como em nenhum outro país da Europa. Mas quem é que lucra com isso?

Compartilhar está na moda em Portugal: ali, a plataforma de aluguer Airbnb oferece mais apartamentos do que na China ou na Alemanha. Recentemente, a chefe do Uber para o sul da Europa, Giovanna D'Esposito, classificou Portugal como "modelo de ouro" da sua empresa.

A economia compartilhada não se tornou apenas um fator económico importante, mas os portugueses participam dela com grande entusiasmo. Mas pessoas que atuam em categorias como motorista de Uber, de entregador de comida e guia turístico não conseguem ganhar muito. É por isso que economistas e alguns poucos políticos duvidam que o negócio de compartilhamento efetivamente funcione.


Por exemplo, segundo dados do Airbnb, turistas gastaram mais de 2 biliões de euros (cerca de 8,4 biliões de reais) no ano passado em Portugal: 115 euros por dia, quase metade disso supostamente nos bairros onde pernoitaram. Isso faz do país o décimo mercado mais importante para a plataforma no mundo, apesar de os habitantes reclamarem cada vez mais de uma "invasão de turistas com malas de rodinhas". Portugal registou cerca de 3,4 milhões de usuários do Airbnb no ano passado.

No entanto, a plataforma de aluguer de temporada tornou-se uma espécie de modelo de negócio para a classe média, que se muda do centro para bairros mais afastados e mais baratos a fim de alugar seus apartamentos em áreas centrais de cidades como Lisboa por meio do Airbnb.

Rendimentos adicionais e necessários

"Muitos precisam da renda extra para sustentar a família", constata José Soeiro, porta-voz de política económica do Bloco da Esquerda. Por falta de alternativa para lidar com o aumento do custo de vida, até professores universitários e altos funcionários estão alugando seus apartamentos em plataformas de internet, diz Soeiro, ressaltando que não se trata de compartilhar um apartamento com pessoas de outros países, mas simplesmente da sobrevivência económica.

"Grande parte dos portugueses ganha apenas o salário mínimo garantido pelo Estado de 600 euros mensais. Como motoristas da Uber, eles conseguem guardar mais nos bolsos no final do mês", apontou o sociólogo Elísio Estanque, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Seu tema de pesquisa é a "uberização" do trabalho em Portugal.

Preço alto

Segundo o sociólogo, o preço do boom da economia compartilhada é alto: com uma receita um pouco maior, os próprios motoristas passam a ter que pagar contribuições previdenciárias e custos operacionais. Além disso, eles também são totalmente responsáveis por acidentes e outros problemas potenciais.

"Muitos também dirigem em seu tempo livre. Têm na verdade um emprego diferente. Até eu mesmo recebi uma oferta. Só é preciso inscrever-se. Tudo é incrivelmente fácil", afirmou o sociólogo. Além disso, o governo português está constantemente promovendo empresas inovadoras de empreendedorismo e plataforma digitais. Resultado: nas cidades há agora mais motoristas da Uber do que de táxi.

Elísio Estanque ainda adverte que a economia compartilhada em Portugal gera ainda um paradoxo: a precarização de condições de trabalho que já são ruins. "Não existe jornada fixa de trabalho, garantia de renda, segurança social. Leis trabalhistas são afrouxadas".

Um motorista de táxi assalariado ganha cerca de mil euros líquidos mensais. Já um motorista do Uber com muitas corridas só consegue acumular cerca de 750 euros a mais no bolso – mas  isso antes do pagamento de impostos e contribuições para a segurança social. E claro que não tem proteção contra o desemprego.

Espaço sem direitos sindicais

O político esquerdista José Soeiro diz considerar a "indústria compartilhada" uma "maldição" em vez de uma "bênção", apontando que por isso seu partido é um dos poucos a exigir mais regulamentação sobre o negócio de plataformas de internet: "O boom da economia compartilhada em Portugal deve-se principalmente ao facto de ela se realizar num espaço quase sem legislação".

E o governo não ousa enfrentar o problema, acrescentou. "Tivemos a grande crise e agora o turismo é um fator económico importante, o desemprego caiu, ninguém quer preocupar-se com a Uber ou o Airbnb", apontou Soeiro. Mesmo que isso crie empregos precários e promova um trabalho autónomo enganador, acrescentou.

No entanto, o governo tomou apenas uma medida em relação às regras relaxadas para a Uber e o Airbnb: os rendimentos dos seus prestadores de serviços portugueses devem ser reportados ao fisco do país.

As plataformas de internet, por outro lado, elogiam o silêncio do governo e, à medida que o boom do turismo continua, realizam negócios cada vez mais lucrativos. Também o motorista da Uber Nuno, que preferiu ser chamado apenas pelo primeiro nome, mostrou-se entusiasmado com a economia compartilhada.

Ele dirige para uma firma que presta serviços para a Uber, tendo antes trabalhado para uma empresa de segurança. Ele diz ganhar bem e não se incomodar com a jornada de trabalho de dez horas. "Eu, explorado?", indaga Nuno com certa surpresa. "Todos os outros empregadores fizeram isso comigo antes."

Talvez o compartilhamento não funcione tão bem como se pensa em Portugal.

Jochen Faget (ca) | Deutsche Welle

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