terça-feira, 13 de agosto de 2019

Portugal dos motoristas | Nas garras do falcão


Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

É consensual que as reivindicações dos motoristas de mercadorias perigosas são justas. Não o negam os patrões, nem o contradiz o Governo, e mal se percebe, portanto, que esta paralisação possa ser considerada injusta. Ao decretar a requisição civil, o Governo responde da única forma que podia responder perante o não cumprimento dos serviços mínimos, mas a justiça desta luta já está perdida. A partir daqui, só pode piorar para os trabalhadores em greve.

Uma luta com uma desigualdade em relação às armas usadas que é tão gritante, a mostrar que o interesse do Governo - um país a funcionar sem grandes dificuldades - o torna aliado dos patrões. A maior injustiça, no entanto, é que a falta de apoio popular - que esta greve nunca poderia ter tido, porque ninguém gosta que lhe estraguem as férias - seja agora justificada pela enorme desconfiança que suscita o "sindicalista" Pardal Henriques. Na visão datada deste advogado, um Governo em véspera de eleições cede o que tiver de ceder. A soberba anda muitas vezes de mãos dadas com a ignorância. Na primeira greve, o Governo e o primeiro-ministro foram apanhados desprevenidos e deixaram o país em pânico, só que António Costa anda na política há muitos anos e nunca comete o mesmo erro duas vezes.


Como bem notou Ana Sá Lopes, no Público, a semana que antecipou a paralisação dos motoristas foi de "agitprop" para levar a opinião pública a virar-se contra os motoristas e os sindicalistas que os representam. Não cumprir os serviços mínimos foi mais um erro de um sindicato que deu ao Governo o último trunfo. A justiça das reivindicações desses trabalhadores passou a valer zero, exatamente porque se aproximam eleições e para as ganhar com maioria absoluta todos os meios se justificam. O líder do Governo mais à esquerda, pós-25 de Novembro, chega às eleições com um curriculum de fazer inveja a qualquer político de direita: é o primeiro-ministro das contas certas e da ordem pública.

Pardal Henriques quis ganhar um jogo que nunca jogou e António Costa venceu em toda a linha, mesmo tendo de sacrificar as justas reivindicações daqueles trabalhadores. O que se viu foi um pardal a voar contra o vento em direção às garras de um falcão. A Esquerda assiste embevecida e a Direita de mãos atadas!

P.S. É igualmente notável que o presidente da República faça saber que teme uma maioria absoluta do Partido Socialista, mas que toda sua ação política se conjugue para esse objetivo.

* Jornalista

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