O papel do historiador, segundo
Peter Burke, é de lembrar a uma sociedade aquilo que ela já esqueceu, seja
propositalmente ou por força da ação do tempo. (GGN)
Diego Ramos | em GGN
Nesta semana a internet foi
surpreendida com uma homenagem feita pela equipe de mídias sociais do exército
brasileiro à memória de um oficial alemão morto aqui no Brasil durante uma ação
de um grupo de luta armada. A surpresa em si não estava no fato dos militares
terem aderido à “guerra ideológica” que vem ganhando força no país nos últimos
anos, buscando provocar a oposição através de mensagens nas redes. Nada mais
comum em tempos de governo Bolsonaro. O fato curioso é o passado do oficial
Eduard von Westernhagen, membro do exército nazista e condecorado por Adolf
Hitler. Essa mácula no currículo do oficial alemão foi o suficiente para que a
opinião pública sensata desabasse sobre a cabeça dos responsáveis pela
publicação, o próprio exército brasileiro.
O papel do historiador, segundo
Peter Burke, é de lembrar a uma sociedade aquilo que ela já esqueceu, seja
propositalmente ou por força da ação do tempo. A proximidade de parcela de
nossa caserna com elementos pró-nazi não é nenhuma novidade. Por diversas vezes
o exército brasileiro manteve algum grau de aproximação com partidários do
Eixo. Generais germanófilos, oficiais colaboracionistas, simpatizantes do
nazismo ou espiões nazistas de alguma forma se aproximaram dos militares e,
numa conjugação de valores e ideias (autoritárias, principalmente), articularam
seus interesses e impuseram sua vontade ao povo brasileiro. Vale ressaltar que
não há uma equação que mostre que o passado de adesão às ideias nazistas torna
aquela figura um nazista convicto. Existem uma série de fatores que podem
explicar a adesão àquelas ideias, naquele momento. Mas essa talvez seja
discussão para outro artigo. Neste momento vamos procurar nos ater aos exemplos
clássicos onde militares e nazistas estiveram muito próximos, alguns casos em
relações nada republicanas.
O clima belicoso que tomou conta
dos anos 1930 no mundo se refletiu no Brasil. O surgimento do movimento
integralista aqui com seu ideário fascista, a política de aproximação de
Getúlio Vargas com a Alemanha e a inspiração que o fascismo exercia em
elementos do governo foi um fator preponderante para explicar a preferência de
alguns personagens da política nacional com o nazismo, como o caso do general
Eurico Gaspar Dutra, admirador assumido do exército nazista. Militar de carreira,
após a guerra opta por uma aproximação com os Estados Unidos na lógica da
Guerra Fria. Outro exemplo era o chefe de polícia da Guanabara Filinto Strubing
Müller, famoso por articular a deportação da militante comunista judia Olga
Benário Prestes para o governo de Hitler. Muller atuou politicamente a
posteriori como senador da ARENA, o partido de apoio à ditadura militar
nos anos 1960 no Brasil, chegando a líder do governo no Senado.
Um caso curioso de militares
admiradores de Hitler é o de Túlio Régis do Nascimento. Capitão do exército
brasileiro durante os anos 1940, integralista, partidário declarado do nazismo,
participou ativamente de uma rede de espionagem alemã no Brasil durante a
Segunda Guerra. Sua missão mais importante seria a instalação de bombas para
afundar navios aliados atracados no porto do Rio de Janeiro, mas antes que se
concretizassem seus planos, foi preso.
Outro exemplo de como os
militares não eram muito criteriosos com o passado dos seus aliados foi a
trajetória do ex-governador do Rio de Janeiro, Raymundo Padilha. Partidário do
integralismo nos anos 1930, esteve envolvido em alguns episódios de espionagem,
inclusive sendo detido na mesma operação que prendeu Túlio Régis. Nos anos 1950
e 1960 representou a política conservadora no antigo estado do Rio de Janeiro e
durante a ditadura chegou ao posto de líder do governo Castello Branco,
terminando sua carreira como governador indicado pelo regime.
E a historiografia está de tempos
em tempos nos disponibilizando outros casos onde militares e fascismo estiveram
bem próximos. Recentemente o jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria onde
um criminoso nazista recebeu proteção da ditadura contra sua extradição para
julgamento. Existem outros casos semelhantes e muitos outros a serem publicados.
Mas o que devemos problematizar, principalmente, é que a ditadura militar foi
construída sobre os pilares do autoritarismo, herdado inclusive dos movimentos
fascistas brasileiros, inspirados nos europeus. Não é à toa que quase todos os
casos apresentados aqui vão encontrar algum espaço dentro das estruturas do
regime. Tristes tempos para a Força Expedicionária Brasileira, militares
honrados que morreram na luta contra o fascismo.
*Diego Ramos – Doutorando em
História Social – UERJ/FFP. Mestre em História Social – UERJ/FFP. Grupo
de Pesquisa “Direitas, História e Memória”. Núcleo de Estudos “Território,
Movimentos Sociais e Relações de Poder” (TEMPO – UERJ/FFP)
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