segunda-feira, 15 de julho de 2019

A União Europeia avaliza a nomeação de quatro altos funcionários


Thierry Meyssan*

Tendo-se tornado a União Europeia por força dos Tratados numa estrutura supra-nacional, como podem os Estados-membros designar altos funcionários que lhes darão ordens ? De facto, não o fazem, limitam-se a avalizar as escolhas da OTAN, discutidas entre a Alemanha e a França.

Em princípio, foi decidido pelos Estados Unidos, a Alemanha e a França, antes das eleições para o Parlamento Europeu, que o Presidente da Comissão seria o alemão Manfred Weber. Este havia-se comprometido a fazer cessar os trabalhos de construção do gasoduto Nord Stream 2 e a limitar a compra de hidrocarbonetos russos pela União em benefício do gás dos EUA, muito mais caro a produzir e a transportar.

Para adormecer os eleitores europeus, uma intensa propaganda assegurara que o Presidente da Comissão iria ser eleito de acordo com uma «regra democrática»: seria o cabeça de lista do mais importante grupo parlamentar eleito. E não havia dúvida de que seria Manfred Weber como Líder dos Conservadores (EPP). É claro que esta regra jamais foi democrática uma vez que democrático teria sido designar uma pessoa apoiada, não por um grupo parlamentar, mas sim por uma maioria. No entanto, a imprensa e os candidatos repetiram esta incongruência, conscientes de que a União não passa de um logro.

Ora, no último momento, a França voltou atrás no seu compromisso. O Presidente Emmanuel Macron pretextou que o seu grupo parlamentar (ALDE, entretanto tornado Renew Europe) tinha alcançado um claro avanço e assim exigir um dos quatro postos dos altos cargos mais importantes. Assim, ele fez com que Manfred Weber fosse insultado pela cabeça de lista do seu partido, Nathalie Loiseau, que o qualificou de «ectoplasma» e vetou a sua nomeação. No fim, ele próprio propôs um novo candidato alemão, Ursula von der Leyen, uma vez que a designação da francesa Christine Lagarde para a chefia do Banco Central Europeu tinha sido confirmada.


Estas duas mulheres ocuparão pois os dois postos mais importantes, enquanto o belga Charles Michel presidirá o Conselho de Chefes de Estado e de Governo —assim como o da eurozona— e o espanhol Josep Borrell será o Alto Representante para os Negócios Estrangeiros (Relações Externas-br) e para a Política de Segurança. Estas duas funções são puramente formais. A Presidência do Conselho consiste unicamente em dar a palavra aos oradores e em representar a União no estrangeiro. O Alto Representante é o porta-voz de uma política que todos sabem de antemão ser fixada em Washington e não em Bruxelas.

Estas nomeações não foram escolha do Conselho Europeu, mas, antes da Chancelerina alemã e do Presidente francês, aquando duma conversa particular, depois confirmadas pelo Conselho.

Como foram estes quatro altos-funcionários selecionados? Eles devem obedecer a dois critérios: 

-- ser atlantistas;
-- ter qualquer coisa a esconder que permita fazê-los saltar se lhes acontecer perderem a sua fé atlantista.

Ser atlantista

Ser atlantista é uma evidência para qualquer funcionário europeu já que o Tratado de Maastricht e os seguintes estipulam que a Defesa da União é garantida pela OTAN, a aliança militar anti-Russos.

Assim, Ursula von der Leyen publicou uma oportunamente, no início do ano, uma coluna de opinião no New York Timespara fazer a apologia da OTAN que «defende a ordem mundial» [1].

O atlantismo de Christine Lagarde não precisa sequer de ser demonstrado uma vez que ela iniciou a sua carreira como assistente parlamentar no Congresso dos EUA e se tornou lóbista da indústria de Defesa dos EUA contra o seu contraparte francês. Foi ela que convenceu a Polónia a comprar o armamento feito pela Boeing e Lockheed-Martin em vez do da Airbus e Dassault [2].

Charles Michel é o Primeiro-ministro do país anfitrião da OTAN e é recomendado pelo seu pai, Louis Michel, antigo Comissário Europeu para a Cooperação Internacional, a Ajuda Humanitária e a Resposta a Crises. Josep Borrell, um antigo do kibutz de Gal On (Deserto do Neguev), foi Presidente do Parlamento Europeu, onde ardentemente defendeu o princípio da vassalagem europeia à Aliança Atlântica.

Os quatro candidatos foram convidados, é claro, para as reuniões do grupo Bilderberg, o clube da OTAN. No entanto, Josep Borrell não pode lá ir no mês passado, tendo-lhe esta participação sido interdita pelo seu Primeiro-ministro.

«Ter um esqueleto no armário»

Por muito que confiem nos seus empregados, os Estados Unidos preferem sempre dispor de um meio de pressão para os meter na linha. De facto, acontece demasiadas vezes que altos funcionários não se limitem ao astronómico salário que lhes é pago e lhes dê na cabeça de se porem a servir, realmente, os seus concidadãos.

Uma investigação judicial estava em curso sobre a gestão do Ministério da Defesa por Ursula von der Leyen. Enquanto o exército alemão está notoriamente sub-equipado, a gigantesca ultrapassagem de orçamentos em vários casos havia já desencadeado uma investigação por uma empresa de auditoria, a qual achou as explicações fornecidas satisfatórias. Mas, a descoberta que, no seio dessa empresa, a auditoria havia sido dirigida pelo filho desta grande aristocrata alertara a Procuradoria (Promotoria-br). O chamado «Estado de direito» alemão é tal que a Chancelaria tem o poder de parar as investigações judiciais a membros do governo.

Christine Lagarde foi condenada por «negligência» pelo Tribunal de Justiça da República Francesa, mas foi isenta de punição. Ela tinha decidido levar um litígio financeiro opondo um banco público a um antigo ministro a um tribunal de arbitragem em vez dos tribunais comuns.

Ora, a arbitragem foi contra o Estado e deu razão ao antigo ministro, o que jamais devia ter acontecido.

Eu ignoro em que casos escuros Charles Michel e Josep Borrell se terão envolvido, mas seguramente existem : o primeiro não aceitou dirigir um governo minoritário e o segundo, quando estava no topo da sua carreira, não se afastou por sua própria iniciativa da vida política durante uma dezena de anos?

Os salários de cada um destes quatro altos funcionários serão duas vezes mais elevados que o do Presidente francês. Não se trata de remunerar as suas qualidades excepcionais, mas de garantir que eles as coloquem ao serviço do seu suserano. É esse o preço da sua traição.


* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “The World Still Needs NATO”, Ursula von der Leyen, New York Times, January 18, 2019.
[2] « Avec Christine Lagarde, l’industrie US entre au gouvernement français », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 22 juin 2005. Após ler este artigo, o Presidente Jacques Chirac suspendeu o direito de assinatura da sua nova ministra que tinha que reportar-se, a propósito, em todos os assuntos ao Primeiro-ministro.

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